Por Ricky Nobre
A franquia cinematográfica de ALIEN é bastante peculiar. Desenvolvido
como um filme sem qualquer pretensão a uma sequência, a produção original de
1979 tomou o público de assalto em um momento muito específico. Dois anos
antes, Star Wars tinha acabado de tirar a ficção científica ambientada no
espaço da esfera do cinema B ou cult. O Império Contra Ataca nem havia chegado
ainda nos cinemas quando o jovem Ridley Scott (Blade Runner), especializado em
comerciais com um único longa metragem no currículo, chegou subvertendo as expectativas,
levando o monstro alienígena dos velhos filmes B dos anos 50 para o espaço
sideral, onde as vítimas são um grupo de rudes “caminhoneiros espaciais”, numa
obra de uma sofisticação e brutalidade sem precedentes. Oito anos se passaram
até que viesse uma continuação, onde o também novato James Cameron (O
Exterminador do Futuro) transformou o monstro solitário numa horda de aliens que
enfrentam um grupo de fuzileiros armados até os dentes numa escala totalmente
superlativa, como é típico do diretor. Mais seis anos e o estreante David
Fincher (Se7en) revisitava a claustrofobia do filme original, com doses extra
de morbidez, na terceira parte da série, retalhada e desfigurada pelo estúdio e
que levou dez anos para ser recuperada em DVD na sua glória original, no
capítulo mais subestimado da franquia. Mais cinco anos para o quarto filme,
inteligentemente escrito por um garoto chamado Joss Whedon (Os Vingadores) mas
fatalmente mal interpretado pelo cineasta francês Jean Pierre Jonet (O Fabuloso
Destino de Amélie Poulain), com seu senso de humor e de grotesco totalmente
inadequados à franquia.
Ignorando as duas partes da sub franquia Aliens vs Predador,
foi com imensa surpresa que os fãs receberam o anúncio de que Ridley Scott ressuscitaria
a franquia original após 15 anos de hiato com um prequel que, supostamente,
contaria a história da nave encontrada pelos personagens no primeiro filme e
apresentaria a origem dos mais perfeitos e assustadores monstros da história do
cinema. Após uma série de constantes mudanças no roteiro, Prometheus chegou com
pouquíssima relação com os filmes originais, porém com elementos reconhecíveis
o suficiente para ser impossível ignorar que se tratava do mesmo universo. Com
um roteiro falho, personagens constrangedoramente desinteressantes e cortes de
cenas que tornariam o filme menos tolo e mais plausível, o filme foi uma imensa
decepção para os fãs, além de um fracasso de crítica. Por causa disso, a
segunda parte do que se anunciou ser uma “trilogia de prequels”, cinco anos
depois da anterior, vinha sendo aguardada com muita desconfiança, ainda que o
bom e velho alienígena xenomorph original tenha finalmente dado o ar de sua
graça no pôster e nos trailers.
Não, o velho gênio Ridley Scott de Alien, Blade Runner ou
Gladiador não está novamente em sua plena forma. Porém, se comparado a sua
filmografia (variadíssima, por sinal) nos últimos 15 anos, podemos dizer que um
pouco de seu velho talento ressurgiu das cinzas junto com o monstro ácido e
gosmento. Logo a princípio, percebemos que esses novos personagens (cuja expectativa
de vida, todos sabemos, será bastante curta) são muito mais interessantes do
que os de Prometheus, onde só a protagonista e o androide despertavam qualquer
atenção. Apesar da superficialidade imposta pelo pouco tempo para desenvolver
tantos personagens, eles são bem escritos o suficiente para o público conseguir
se importar com suas mortes, algo impossível no filme anterior. Katherine
Waterston compõe muito bem a heroína involuntária Daniels, seguindo a tradição
de mulheres fortes da franquia, e Michael Fassbender dá um verdadeiro
espetáculo, capaz de sutilezas que falam ainda mais do que seus excelentes
diálogos.
Até certa medida, o roteiro é bastante feliz ao expandir o
tema de Prometheus sobre criador e criatura, as motivações da criação, e a
relação entre os dois. E também até certo ponto, ele até consegue consertar o
filme anterior, tapando alguns buracos e dando até significado para sua
existência dentro da proposta dos prequels. Por outro lado, todo esse conteúdo
é concentrado nos personagens dos androides, enquanto os humanos acabam tendo
como objetivo quase exclusivo a sobrevivência.
Desnecessário falar da qualidade e beleza visual do filme,
uma vez que isso sempre foi uma característica do cinema de Scott, mesmo em sua
pior fase. O visual, porém, não imprime ao filme uma personalidade própria e
original, mas procura, em certa medida, evocar a estética do primeiro filme.
Daí podemos identificar um dos dois principais problemas de Covenant. Passando
por diretores e roteiristas completamente diferentes, cada filme foi imprimindo
sua visão própria do monstro e seu universo, além, é claro, da personagem
Ripley, a grande heroína da série. Personagens, atmosfera, visuais e o tom
geral de cada filme era único. Nesses novos prequels, Scott evoca o visual
original, porém atendo-se mais às criaturas e aos designs externos das espaçonaves.
Enquanto vemos os novos filmes de Star Wars evocarem o designs originais dos
velhos filmes, procurando não provocar um contraste tecnológico inverossímil,
em Covenant (da mesma forma que em Prometheus), a tecnologia parece muito mais
avançada do que a nave Nostromo no clássico de 1979. Porém, mais importante do
que isso, é um design bonito e competente mas que não apresenta nada de novo, e
originalidade sempre foi uma característica da franquia.
Na mesma medida, os compositores da série sempre
apresentaram trilhas musicais que faziam parte indissociável da identidade de
cada filme. Em Covenant, Jed Kurzel pega emprestado os temas originais de Jerry
Goldsmith para o primeiro filme, usando-os em momentos específicos, citando até
mesmo o tema musical de Harry Gregson-Williams para Prometheus (o que foi feito
com bastante inteligência, é necessário reconhecer). Em todo o restante,
ouve-se nada mais do que sound design travestido de música (o que se tornou
padrão em Hollywood nos últimos 15 anos) e tentativas de replicar a sonoridade
de Goldsmith para o filme original. Não há originalidade nem voz própria.
Outro problema, que vai incomodar particularmente aos fãs, é
a aparição limitada do xenomorph original e o baixo número de vítimas abatidas
por ele. Ainda que cada criatura do filme apareça de forma gradativa e bem pensada
dentro da trama do filme, a participação do bicho não é compatível com a
expectativa do público em revê-lo.
Com suas qualidades e defeitos, Covenant pode seguramente
ser considerado o melhor filme da série desde Alien 3. Sim, o que veio depois
não era grande coisa, mas é uma volta da franquia aos trilhos, com um desfecho
impactante, capaz de gerar ansiedade para a conclusão da trilogia de prequels
que, esperamos, não demore tanto para ser produzida.
ALIEN: COVENANT
Com: Katherine Waterston, Michael Fassbender, Billy Crudup, Danny
McBride, Carmen Ejogo, Demián Bichir e Callie Hernandez.
Direção: Ridley Scott
Argumento: Jack Paglen e Michael Green
Roteiro: John Logan e Dante Harper
Fotografia: Dariusz Wolski
Montagem: Pietro Scalia
Música: Jed Kurzel
COTAÇÃO:
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