segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Os filmes do Oscar: FICÇÃO AMERICANA / RUSTIN

 Por Ricky Nobre

 

FICÇÃO AMERICANA– 5 indicações


Não deixa de ser bastante irônico que esta sátira à indústria cultural tenha recebido cinco indicações ao Oscar. É um filme bastante simples e, felizmente, sem cacoetes pretenciosos que o poderiam colocar como alvo daquilo que satiriza. Essa despretensão, porém, se o livra de maiores julgamentos, tornando sua simplicidade algo bem simpático, por outro lado leva a um subdesenvolvimento da premissa. No seu decorrer, a costura entre a inquietação profissional do protagonista e sua vida particular, especialmente sua família com a qual a relação é conturbada, ocorre de forma harmônica e suave, lembrando as velhas comédias dramáticas. Porém, conforme avança, o filme parece não saber muito aonde ir e acaba não explorando muito bem as possibilidades cômicas e temáticas da farsa do protagonista conforme ela chega num ponto onde pode sair de controle, tanto na esfera profissional quanto pessoal. Apesar da multiplicidade de finais ser uma boa sacada dentro da crítica proposta, ela também meio que desnuda uma certa falta de rumo, ou talvez de coragem de assumir para o filme o caos e o descontrole que a situação, potencialmente, proporciona. 

 

Existe também um contraste interessante entre o mérito da revolta do personagem, que o leva a criar a farsa, e sua própria personalidade um tanto tacanha que, se o leva a apostar mais alto, elevando a sátira e gerando os momentos mais engraçados do filme, também o imobiliza, tornando-o incapaz de ir além de sua visão inicial. No fim, é tudo muito correto e simpático, por vezes bem engraçado, mas as cinco indicações ao Oscar é algo que parece saído diretamente de uma das bizarras reuniões com executivos brancos que o filme satiriza.

 COTAÇÃO:

 


INDICAÇÕES AO OSCAR:

Melhor filme

Ator: Jeffrey Wright

Ator coadjuvante: Sterling K. Brown

Roteiro adaptado: Cord Jefferson; baseado no livro de Percival Everett

Música original: Laura Karpman

 

FICÇÃO AMERICANA (American Fiction, EUA – 2023)

Com: Jeffrey Wright, Tracee Ellis Ross, John Ortiz, Erika Alexander, Leslie Uggams, Issa Rae, Sterling K. Brown e Myra Lucretia Taylor

Direçâo: Cord Jefferson

Roteiro adaptado: Cord Jefferson; baseado no livro de Percival Everett

Fotografia: Cristina Dunlap

Montagem: Hilda Rasula

Música: Laura Karpman

 

RUSTIN – 1 indicação

A maior manifestação da história dos EUA, que reuniu 250 mil pessoas em 1963 pelos direitos civis e o fim da segregação racial no país, é muito marcada pelo extraordinário discurso de Martin Luther King. O novo filme de George C. Wolfe resgata a figura esquecida de seu principal idealizador e líder que tornou possível o evento considerado inviável: Bayard Rustin. 

 

O resgate da memória de Rustin é particularmente importante porque remexe em questões delicadas dos movimentos dos direitos civis de seis décadas atrás e que não estão completamente superadas hoje, que são as discriminações dentro dos coletivos que lutam justamente contra elas. A possibilidade de descoberta de sua homossexualidade paira sobre Rustin com uma tensão constante, algo que pode excluí-lo da luta que define sua vida. Da mesma forma, as mulheres que trabalhavam tanto no dia a dia da luta antirracista são completamente excluídas das lideranças dos movimentos. 

 

Wolfe faz um trabalho bem protocolar na direção, bem dentro da cinebiografia padrão. Apesar do grande objetivo final ser a marcha, não há um grande aprofundamento sobre as imensas dificuldades logísticas e políticas para sua realização. Elas são, geralmente, apenas citadas como obstáculos que, em algum momento, são reconhecidas como superadas por algum diálogo. O foco é a pessoa de Rustin, sua paixão pela ideia do protesto não violento e sua fé no seu potencial transformador, mas também em sua vida afetiva com seu namorado branco e em seu caso com um jovem pastor. Em algum momento a contradição de um movimento que luta pelas liberdades civis dos negros mas considera excluir um líder homossexual são levantadas, mas é tudo bem básico. O que salva o filme é mesmo Colman Domingo que confere uma grande humanidade a seu personagem e nos ajuda a refletir sobre essas contradições que levam minorias a serem apagadas dentro de movimentos por minorias.

É interessante e competente em levar essa história e esse líder para o conhecimento de novas gerações, mas não foge da caixinha de cinebiografia de streaming.

 COTAÇÃO:



INDICAÇÃO AO OSCAR:

Ator: Colman Domingo

 

RUSTIN (EUA – 2023)

Com: Colman Domingo, Aml Ameen, Glynn Turman, Chris Rock, Gus Halper, Johnny Ramey, CCH Pounder e Jeffrey Wright

Direção: George C. Wolfe

Roteiro: Julian Breece e Dustin Lance Black

Fotografia: Tobias A. Schliessler                ,

Montagem: Andrew Mondshein

Música: Branford Marsalis

 

Nenhum comentário: