terça-feira, 16 de junho de 2009

Jornada nas Estrelas: zerado é dez! 

Por Ricky Nobre


Toda obra/saga de proporções epicamente nérdicas possui tipos variados de fãs, embora o imaginário popular pinte todos como iguais (a figura típica do fanboy insuportável). Existem os mais radicais, os mais tolerantes, os festivos, os compenetrados, os compulsivos, os intelectualizados, os estúpidos e, obviamente, os babacas. Por que estamos falando disso? Porque o caso de Jornada nas Estrelas é um dos mais emblemáticos. São dez filmes para cinema, mais seis seriados diferentes, produzidos num espaço de 40 anos, totalizando 728 episódios, todos com uma obrigatoriedade tirânica de consistência cronológica, que foi ficando cada vez mais densa e complexa conforme as histórias foram sendo produzidas. Com o fim da saga do elenco de A Nova Geração com o mal recebido e subestimado filme Star Trek: Nêmesis e da igualmente criticada série Enterprise (que não conseguiu emplacar a quinta e última temporada planejada), a aparentemente imbatível franquia parecia ter atingido o esgotamento absoluto. Nenhuma das séries possuía elencos que garantissem o sucesso comercial de novos filmes para cinema, enquanto a produção de uma nova série estava fora de cogitação. O controle da franquia saiu das mãos da Paramount para ir para a CBS depois da divisão da Viacom. O que seria de Star Trek, a mais longa saga de ficção científica já contada na TV e no cinema?
As notícias de que um novo filme seria produzido enfocando as origens dos personagens da primeira série de Star Trek (conhecida como série clássica), com novo elenco e visual modernizado, encheram o coraçõezinhos dos trekkers de horror. A idéia de “trazer o universo de Star Trek para as novas gerações” não cheirava nada bem. Efeitos especiais espetaculares, muita correria, pouco roteiro e edição muito, mas MUITO frenética para captar as mentes adolescentes vítimas da endemia de TDA eram as expectativas óbvias. Respeito à cronologia? Até os mais otimistas tinham suas dúvidas...


Para tal tarefa foi convocado o novo Midas da TV americana (até o dia em que ele finalmente, para alegria de muitos, falhar como qualquer ser humano): J.J. Abrams, a mente por trás de Alias e Lost. Sua estréia no cinema com Missão Impossível III já havia mostrado que seu talento ia além da telinha. Suas declarações de que não era exatamente um fã da franquia e que pretendia realizar diversas mudanças não ajudaram a acalmar os ânimos dos fãs. Mas o que são os fãs de Star Trek? Afinal, a franquia sempre deu dinheiro, mas nunca foi um arrasa quarteirão, nem no cinema e nem na TV. O que o estúdio realmente queria era utilizar um nome de peso, já consolidado por décadas, mas mirando no público em geral, o mesmo que torce o nariz e acha a série enfadonha. Assim sendo, cada trailer, cada imagem, cada boato relacionado ao filme era minuciosamente escrutinado pelos fãs em constante vigilância por qualquer heresia.
Esse papo todo é para você, meu caro, um não-fã da série que entrou aqui e não entende qual é toda essa polêmica em torno do que é um dos melhores filmes lançados este ano. Sim, Star Trek é simplesmente um filmaço.


Para início de conversa, sim, o filme está drasticamente “atualizado” no que se refere a estilo. Muita correria, batalhas e ação espetaculares! Efeitos especialíssimos e mirabolantes. Uhura de lingerie! E sim, mudanças drásticas. Mudanças estas que se apóiam numa premissa básica do roteiro: a alteração de linha temporal. E aí vemos o primeiro grande mérito do roteiro. A franquia é inundada de histórias de vigem no tempo (a série Enterprise foi quase toda baseada neste artifício). Realizar um novo filme de Star Trek utilizando paradoxo temporal sem cair na mesmice e no tédio já foi uma verdadeira proeza. E é a volta no tempo de uma nave romulana que desencadeia uma série de eventos (alguns deles catastróficos) que alteram permanentemente a linha temporal daquele universo, dando conta, assim, de praticamente todas as mudanças apresentadas no filme, quando comparadas às séries originais. Existem furos, porém. Saarek é melhor e mais compreensivo pai do que ele jamais foi, e mudança temporal alguma explica isso. E o envolvimento romântico de dois personagens principais (não vamos entregar o ouro aqui) não desce pela goela do fã mais tradicional, além de também não se explicar pela alteração do tempo.

Mesmo que cadetes sejam promovidos a oficiais em questão de horas, o roteiro permanece de alto nível, com muita atenção e respeito aos personagens, altas doses de humor sem nunca extrapolar e comprometer o drama e, a grande surpresa, uma infinidade de pequenas referências que mostram grande reverência ao material original. O elenco capta com muita propriedade os personagens originais (o McCoy de Urbain é quase um caso de possessão). Uma ressalva seria para a Uhura de Zoe Saldanha, excessivamente magra e durona para realmente lembrar a personagem original em qualquer âmbito que seja. Mas Leonard Nimoy (o Spock original) está lá atuando como o cimento que liga indissoluvelmente os dois universos. O vilão Nero (Erica Bana) é ralo e mal construído, mas suas ações são tão apavorantes que ele acaba dando conta.


Obviamente, muitos fãs espernearam. Os motivos, não poderíamos citar sem entregar a história. Mas uma enorme e inesperada parcela está louvando o filme como genial, assim como o público comum não-trekker (esse que vai realmente pagar a conta do orçamento astronômico de 150 milhões de dólares). Um segundo filme já foi encomendado e existem planos de uma nova série de TV baseada na nova linha temporal. Abrams mostrou ser digno de uma verdadeira missão impossível e os fãs de coração mais aberto agradecem de joelhos. Jornada nas Estrelas não morreu. Quem diria?

Nota: 5/5
Ficha Técnica
Star Trek EUA, 2009, 126 min
Direção: J.J. Abrams
Roteiro: Roberto Orci e Alex Kurtzman
Elenco: Cris Pine, Zachary Quinto, Karl Urbain, Eric Bana, Leonard Nimoy.

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