Por Ricky Nobre
Mulher Maravilha é indiscutivelmente a maior super-heroína
de todos os tempos. Chega a ser chocante saber que a única produção áudio visual
da personagem, além das animações, foi a bobinha porém icônica série de TV
produzida entre 1975 e 1979. Os outros dois personagens da “trindade”, Superman
e Batman, tiveram muito mais sorte nesse aspecto, ainda que a qualidade dos
filmes variasse do excepcional ao inassistível. Desde a década de 90, a Warner
vem iniciando e cancelando produções com a personagem, sendo que o roteiro de
Joss Whedon, feito em 2005 foi o que chegou mais perto de ser realizado, mas o
estúdio parecia nunca ter coragem suficiente para levar o projeto adiante. Com
o sucesso do grande projeto do estúdio Marvel, a Warner/DC entendeu finalmente
o potencial que tinha nas mãos e lançou seu próprio universo com Homem de Aço
em 2013. Um filme solo da Mulher Maravilha era, enfim, inevitável.
A nova Mulher Maravilha encarnada pela atriz Gal Gadot já
começou muito bem em sua pequena participação em Batman Vs Supeman, angariando
elogios até dos que detestaram o filme, numa surpreendente unanimidade. Assim,
a expectativa pelo filme solo aumentou exponencialmente. Com uma diretora
abandonando o projeto na pré-produção por divergências criativas e as
constantes polêmicas quanto à qualidade dos filmes da franquia (Esquadrão
Suicida foi quase unanimemente considerado péssimo pela crítica), a expectativa
era tão grande quanto a apreensão. Com Patty Jenkins (do excelente Monster) no
comando, o tão esperado filme solo da princesa amazona traz uma semelhança com
o primeiro filme do Capitão América que vai muito além da ambientação numa
guerra mundial: é um filme com coração, algo até agora inédito nesta nova linha
de tempo da DC no cinema.
Jenkins mantém a emoção como elemento chave do filme, e
nisso tem o excelente elenco como constante aliado. O roteiro não traz maiores
novidades nem brilhantismos, apesar de uma revelação perto do final possa pegar
parte do público de surpresa. A beleza e a imensa satisfação que o filme traz
está, além de nas excelentes cenas de ação e luta, nos personagens. Os personagens
secundários têm suas personalidades definidas e conseguem a simpatia do público
apesar do tempo limitado (Etta bem que podia ter um papel mais relevante, na
verdade). Steve Trevor consegue ser o típico herói masculino sem, em momento
algum, roubar o brilho que é DELA.
A Diana de Gal Gadot é destemida, poderosa, extremamente
culta e com um imenso coração. Sua inocência em relação à humanidade, contudo,
é o grande ponto de tensão do filme, gerando desde situações cômicas até grandes
atos de heroísmo e momentos de profunda dor e decepção. Gadot carrega seu
personagem com tal dignidade que a ingenuidade de Diana nunca a diminui, pelo
contrário, apenas atesta sua grandeza, principalmente com as decisões que toma
ao lidar com a dor da verdade. Vendo essa Diana que faz sua primeira jornada no
mundo dos homens e a Diana de Batman Vs Superman, percebemos um amadurecimento
que, se não dá mais espaço para a inocência, não deixa de lado o coração
amoroso. E é justamente esse discurso sobre o amor, que pode fazer alguns
espectadores se retorcerem nas cadeiras, que torna a Mulher Maravilha o
verdadeiro contraponto luminoso ao Batman que o Superman não conseguiu ser
nessa franquia.
A importância da personagem como ícone feminista é mantida
no filme, principalmente nas sutilezas. A mesma mulher que parte de sua terra
natal, com a possibilidade de nunca mais voltar, porque é a coisa certa a
fazer, é a mesma que experimenta incontáveis roupas numa loja, fica fascinada
por sorvete e enfrenta um pelotão armado de metralhadoras com sangue nos olhos,
pois não tolera injustiça e opressão. E é essa mulher que pode ser tão múltipla
que, com certeza, irá ressoar fortemente entre o público feminino.
Obviamente, o filme não escapa de problemas, como quando uma
demonstração de superpoder de Diana, ainda durante seu treinamento na Ilha, é
deixada completamente sem questionamento. Os efeitos especiais, bons no geral,
deixam escapar momentos incomodamente artificiais, como numa cena em que Diana
barbariza com seu laço, que mais parece um videogame. O visual do vilão na
batalha final também pode desagradar a alguns, ainda que o ator mantenha o personagem
digno. O tema musical da Mulher Maravilha, composto por Hans Zimmer para Batman
Vs Superman, é excessivamente testosterônico (como tudo que Zimmer e seu
exército de ghostwriters fazem). Por outro lado, dá uma identidade musical
sólida à personagem, coisa que anda muito rara nos filmes de super-herói, e o
compositor Rupert Gregson Williams, apesar de fazer parte da geração de
aprendizes de Zimmer, oferece alguma variedade e beleza em alguns outros
momentos da trilha musical.
Nesse desnecessário e indigesto FlaXFlu ente “marvetes” e “DCnautas”,
existem os que dizem que Mulher Maravilha é bom porque parece filme da Marvel. Isso
ignora que muitas características dos filmes anteriores da D.C. ainda estão lá,
como as lutas em câmera lenta, típicas de Snyder, o visual refinado e
belíssimo, a música com a identidade inconfundível de Hans Zimmer e sua
companhia, a Remote Control. O que ele tem a menos é o pretensiosismo. O que
tem a mais é emoção real. Coração. E é essa Mulher Maravilha, que é ao mesmo
tempo amor e fúria, que pode, enfim, humanizar o universo DC no cinema.
MULHER MARAVILHA (Wonder Woman, 2017)
Com: Gal Gadot, Chris Pine, Robin Wright, Danny
Huston, David Thewlis, Connie Nielsen e Elena Anaya
Direção:
Patty Jenkins
Argumento:
Zach Snyder, Allan Heinberg e Jason Fuchs
Roteiro: Allan
Heinberg
Fotografia:
Matthew Jensen
Montagem: Martin
Walsh
Música:
Rupert Gregson-Williams
COTAÇÃO:
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