terça-feira, 28 de junho de 2016

OS REIS DA PORRADA


por Antero Leivas
Muito antes do atual descerebramento do cinemão norte-americano, bem antes dos Van Dammes, Vin Diesels e outros “trogloditas”, o cinema já contava com uma dupla que se especializou em ‘dar pôrrada’. Estes precursores utilizavam a pancadaria de uma forma mais light, mais caricata e estilizada. Um recurso surreal tipo desenho animado no melhor estilo ‘inofensivo’ de Tom & Jerry ou Popeye. Refiro-me à explosiva dupla “Trinity”, ou melhor, Carlo Pedersoli e Mario Girotti, ou melhor ainda, Bud Spencer e Terence Hill.



O ‘massa bruta barbudo’ e o ‘galã trapalhão’ divertiam platéias de todas as idades que dobravam filas nas salas de exibição dos anos 60 e, principalmente, 70. Suas confusões e pancadas ‘contagiantes’ eram realizadas com um mínimo de roteiro e menos ainda de interpretação, mas esbanjando charme, simpatia e criatividade visual, tanto na coreografia das lutas como no perfeito antagonismo dos dois italianos. Nos anos 70 Hill, pelo seu tipo ‘Franco-Nerista’ de Western-Spaghetti, era bem mais popular que seu companheiro de cena. Com o tempo e a valorização da efígie do anti-herói, do tipo mais marginal e exótico, o gordo Spencer terminou por suplantar o colega.

Donos de um estilo único e originalíssimo, arte-finalizado por esforçados diretores como Steno e Bruno Corbucci, a dupla chegou, entre trabalhos solo e em conjunto, a quase 100 filmes e motivou uma ‘trezena’ de imitadores, entre eles o igualmente limitadíssimo Giuliano Gemma. Este chegou a trabalhar com o próprio Spencer em OS ANJOS TAMBÉM COMEM FEIJÃO e seguiu imitando o gênero em pequenas pérolas como O ÚLTIMO SAMURAI DO OESTE, SAFARI EXPRESS e AFRICA EXPRESS, onde dividia a cena com a gostosa da Ursula Andrews, perfeita no papel de freirinha sexy, distribuindo socos e pontapés.


Um segmento de crítica e público aponta um dado no mínimo curioso: após o êxito de ‘Trinity’, todos os filmes que o loiro Hill protagonizava davam bem menos bilheteria que os trabalhos solo de seu mastodôntico parceiro e menos ainda que os filmes da dupla, embora ele tenha se esforçado para se tornar um ator ‘sério’, chegando a contracenar com a diva européia Catherine Deneuve. De nada adiantou: o êxito só viria para Terence Hill em filmes da dupla. No início da década de 80 a Renato Aragão Produções Artísticas tentou negociar junto aos empresários dos ‘porradeiros’ uma possível produção conjunta entre Terence, Bud, e o quarteto. O máximo que conseguiram foi uma produção ítalo-brasileira para o mercado norte-americano com direito a araras, sobrenomes longos e locações pra lá de pitorescas, tais como o Maracanã, a escola de samba Beija-Flor, o Museu Nacional, etc. Isso e uma tímida participação em “Os Trapalhões” na TV - que, infelizmente, a Globo não reprisa de jeito nenhum.

Uma dupla de aventureiros enfrentando, lá do seu jeito nada convencional, um grupo de malfeitores: fosse na África, num navio pirata, num rasgado faroeste ou como policiais contemporâneos. Esse era o enredo de praticamente todos os seus filmes, com raras e chatas exceções. Terence Hill e Bud Spencer faziam parte de uma vertente do cinema passado que, se não se lançava a profundas divagações filosóficas, pelo menos não abusava da inteligência do espectador nem zombava de sua tolerância e discernimento, como o cinema de hoje faz.

Suas mais recentes produções, infelizmente, mostram-nos uma dupla cansada, decadente, menos cômica e mais tolhida, pelo peso da idade, de seus movimentos outrora alegres em brigas coreografadas que fizeram a cabeça de toda uma geração .

Deixaram saudades? Sem dúvida. Canastrões? Indubitavelmente, mas com estilo. Cinemão descerebrado? Certamente. Mas, ao contrário do cinema dos EUA de hoje, estes eram parte de um cinema descerebrado de primeira qualidade.


Curiosidades: O já saudoso bonachão Bud Spencer chegou a morar no Brasil, por um curto período, mais especificamente no Recife, onde, entre outras coisas, vivia pescando. Por isso, o gordinho domina bem nossa língua pátria. 
Bud Spencer nasceu Carlo Pedersoli a 31 de outubro de 1929 em Nápoles, Itália. Era casado e tinha 3 filhos. Adotou este pseudônimo porque alguém do estúdio onde ele fazia teste sugeriu que ‘Bud’ designava ‘grande figura’ e porque o ator é fã nº 1 do trabalho de Spencer Tracy.  
Mario Girotti foi o nome de batismo do veneziano Terence Hill, que em seu pseudônimo homenageia um escritor italiano de nome Terenzio e sua esposa, Lori Hill. Teve um filho de nome Ross Hill, que chegou a atuar com o pai nos longas DON CAMILLO e O RENEGADO. Porém, infelizmente, este veio a falecer num acidente automobilístico em 1990. 

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