terça-feira, 16 de junho de 2009

WATCHMEN


Parecia impossível dizer isso de um filme de Zack Snyder, mas Watchmen possui um aspecto essencial que é a fonte de todas as suas qualidades e defeitos: é um filme de arte, por mais bizarra que a afirmação possa parecer. O filme possui a auto-indulgência típica dos filmes de autor, indo na contramão das expectativas e acusações dos fãs da graphic novel original, que afirmavam que o diretor transformaria a pesada, densa e revolucionária obra de Alan Moore em um blockbuster de verão. Não se engane, não são acusações vãs. Os vigilantes fantasiados, pessoas teoricamente normais fisicamente, viraram seres com super habilidades, ao baterem, apanharem e pularem muito mais do que qualquer ser humano normal seria capaz. Longe do realismo dos quadrinhos (levado às vias de fato sem concessão alguma por Christopher Nolan em O Cavaleiro das Trevas), o filme oferece muito mais lutas e pancadaria suspensas por arames do que o original, porém muito menos do que seria de se esperar de um filme do gênero. Daí a irritação dos nerds que carregam o quadrinho como se fosse uma bíblia e a impaciência do público em geral, que considera o filme lento, longo, com muito papo e pouca ação. É por isso que Watchmen tem contornos tão profundos de filme de arte: Snyder não fez nem pros fãs, nem pras massas. Fez para ele mesmo.




Para tal proeza, ao contrário de outros filmes de arte, Watchmen consumiu milhões dos cofres do estúdio e provavelmente amargará um sério fracasso. Snyder usa o tempo do filme como quer, picota a narrativa, confia na cultura e conhecimento de política do público americano (biiiiiig mistake!!!!) e mistura estilização e realismo com resultados à beira da esquizofrenia. O filme causa muita estranheza frente aos filmes de heróis atuais, assim como o quadrinho causou em seu lançamento e merece ser visto com olhos mais atentos. O texto original de Alan Moore, muitas vezes utilizado palavra por palavra, soa excessivamente pomposo em alguns momentos (as narrações de Rorshack, principalmente), ou ingênuos demais para o cinema e/ou datados demais para o público atual (“O que aconteceu com o sonho americano?”). O maior problema em adaptar uma obra como Wacthmen não é a complexidade nem a temática, mas o impacto que ela representou em sua época. Era totalmente sintonizada com sua época e ao mesmo tempo transgressora, ao ver a podridão por baixo dos smileys novaiorquinos e da euforia yuppie individualista, uma época colorida que abrigava em suas entranhas a volta triunfal do conservadorismo bélico republicano. Para Snyder, a única forma de manter esse conteúdo relevante foi fazer um filme de época, ambientado na mesma 1985 alternativa do quadrinho.



É preciso ser honesto e admitir que Watchmen, o filme, não se parece com nada feito recentemente. Toda a acidez, desesperança, cinismo, está tudo lá, misturado a um punhado de cenas de ação de tirar o fôlego. Com uma obra tão original e impressionante, as cenas de violência explícita, típicas de filmes de horror, se mostraram totalmente gratuitas e não colaboraram em nada com a narrativa. Se o realismo sangrento do Dr. Manhattan explodindo pessoas é um ponto a favor na proposta realista-estilizada de Snyder, os desmembramentos, fraturas expostas e crânios partidos a golpes de cutelo, no melhor estilo Jason, soam mais como uma auto-afirmação do diretor, como quem diz: “Estão vendo? Tô fazendo um filme ADULTO, sacaram?” Se for para usar um recurso tão extremo, é bom que ele tenha uma função essencial no filme (como a horrenda cena na garrafa de O Labirinto do Fauno, imprescindível para dar o tom de medo de todo o resto do filme). Com toda a complexidade e temática sombria que o Watchmen já apresenta, isso, além de desnecessário, é um tanto juvenil.



A tão alardeada mudança da conclusão em nada fere a história original nem o filme em si. A trama e o resultado são os mesmos, em momentos que são talvez o ponto alto do filme, com conflitos éticos de verdade e integridade dos personagens, capazes de gerar reais discussões na saída do cinema.
Watchmen era um filme impossível de ser feito há 15 anos, tanto pela tecnologia necessária, quanto pela realidade do mercado cinematográfico frente a adaptações de histórias em quadrinhos. O filme finalmente veio no momento certo e, se não é uma adaptação perfeita, está muito além do que expectativas realistas poderiam esperar, tanto por seu diretor, quanto pela natureza da obra original. Muito mais adequado ao circuito Estação do que aos Kinoplexes, Watchmen merece ser visto com atenção por fãs de quadrinhos e de cinema.

Nota: 4/5
Ficha TécnicaWatchmenEUA, 2009, 165 minDireção: Zack Snyder
Roteiro: David Hayter e Alex Tse, baseado na obra de Alan Moore e David Gibbons Elenco: Malin Akerman, Billy Crudup, Matthew Goode, Jackie Earle Haley, Jeffrey Dean Morgan, Patrick Wilson, Carla Gugino

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