quarta-feira, 23 de agosto de 2023

A CHAMADA

Por Ricky Nobre

É muito curioso como Liam Neeson saiu de dramas como A Lista de Schindler, Rob Roy e Nell para herói de ação, a partir do grande sucesso de Busca Implacável. Basta observar em sua filmografia recente a quantidade de cartazes onde ele aparece empunhando uma arma, do 38 ao fuzil. A Chamada chega com uma proposta que poderia ser uma quebra interessante desse padrão. Ao voltar à figura do pai que faz tudo para proteger a família, que tanto sucesso fez na trilogia já mencionada, o novo filme de Nimród Antal muda o perfil do protagonista. Apesar da primeira cena onde ele aparece treinando box em casa, sugerindo de antemão um preparo dele para luta corporal, o personagem de Neeson aqui é um corretor de ações sem aptidão alguma para violência. Com seu casal de filhos no carro, ele sofre uma espécie de sequestro remoto, onde uma bomba sob o assento seria acionada caso ele saísse do veículo, sendo obrigado, a partir daí, a seguir as ordens de uma voz misteriosa ao telefone. 

 

A Chamada já é o terceiro remake do filme espanhol El Desconocido (2015), seguido do alemão Direção Explosiva (2018) e do sul coreano Ligação Explosiva (2021). Nesta versão, Antal recicla situações de filmes como Por Um Fio e Celular dentro dos limites de um suspense de confinamento. O protagonista é apresentado como um homem que mente ou omite a verdade com naturalidade, seja no trabalho ou na vida pessoal, e isso é apresentado como um tema que permeia o filme. Essas ideias abrem espaço para que o roteiro desenvolva situações de suspense e de drama familiar bastante interessantes. Infelizmente, o filme perde todas as oportunidades de fazê-lo. O argumento, ou seja, história básica e sequência de acontecimentos, é razoavelmente interessante. Porém, a forma como o roteiro as desenvolve, seja nos diálogos ou no detalhamento da história, é, nos melhores momentos, medíocre. 

 

Antal filma tudo de forma apenas correta, quase nada além do burocrático, e quando precisa elaborar uma cena tensa e essencial, ela não resiste ao ser reelaborada mais adiante (quando, perto do fim, um personagem explica como fez uma coisa parecer outra é quase impossível segurar o riso). Nisso, Neeson contribui enormemente no esforço em manter a atenção do público ao arrancar cada fiapo de substância de seu personagem que se esboça no roteiro. A forma como o protagonista mente não apenas em proveito próprio, mas também para atenuar o máximo possível qualquer situação desagradável, se funde com sua angústia em ter que realizar tarefas ordenadas pelo sequestrador, angústia esta que, estampada constantemente na expressão do ator, é a única conexão sólida que o espectador consegue ter com o filme.

 

Acaba residindo mesmo no elenco a responsabilidade de manter a atenção e a conexão do público com o filme. Mas a inabilidade do roteiro em tornar algumas situações críveis e a incapacidade da direção em elaborar essas situações de forma cinematograficamente empolgante, onde a construção das cenas torne a emoção do momento mais interessante do que a lógica, selam o destino do filme, tornando-o apenas mais um suspense corriqueiro, burocrático e esquecível. Nada além de mais uma máquina pagadora de boletos do Liam Neeson.


 COTAÇÃO:

 


A CHAMADA (Retribution, EUA/França/Alemanha/Espanha – 2023)

Com: Liam Neeson, Noma Dumezweni, Jack Champion, Embeth Davidtz, Lilly Aspell e Matthew Modine

Direção: Nimród Antal

Roteiro: Alberto Marini, baseado no roteiro de El Desconocido" de Christopher Salmanpour

Direção de fotografia: Flavio Martínez Labiano

Montagem: Steve Mirkovich

Música: Harry Gregson-Williams

Design de produção: David Scheunemann            

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