terça-feira, 26 de março de 2019

DUMBO


Por Ricky Nobre


A Disney está fora de controle! Não apenas quer dominar o mundo comprando Hollywood inteira, como também está numa fissura contínua e irrefreável em criar versões live action de praticamente todos os seus clássicos de animação. O que começou como uma excelente e original ideia em Malévola, acabou como uma enxurrada de adaptações cada vez mais próximas às originais, muito pouco acrescentando para justificar a refilmagem de clássicos. É aí que entra Dumbo de Tim Burton como um delicioso (e, como é de Burton, sombrio e melancólico) alívio nesta linha de montagem de onde já despontam em breve Alladin, Rei Leão e Mulan.

 

Disney realizou Dumbo em 1941, vindo diretamente do fenomenal fracasso comercial de Fantasia (1940). Seu filme anterior, Branca de Neve e Os Sete Anões (1937), mudou absolutamente todas as regras que se tinham como sólidas em animação e foi um sucesso arrasador. Empolgado, Disney superestimou a predisposição do público em assistir um longo filme episódico com muita animação experimental. Desta forma, em Dumbo, Disney deu uma guinada drástica de volta à simplicidade. Ainda que tenha se permitido enfiar o pé na jaca do experimentalismo na sensacional sequência dos elefantes cor de rosa, Dumbo contava uma história extremamente simples, de forma direta, com canções originais divertidas para agradar as crianças, tudo numa metragem bastante curta (apenas 62 minutos). 

 

Ao revisitar este clássico 78 anos depois, Burton realiza um filme completamente diferente do original ao mesmo tempo em que é uma adaptação perfeita. Ao decidir não ter animais falantes, os personagens principais se tornam o cavaleiro Holt (Colin Farrell) seu casal de filhos Milly (Nico Parker) e Joe (Finley Hobbins), que se tornam os responsáveis pelo pequeno Dumbo, rejeitado pelo dono do circo em decadência Max Medici (Danny DeVito, sensacional) pelo motivo que já conhecemos: as orelhas gigantes. Ambientado em 1919, o filme mostra o empenho das crianças em encaixar Dumbo no ambiente circense, que é mostrado como uma grande família.

 

A jogada de mestre de Burton foi fazer uma adaptação razoavelmente fiel (dentro da nova proposta, obviamente) do filme original até a história se esgotar, na metade do filme. A partir daí, temos uma espécie de “Dumbo 2”, onde um magnata do entretenimento (Michael Keaton) fica sabendo do sucesso de Dumbo e procura Max oferecendo comprar não apenas Dumbo mas também todo o circo e torná-lo sócio. A partir daí, é uma história completamente nova, porém sem nenhuma sensação de quebra de continuidade, mas apenas o desenvolvimento natural da história. 

 

Dumbo tem muitos trunfos, a começar pelo elenco, com destaque especial para De Vito, Keaton, Eva Green e as crianças. Aí entra também o bebê elefante. Dumbo é uma mistura perfeitamente equilibrada de realismo com cartum. Magistralmente animado, ele mantém uma impressionante expressividade sem qualquer lapso de exagero. Como é uma infância sofrida (e é um filme de Burton), ele carrega constantemente um olhar triste e melancólico, seja pelo bullying que sofre, pela saudade da mãe, ou pelas tentativas frustradas em se adaptar. Seu jeito de bebê é absolutamente encantador e conquista o público sem nenhuma dificuldade. A temática do filme original é mantida ao tratar da riqueza que existe no “diferente”, que tem reflexos em todos os componentes do circo, em especial o personagem de Farrell, que se mantém um grande cowboy mesmo tendo perdido o braço na guerra. 

 

Os filmes de Burton sempre têm aquela fotografia que nos dá a impressão de que não precisaria necessariamente ser tão sombria o tempo todo. Aqui, não é exceção, mas o fotógrafo Ben Davis acaba administrando isso muito bem, evidenciando a belíssima direção de arte. O compositor Danny Elfman, que não anda particularmente inspirado nos últimos anos, realiza aqui seu melhor trabalho em muito tempo, e é um dos principais elementos da força emocional do filme. Burton escolhe com muita inteligência suas referências ao filme original, seja a utilização da pena, a sequência inicial do trem, do ratinho Timóteo, ou a forma de reproduzir a inesquecível sequência de Dumbo com a mãe presa, ao som de Baby Mine. O tom melancólico de Dumbo (o filme e o personagem) é extraído não apenas da própria história mas também desses ecos agridoces do passado, onde o saudosismo das referências do filme original reverberam emocionalmente no público. O filme tem algumas ressalvas a serem feitas, como sua solução em reproduzir a cena dos elefantes cor de rosa, que parece meio deslocada e um tanto inexplicável no sentido prático. A mais problemática, porém, é uma tola e preguiçosa solução do roteiro para que estabelecesse o cenário do clímax. O personagem de Keaton assume contornos de vilão caricato dos mais tolos e anacrônicos, depondo contra a estabelecida inteligência do personagem (e até a do público). Perto da conclusão, desce muito quadrado.

 

Tim Burton é o tipo de cineasta que tem um estilo tão marcante que seria possível identificar um filme seu mesmo sem créditos. Em Dumbo isso não é diferente, e o estilo visual, musical e dramático do filme representam a quintessência do diretor. Com uma filmografia rica porém inconstante, por vezes Burton se atrapalha em seus próprios clichês e pode até se tornar uma caricatura de si mesmo. Isso definitivamente não é o caso de Dumbo. Um filme lindo, divertido, profundamente emocional e melancólico e, ainda assim, alegre e otimista. Burton não poupou esforços em demolir as defesas emocionais do público mais casca grossa, então leve seu pacotinho de lenços. Um espetáculo deslumbrante para crianças e adultos.

 

COTAÇÃO:
DUMBO (2019)

Com: Colin Farrell, Michael Keaton, Danny DeVito, Eva Green, Alan Arkin, Nico Parker e Finley Hobbins

Direção: Tim Burton

Roteiro: Ehren Kruger

Fotografia: Ben Davis

Montagem: Chris Lebenzon

Música: Danny Elfman

Desenho de produção: Rick Heinrichs

Direção de arte: Andrew Bennett e Dean Clegg

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