quinta-feira, 17 de agosto de 2023

BESOURO AZUL

 Por Ricky Nobre

E a DC volta aos cinemas em 2023 com mais um filme pra cumprir tabela. Uma vez que o novo "dono da bola" James Gunn anunciou um reboot (pero no mucho) do universo, filmes que já haviam iniciado suas produções antes disso ficaram em situação complicada. Por mais que tenha sido mexido e remexido ao longo de anos, The Flash ficou como o filme que encerrou de vez o DCEU. O que vai ser de Aquaman 2, a ser lançado em novembro, só Deus sabe. No meio, ficou Besouro Azul, que Gunn resolveu adotar para sua nova linha de tempo que, podemos dizer, estreia agora.

 

Porém, pela forma como foi escrito, Besouro Azul funciona de forma tão independente que pode se encaixar em qualquer linha de tempo, dependendo do head canon de cada um. E esta parece ser uma qualidade em um momento em que o espectador comum e casual aparenta já estar farto de filmes do gênero onde ele se sente obrigado a assistir a filmes anteriores para compreender o que acontece. Ainda assim, é curioso perceber que o gênero já está tão viciado em ter um "legado" que, mesmo sendo um filme de origem sem nenhum outro anterior que o influencie, o próprio roteiro cria um passado para si, onde o novo herói Jaime Reyes segue, mesmo que inicialmente a contragosto, os passos do Besouro Azul original, que desapareceu 15 anos antes, e que é pai da mocinha Jenny.

 

O grande trunfo de Besouro Azul e sua maior qualidade é sua extrema simpatia. Existe um enorme cuidado com todo o casting da família Reyes, que possui uma dinâmica e entrosamento cativantes e genuinamente engraçado na maioria das vezes. E nessa dinâmica, o filme trabalha a identidade latino-americana, que aqui é verdadeiramente protagonista. De referências musicais a citações à cultura pop, mais especificamente a mexicana, o filme do porto-riquenho Angel Manuel Soto, deixa claro que está dialogando diretamente com essa parcela do público, estabelecendo uma identidade muito bem marcada. Essa latinidade se arrisca, por vezes, principalmente em momentos cômicos, a cair na caricatura da "família latina maluca", e isso provavelmente será percebido de formas diversas pelo público. Além disso, o casal formado por Xolo Maridueña e Bruna Marquezine sugere uma química entre eles que não é tão bem explorada quanto poderia, mas com a possibilidade de se desenvolver muito na eventualidade de uma continuação.          

 

Se o filme acerta tanto nesses aspectos, ele segue razoavelmente correto nos demais, porém é tudo bem genérico, bem padrão. O desespero do protagonista dentro de uma armadura a qual não controla (que talvez se estenda um pouco demais dentro da trama), o rastro de destruição que deixa, a raiva, a aceitação, tudo dentro da cartilha. Onde ele falha terrivelmente é com os vilões, tão genéricos que parecem terem sido escritos por AI. Se Ellen Mirren foi tristemente desperdiçada em Shazam 2, aqui foi a vez de Susan Sarandon, que acaba fazendo tudo meio no automático diante de um texto quase tão ruim quanto. Carapax tem grande potencial, mas é só um brucutu quase sem falas que o filme resolve desenvolver nos últimos 15 minutos, mas apenas porque o protagonista precisa disso.

 

Em sua apresentação mais formal, Besouro Azul segue o padrão da maior parte do DCEU, recuperando sua estética mais apurada e efeitos CGI muito mais bem acabados. Soto, porém, adiciona mais algumas pinceladas de latinidade, como alguns movimentos claramente inspirados nas lutas livres mexicanas, principalmente no último grande embate. Porém talvez a mais interessante seja como Soto permite diversos exageros dramáticos por parte dos atores, que a câmera e a montagem acompanham e completam, em momentos mais trágicos e emocionais, arriscando-se a ser percebido como excessivo ou cafona, porém dialogando diretamente com o melodrama mexicano em específico, e no latino-americano como um todo. Além disso, apesar do núcleo de personagens principal ser mexicano, alguns outros personagens de outros países da América Latina reforçam, em alguns momentos específicos, a ideia de uma unidade cultural e, até mesmo, política, onde suas semelhanças inspiram a união contra os verdadeiros inimigos.

 

Por fim, mesmo sendo muito genérico com vários aspectos e falhando muito com os vilões, Besouro Azul vence pela imensa simpatia e por dialogar muito diretamente com o público latino-americano, numa representatividade que consegue ir além da meramente cosmética, como tem acontecido com algumas produções recentes. Na eventualidade de uma continuação, ou mesmo na participação das personagens no novo universo DC que se forma, seria bom que essas qualidades se alinhassem com alguma criatividade maior nas demais áreas. Ainda assim, é bem previsível que ele terá um carinho especial do público latino, especialmente do mexicano, mas também do brasileiro, que está comemorando a boa participação da Marquezine como se fosse um gol na Copa. Mas a verdade é só uma: quem não amar a vovó revolucionária é um gringo safado.

 

 COTAÇÃO:


 

BESOURO AZUL (Blue Beetle, EUA – 2023)

Com: Xolo Maridueña, Bruna Marquezine, Belissa Escobedo, Susan Sarandon, Raoul Max Trujillo, Damián Alcázar, George Lopez, Adriana Barraza, Elpidia Carrillo, Harvey Guillén e Becky G.

Direção: Angel Manuel Soto

Roteiro: Gareth Dunnet-Alcocer

Direção de fotografia: Pawel Pogorzelski

Montagem: Craig Alpert

Música: Bobby Krlic

Design de produção: Jon Billington

 

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