quarta-feira, 31 de maio de 2017

MULHER MARAVILHA: “o mundo inteiro esperava por você”.


Por Ricky Nobre


Mulher Maravilha é indiscutivelmente a maior super-heroína de todos os tempos. Chega a ser chocante saber que a única produção áudio visual da personagem, além das animações, foi a bobinha porém icônica série de TV produzida entre 1975 e 1979. Os outros dois personagens da “trindade”, Superman e Batman, tiveram muito mais sorte nesse aspecto, ainda que a qualidade dos filmes variasse do excepcional ao inassistível. Desde a década de 90, a Warner vem iniciando e cancelando produções com a personagem, sendo que o roteiro de Joss Whedon, feito em 2005 foi o que chegou mais perto de ser realizado, mas o estúdio parecia nunca ter coragem suficiente para levar o projeto adiante. Com o sucesso do grande projeto do estúdio Marvel, a Warner/DC entendeu finalmente o potencial que tinha nas mãos e lançou seu próprio universo com Homem de Aço em 2013. Um filme solo da Mulher Maravilha era, enfim, inevitável.

 

A nova Mulher Maravilha encarnada pela atriz Gal Gadot já começou muito bem em sua pequena participação em Batman Vs Supeman, angariando elogios até dos que detestaram o filme, numa surpreendente unanimidade. Assim, a expectativa pelo filme solo aumentou exponencialmente. Com uma diretora abandonando o projeto na pré-produção por divergências criativas e as constantes polêmicas quanto à qualidade dos filmes da franquia (Esquadrão Suicida foi quase unanimemente considerado péssimo pela crítica), a expectativa era tão grande quanto a apreensão. Com Patty Jenkins (do excelente Monster) no comando, o tão esperado filme solo da princesa amazona traz uma semelhança com o primeiro filme do Capitão América que vai muito além da ambientação numa guerra mundial: é um filme com coração, algo até agora inédito nesta nova linha de tempo da DC no cinema.

 

Jenkins mantém a emoção como elemento chave do filme, e nisso tem o excelente elenco como constante aliado. O roteiro não traz maiores novidades nem brilhantismos, apesar de uma revelação perto do final possa pegar parte do público de surpresa. A beleza e a imensa satisfação que o filme traz está, além de nas excelentes cenas de ação e luta, nos personagens. Os personagens secundários têm suas personalidades definidas e conseguem a simpatia do público apesar do tempo limitado (Etta bem que podia ter um papel mais relevante, na verdade). Steve Trevor consegue ser o típico herói masculino sem, em momento algum, roubar o brilho que é DELA. 

 

A Diana de Gal Gadot é destemida, poderosa, extremamente culta e com um imenso coração. Sua inocência em relação à humanidade, contudo, é o grande ponto de tensão do filme, gerando desde situações cômicas até grandes atos de heroísmo e momentos de profunda dor e decepção. Gadot carrega seu personagem com tal dignidade que a ingenuidade de Diana nunca a diminui, pelo contrário, apenas atesta sua grandeza, principalmente com as decisões que toma ao lidar com a dor da verdade. Vendo essa Diana que faz sua primeira jornada no mundo dos homens e a Diana de Batman Vs Superman, percebemos um amadurecimento que, se não dá mais espaço para a inocência, não deixa de lado o coração amoroso. E é justamente esse discurso sobre o amor, que pode fazer alguns espectadores se retorcerem nas cadeiras, que torna a Mulher Maravilha o verdadeiro contraponto luminoso ao Batman que o Superman não conseguiu ser nessa franquia.

 

A importância da personagem como ícone feminista é mantida no filme, principalmente nas sutilezas. A mesma mulher que parte de sua terra natal, com a possibilidade de nunca mais voltar, porque é a coisa certa a fazer, é a mesma que experimenta incontáveis roupas numa loja, fica fascinada por sorvete e enfrenta um pelotão armado de metralhadoras com sangue nos olhos, pois não tolera injustiça e opressão. E é essa mulher que pode ser tão múltipla que, com certeza, irá ressoar fortemente entre o público feminino. 

 

Obviamente, o filme não escapa de problemas, como quando uma demonstração de superpoder de Diana, ainda durante seu treinamento na Ilha, é deixada completamente sem questionamento. Os efeitos especiais, bons no geral, deixam escapar momentos incomodamente artificiais, como numa cena em que Diana barbariza com seu laço, que mais parece um videogame. O visual do vilão na batalha final também pode desagradar a alguns, ainda que o ator mantenha o personagem digno. O tema musical da Mulher Maravilha, composto por Hans Zimmer para Batman Vs Superman, é excessivamente testosterônico (como tudo que Zimmer e seu exército de ghostwriters fazem). Por outro lado, dá uma identidade musical sólida à personagem, coisa que anda muito rara nos filmes de super-herói, e o compositor Rupert Gregson Williams, apesar de fazer parte da geração de aprendizes de Zimmer, oferece alguma variedade e beleza em alguns outros momentos da trilha musical. 

 

Nesse desnecessário e indigesto FlaXFlu ente “marvetes” e “DCnautas”, existem os que dizem que Mulher Maravilha é bom porque parece filme da Marvel. Isso ignora que muitas características dos filmes anteriores da D.C. ainda estão lá, como as lutas em câmera lenta, típicas de Snyder, o visual refinado e belíssimo, a música com a identidade inconfundível de Hans Zimmer e sua companhia, a Remote Control. O que ele tem a menos é o pretensiosismo. O que tem a mais é emoção real. Coração. E é essa Mulher Maravilha, que é ao mesmo tempo amor e fúria, que pode, enfim, humanizar o universo DC no cinema. 

 

MULHER MARAVILHA (Wonder Woman, 2017)

Com: Gal Gadot, Chris Pine, Robin Wright, Danny Huston, David Thewlis, Connie Nielsen e Elena Anaya

Direção: Patty Jenkins

Argumento: Zach Snyder, Allan Heinberg e Jason Fuchs

Roteiro: Allan Heinberg

Fotografia: Matthew Jensen

Montagem: Martin Walsh
Música: Rupert Gregson-Williams

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