quarta-feira, 3 de maio de 2017

ROCK DOG – NO FARO DO SUCESSO: Desafina, mas distrai.


Por Ricky Nobre 



O cinema de animação em sua forma mais comercial, majoritariamente voltada ao público infanto-juvenil, tem como tema recorrente o jovem herói com um sonho aparentemente impossível e, geralmente, precisa enfrentar a família ou mesmo toda sua comunidade para perseguir seus objetivos e, não raro, volta triunfante para o lugar de onde partiu com o louros da vitória e da aceitação de seus pares. Seguir esse roteirinho já garantiu o sucesso de muitos filmes, citando apenas Como Treinar Seu Dragão e Moana como exemplos recentes. O que separa Rock Dog de seus antecessores mais bem sucedidos é a originalidade e inteligência ao tratar de uma história básica tão batida. Qualidades essas que essa coprodução China-EUA apresenta em quantidades bastante reduzidas.

 

Bodi é um jovem cão mastim tibetano que deveria suceder seu pai na tarefa de proteger um pequeno vilarejo de ovelhas nas montanhas contra os lobos cinzentos. Apaixonado por música, o jovem decide deixar o vilarejo e partir em direção à cidade em busca do grande rockeiro Angus Scattergood, com quem ele acredita que aprenderá tudo sobre rock. 

 

A ideia de uma animação sobre um rapaz que ama rock é fascinante. O roteiro escrito pelo diretor Ash Brannon é levemente baseado no quadrinho Tibetan Rock Dog, de autoria do músico chinês Zheng Jun. mas é difícil de acreditar que estamos falando do mesmo co-diretor e roteirista de Toy Story 2 e Tá Dando Onda. O filme é extremamente clichê, até mesmo para um filme infantil. Todos os animais representam fielmente os seus clichês de personalidade (com uma divertida exceção para os dois lobos capangas que chegam a ser simpáticos) e chega a ser incômoda a insistência da piada recorrente sobre a burrice das ovelhas, dando a entender que, como um povo simples de vilarejo, precisam mesmo de alguém mais forte e, principalmente, mais inteligente para defende-los. De toda a grande gama de personagens, apenas uma é feminina, com uma participação bastante limitada, apesar de ser uma das únicas que simpatiza com Bodi em sua aventura na cidade. A mistura de tudo isso com um poder místico dominado pelo pai de Bodi, e que ele supostamente deveria ter herdado, parece bastante fora do lugar dentro de uma história que é cerca de 70% urbana e contemporânea, apesar de servir às metáforas de “força interior” e “verdadeira essência” que compõem a mensagem final do filme. 

 

De todos, o personagem do gato Angus acaba se tornando, disparado, o mais interessante do filme, bastante consistente em sua construção. Seu carisma e talento contrastam muito bem com seu ego gigante, sua vaidade e falta de escrúpulos e sua jornada e aprendizado acabam sendo quase tão interessantes e bem resolvidas do que os do herói Bodi. A extrema ingenuidade de Bodi, aliás, pode ser irritante ou encantadora, dependendo da visão do espectador, mas é bem consistente com o total isolamento no qual vivia antes de sair da sua vila. 

 

No final, beeeem no finalzinho, prevalece a mensagem do valor da arte e da cultura sobre o militarismo e de que a força que faz uma pessoa brilhar é diferente em cada um e ninguém pode te dizer qual é, a não ser você mesmo. Mas ela fica misturada a várias outras mensagenzinhas não tão legais, principalmente no que diz respeito aos clichês dos personagens (como as das sempre burras ovelhas). Faltou talento ao roteiro para misturar de forma orgânica e convincente os elementos díspares do filme, como rock n’ roll, aventura urbana, poder místico, lobos mafiosos e a simplicidade de um vilarejo nas montanhas tibetanas. Ao custo de 60 milhões de dólares, arrecadou apenas um terço disso em todo o mundo. Faltaram melhores personagens, melhores diálogos e situações mais criativas e bem amarradas. Pode agradar aos pequenos e aos que assistem totalmente sem expectativas. Mas uma animação sobre um jovem cão que ama rock merecia algo muito melhor.

 

ROCK DOG, 2016
Vozes originais: Luke Wilson, Eddie Izzard, J.K. Simmons, Lewis Black, Sam Elliott, Mae Whitman e Matt Dillon
Direção e roteiro: Ash Brannon
Montagem: Ivan Bilancio e Ed Fuller
Música: Rolfe Kent
Desenho de produção: Elad Tibi

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