Por Eddie Van Feu
Em um vilarejo da Lituânia de 1675, uma comunidade judaica vive pacificamente e somos apresentados aos rígidos códigos sociais e religiosos. Hannah é uma mãe enlutada que perdeu o filho afogado há sete anos, número considerado divino. Sem conseguir lidar com a perda, ela passa a estudar escondida a Cabalah, com a cumplicidade do marido, já que era proibido para as mulheres estudar. Como a culpa de toda desgraça recaía sempre sobre os judeus, eles são acusados pelos gentios de terem causado a praga. Um grupo armado toma a vila e a curandeira local deve salvar sua filha contaminada, ou eles matarão todos e tacarão fogo em tudo. Hannah então fala sobre usarem os poderes mágicos, enquanto alguns dos homens pensam em pegar em armas.
A Lenda de Golem é um filme bonito, com fotografia linda em tomadas simples e inspiradas, aproveitando bem as belas paisagens da Ucrânia, onde foi filmado. Para um filme de terror, não assusta tanto, o que é bom, pois ele não se utiliza daqueles efeitos de aumento de som repentino e um gato pulando do armário. Talvez ele esteja mais para o drama do que para o terror. O casal que vive com o vazio de perder um filho enquanto vê as crianças florescendo ao redor é muito bem contada. A exclusão das mulheres de leitura e estudos porque são relegadas apenas a ter filhos é uma realidade até hoje em diversos lugares. E quando a mulher não quer ou não pode ter filhos? Pra que ela serve? E quando a mulher é melhor na magia do que os homens que a estudam há anos? E quando a mulher tem a coragem de invocar um Golem como guardião da comunidade?
Para quem não sabe, o Golem vem da palavra Gelem, que é matéria prima, e é uma criatura criada por magia de matéria inerte, geralmente terra. O filme evoca Frankenstein, que é de fato uma inspiração no Golem original da tradição judaica. Como um tulpa, ou um homúnculo, o Golem não é muito inteligente, mas é muito forte e não sabe quando parar. Falta-lhe discernimento, ou alma.
O Golem foi a inspiração para Frankenstein. |
Mas diferente de Frankenstein, de Mary Shelley, o Golem de Hannah não é um homem grande e torto. É um menino lindo que lembra seu filho morto. Ele lembra o Frankenstein com seus movimentos lentos e robóticos e sua roupa estranhamente remendada e quadrada, como um camisão que Hannah faz com as roupas do filho falecido. Hannah porém não é um cientista maluco. É uma mãe sem filhos. E apesar do medo inicial, ela se afeiçoa e cria um vínculo com o Golem, o que só aumenta o drama no filme, especialmente quando as pessoas do vilarejo querem destruí-lo (só porque ele matou umas duas pessoas...).
Criador e criatura desenvolvem um vínculo difícil de romper. |
Alguns pecadilhos são cometidos do filme, justamente para ele se encaixar no típico filme de terror. A sequência inicial é quase desnecessária, se não fosse a ligação com uma personagem importante mais a frente. As cenas de massacre são digitais e um tanto fracas, talvez pudessem ter sido menos viscerais e mais emocionais, como o resto do filme, porque acaba destoando. O Renato, meu marido que não curte filme de terror, viu o filme comigo e gostou, o que me leva a crer que talvez o filme venha a agradar um público mais amplo.
Os rituais descritos são reais e a Cabalah é realmente um instrumento de grande poder na magia, mas, como tudo na magia, requer conhecimento, coragem e sabedoria. E nem todo mundo tem os três ao mesmo tempo.
Vale a pena conferir esse terror que foge do convencional e nos mostra um pouco da cultura e lendas judaicas.
CURIOSIDADE: No século XVI, um dos mais poderosos rabinos da história, Judá Loew Ben Betzalel, era muito popular e conta-se que ele teria criado um Golem para proteger o gueto de Josefov, em Praga, de ataques contra os judeus. Essa é uma das mais antigas referências que se tem de uma criação de Golem. Há várias teorias sobre como criar um Golem. Uma delas diz que você deve escrever a palavra EMET em sua testa, que significa verdade. Para destruí-lo, apaga-se a primeira letra para que fique MET, que significa morto. O Golem então seria desfeito.
PRODUÇÃO Israel, 2018
DIREÇÃO Doron e Yoav Paz
ELENCO Hani Furstenberg, Ishai Golan, Brynie Furstenberg
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