Por Ricky Nobre
Eu nunca escrevo em primeira pessoa. Apesar da minha formação em publicidade e em cinema, abracei esta prática jornalística de, mesmo produzindo um texto rigorosamente subjetivo, desenvolver uma narrativa totalmente objetiva na aparência. Reparem que em minhas críticas aqui pro Séries, eu nunca digo “eu acho”, “eu penso”. Digo, “é”, “não é”. Isso dá a impressão ao leitor de que eu sei do que estou falando. Mas hoje escrevo em primeira pessoa, pois o assunto me perturba e revolta de forma muito pessoal.
Antes de mais nada, sim, eu vim aqui falar de BBB. E para não deixar dúvidas, vou logo esclarecendo de uma vez:
1 – Não, eu não virei fã do BBB e nem passei a assistir.
2 – Não, eu não estou desesperado por aumentar a visitação do blog.
Assim, vamos adiante.

É meio impossível não saber nada sobre BBB. E olha que eu me orgulho muito de conseguir me manter o mais alienado possível da cultura televisiva aberta brasileira, assim com de boa parte do que faz sucesso na música, seja brasileira ou não. Mas não dá pra não saber nada sobre BBB. Está em todos os lugares, todos os jornais, todas as revistas, nos intervalos da TV a cabo, absolutamente em qualquer lugar. Em sua décima edição, encerrada na noite de ontem, a Globo continua com motivos para comemorar. Se a audiência caiu muito em comparação às primeiras edições, a participação do público só aumenta e atingiu um recorde inacreditável no último episódio: nada menos do que 152 milhões de votos!!! Menos pessoas estão vendo BBB, mas as que vêem mostram uma devoção obsessiva com os resultados e com seus brothers e sisters favoritos.

Uma nota pitoresca. Minha namorada, brilhante antropóloga, com uma bagagem intelectual que me mata de inveja, é louca por TV e por cultura de massa. É viciada em reality shows e assiste de tudo, até o inacreditável Girls From Playboy Mansion. Mas ela detesta BBB. Ao contrário dos demais realities, que mostram pessoas em, supostamente, suas vidas e rotinas normais, ou nos realities de competição, em que os participantes disputam um prêmio a partir do exercício de seus talentos profissionais, seja cantando, desenhando roupas, sendo modelos, cozinhando ou seja lá o que for, no BBB é diferente. Um grupo de pessoas se isola do mundo e fazem... NADA! Simplesmente, nada!!! Participam de prova bobinhas, no estilo game-show, ganham alguns prêmios em testes de habilidade ou resistência, e procuram angariar a simpatia popular para atingir o grande prêmio, atualmente em 1,5 milhão de reais. Os demais realities não fazem muito sucesso no Brasil. A(s) versão(ões) brasileira(s) do American Idol lutam sempre para continuarem no ar e não revelam ninguém que faça realmente sucesso. Outros pequenos programas, como versões do Esquadrão da Moda, ou Dez Anos Mais Jovem, tem participações bem modestas no ibope. Mas BBB e A Fazenda são sucessos estrondosos. Por quê? Porque o brasileiro não tem tanta admiração por quem vence através do trabalho quanto tem por quem vence pela sorte ou pela “esperteza”. No BBB, o vencedor ganha dinheiro pra ficar três meses numa casa de luxo sem fazer nada! Não depende de talento, de esforço, de trabalho. Ganha quem for esperto o suficiente pra jogar bem e ganhar a simpatia do público.
Fernanda: bonita demais pra ganhar.
Mas voltando à minha namorada, ela se mudou recentemente e ficou sem TV a cabo. Rodando os nossos pouquíssimos e sofríveis canais abertos, ela parou na Globo e suspirou: “Agora entendo porque as pessoas vêem Big Brother. Não tem NADA mais pra ver”. Foi assim que assisti uns três ou quatro episódios das últimas semanas deste BBB.
Que Dourado ia ganhar era fácil de prever. Qualquer um podia ter a esperança de que isso não acontecesse, pois esperança é um sagrado direito do ser humano. Mas ele correspondia a um padrão. Me lembro em 2000 o quanto o resultado do primeiro Big Brother me revoltou. Foi uma revolta tão profunda, que martela na minha cabeça até hoje. Logo nas primeiras semanas, Xiane, uma loura meio feinha e muito gostosa protagonizou a primeira cena de “edredon” com um bronco chamado Bam Bam. O povo ficou muito revoltado com aquela pouca vergonha e botou a menina pra fora da casa logo naquela mesma semana. Então na semana seguinte, foi a vez do cara ser punido pela decência popular, certo? Errado!!! Ele foi até o fim da competição e GANHOU O PROGRAMA!!!! Em plena virada do milênio, o brasileiro mostrou que continua moralista, provinciano, preconceituoso e misógino. A mulher foi punida pela sacanagem, o homem, premiado.
Xaiane foi expulsa e Bam Bam, premiado for fazerem a mesma coisa e juntos!
Desta forma, não era de se admirar que o machão homófobo Dourado, que foi vilão no BBB4, virasse herói do BBB10. Somado a isso, ele conseguiu outro rótulo que garantiu a vitória de vários brothers anteriores: o de coitadinho. Hostilizado por boa parte dos competidores e do público, aos poucos ele foi conquistando a simpatia digna dos incompreendidos. Somando-se ao fato de que mulher bonita e gostosa jamais ganhou um BBB (o que deixou Fernanda fora da jogada), o caminho ficou livre pra Dourado vencer o boa praça Kadu, que era amigo de todo mundo na casa, gostosas, machões, gays, lésbicas, todos. O grande prêmio e o momento de glória foram para aquele que carrega os valores tipicamente brasileiros: o preconceito, o machismo e a cultura do derrotado.
Parabéns pela vitória, Douroado. Você é a cara do Brasil. Você merece!
