quarta-feira, 11 de outubro de 2023

ALCATEIA NO FESTIVAL DO RIO 2023: DIA 9/10

 Por Ricky Nobre

 

FILME 6: DOENTE DE MIM MESMA

Syk Pike (Menina Doente no original ou em seu brilhante título internacional Sick of Myself) é uma comédia difícil, bizarra e mórbida, a receita perfeita para aqueles filmes de crítica social radical e espertinha que usam o choque para gerar um incômodo vazio. Esse, felizmente, não é o caso aqui. O filme parece partir da pergunta: o que acontece quando duas pessoas narcisistas se relacionam? Signe, que gosta de ser sempre o centro das atenções, vive com o namorado artista, designer e cleptomaníaco. Quando uma mulher é atacada por um cão em frente à lanchonete onde trabalha, ela passa procurar a atenção alheia, primeiro fingindo ter doenças e depois provocando doenças reais em si mesma. 

 

À medida em que o quadro de saúde de Signe piora, ela cada vez mais anseia e exige toda a atenção de amigos, colegas, família e até da mídia, mas principalmente do namorado que, ainda que a condição dela o choque pontualmente, sempre prioriza a si mesmo. Incapaz de lidar com esse narcisismo do namorado e de seu próprio, ele segue provocando a piora de sua saúde até perder o controle. 

 

O diretor Kristoffer Borgli é particularmente hábil em extrair humor do comportamento absurdo de Signe. Se de um lado o humor vem diretamente dela, os aspectos mais chocantes da doença que deforma e deteriora seu corpo são encarados com certo horror pelo mise-en-scène, seja pela forma como é enquadrado, seja pela música, com tons de horror, seja pela reação de Signe em momentos em que ela parece de fato assustada com o rumo que aquilo está tomando. Essa sobreposição do humor dos delírios narcisistas da protagonista e do horror da destruição do seu corpo geram não exatamente um contraste, mas sim um quadro verdadeiramente bizarro e incômodo, mas também bastante claro tanto sobre uma cultura narcisista atual nas redes sociais quanto sobre saúde mental. É quase como um Östlund com talento.

Signe é uma pessoa horrível que faz coisas horríveis, mas o pior que ela faz é contra si mesma. Borgli nos desafia, de forma inteligente e provocativa, a rir e se horrorizar com ela.

COTAÇÃO:


DOENTE DE MIM MESMA (Syk Pike, Noruega – 2022)

Com: Kristine Kujath Thorp, Eirik Sæther, Fanny Vaager, Sarah Francesca Brænne e Steinar Klouman Hallert

Direção e roteiro: Kristoffer Borgli

Fotografia: Benjamin Loeb

Montagem: Kristoffer Borgli       

Música: Turns

 

FILME 7: A NATUREZA DO AMOR

 

A diretora Monia Chokri brinca com muita esperteza com gêneros em A Natureza do Amor. Boa parte do tempo, ele tem estrutura de uma comédia romântica. No entanto, ao lidar com o tórrido relacionamento de Sophia com o rústico e bonitão Sylvain, ela evoca clichês dos anos 70, como o constante uso de zoom e uma trilha musical que, nestes momentos, remete fortemente aos filmes eróticos estilo Emmanuelle. Por outro lado, as cenas de sexo, apesar de muito intensas e honestas, concentram-se nos rostos dos personagens em vez dos seus corpos (o único e breve take de nudez é masculino), com resultados verdadeiramente eróticos. 

 

É revigorante que nesse gênero de comédia, o filme escolha não julgar moralmente a protagonista adúltera, não apenas porque prefere explorar o humor das situações, como também por ter como objetivo, para além da comédia, discutir a (im)possibilidade das relações. Chokri não se acanha em deixar algumas coisas óbvias, como as palestras de Sophia onde ela expõe a visão de diversos filósofos em relação ao amor e ao desejo, relacionando-os com cada momento da história.

 

Desta forma, o filme discute não apenas (ou não exatamente) a natureza do amor, como sugere o título internacional, mas sua viabilidade enquanto uma experiência absoluta, "completa". Quando nos relacionamos com alguém, não o fazemos apenas com a pessoa em questão, mas com sua família, seus amigos, suas referências, sua cultura, sua história. E alguns desses aspectos podem ser incontornáveis. 

 COTAÇÃO:

 

A NATUREZA DO AMOR (Simple Comme Sylvain, Canadá – 2023)

Com: Magalie Lépine Blondeau, Pierre-Yves Cardinal, Francis-William Rhéaume e Monia Chokri

Direção e roteiro: Monia Chokri

Fotografia: André Turpin

Montagem: Pauline Gaillard

Música: Emile Sornin

 

 

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