terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Os Filmes do Oscar: A COR PÚRPURA – 1 indicação

Por Ricky Nobre

Teoricamente, estamos em uma época melhor para uma adaptação mais fiel do best-seller de Alice Walker A Cor Púrpura. Apesar da produção de Quincy Jones e da ativa participação da autora do livro na supervisão do roteiro, além de sua exigência de que metade da equipe fosse de pessoas de cor e/ou mulheres, a escolha de Steven Spielberg para a direção da versão lançada em 1985 foi polêmica por diversos motivos. Até então, ele era visto como um diretor de blockbusters e sua decisão em assumir um drama como este foi vista por muitos com desconfiança e desdém. Porém, o que é polêmico até hoje, é o fato de que um homem branco estivesse no comando de um filme sobre mulheres negras, incluindo uma temática lésbica que Spielberg acabou por suavizar muito para garantir uma classificação etária menor. Quase 40 anos depois, uma nova versão baseada no musical da Broadway de enorme sucesso lançado em 2005 chegou com a expectativa de maior espaço para uma representatividade mais adequada no comando e, por consequência, maior fidelidade à obra original. Mas não foi bem assim.

O filme dirigido pelo multi artista ganês Blitz Bazawule é convencional em todos os aspectos. A narrativa é construída como um drama de época com uma face realista (a reconstrução de época é impecável) que é entremeada por números musicais, numa frequência que varia ao longo do filme. A fotografia de Dan Laustsen dá um tom realista na esfera dramática e mais fantasiosa em alguns números musicais, mas sempre belo e refinado. Ser convencional, porém, não é exatamente um problema. Muitos números musicais do espetáculo original foram cortados no novo filme, e alguns que aparecem no filme dão a impressão de bastante reduzidos. Parece haver, portanto, uma decisão de dar maior ênfase à encenação dramática do que do aspecto lúdico do teatro musical. O que seria uma decisão válida, não fosse a forma como esses números musicais efetivamente atuam no filme. 

 

Não temos, enquanto espectadores, como definir se a gênese teria sido no processo de roteirização ou de montagem, mas o fato é que a esfera de representação dramática realista de A Cor Púrpura dá conta de praticamente toda a narrativa, seja no desenvolvimento da história, seja na construção e expressão emocional dos personagens. Desta forma, a cada momento que um personagem começa a cantar, ele, invariavelmente, está falando sobre algo que já estava expresso anteriormente, seja um fato ou uma emoção. Desta forma, os números musicais parecem se intrometer na narrativa em vez de fazerem parte dela. Não seria absurdo imaginar que, se todos os números musicais fossem removidos, nada (ou quase) se perderia. A mise en scène realista e a fantasia musical não se completam, apenas se entremeiam, dizendo, basicamente, as mesmas coisas. 

 

Existe um compreensível esforço em evitar citações e paralelos com a versão de 1985.  Porém, é curioso que Bazawule escolheu resgatar duas músicas do filme original para incorporar em sua versão. Porém, é um tanto estranho que, talvez nessa tentativa de evitar a comparação com o filme de Spielberg, ele tenha utilizado essas músicas de forma completamente esvaziada de seu poder, uma vez que Miss Celie’s Blues aparece já perto do final, sem a força e o significado de ser apresentada à frente de todos que esperavam escárnio e se surpreenderam com uma declaração de amor. Enquanto isso, God Is Trying to Tell You Something é apresentada em um fragmento, mais como uma citação, em uma cena quase que destituída de força dramática, quase burocrática.

 

Esses problemas não conseguem, entretanto, minar o impacto da história de Celie, que tem uma força própria e que o elenco excelente (com vários estreantes) defende cena a cena e Bazawule forja, de fato, um filme emocionante. Porém, é inegável que na questão que foi uma das principais críticas à versão de 1985, a nova versão falha, que é na relação entre Celie e Shug. Em ambas as versões, a profunda amizade e amor são perfeitamente expressados, mas a temática lésbica consegue se apresentar apenas ligeiramente mais clara, especialmente na cena da banheira. Na cena do cinema, porém, o único beijo do filme é ofuscado por uma forte luz de fundo que o torna quase invisível, e não deixa de ser surpreendente (e irônico), que a cena de beijo da versão de 1985 seja muito melhor, mais expressiva e tocante. 

 

A nova versão de A Cor Púrpura chega com um claro aval dos que a precederam, sendo produzido por Steven Spielberg, Quincy Jones, Oprah Winfrey e Alice Walker. Bazawule é um diretor hábil em trazer a obra para uma nova geração, mas não sabe muito bem como lidar com musicais e, especialmente, como fazer as músicas se integrarem de fato na narrativa e torna-las indispensáveis ao filme. Enquanto melodrama, é uma obra forte e emocionante. Enquanto musical, é uma ópera de obviedades.

COTAÇÃO:



INDICAÇÃO AO OSCAR:

Melhor atriz coadjuvante: Danielle Brooks

 

A COR PÚRPURA (The Color Purple, EUA – 2023)

Com: Fantasia Barrino, Taraji P. Henson, Danielle Brooks, Colman Domingo, Corey Hawkins, Phylicia Pearl Mpasi, Halle Bailey, Ciara, Gabriella Wilson H.E.R. e Louis Gossett Jr.

Direção: Blitz Bazawule

Roteiro: Marcus Gardley, baseado no musical de Marsha Norman e no livro de Alice Walker

Fotografia: Dan Laustsen

Montagem: Jon Poll

Design de produção: Paul D. Austerberry              

Música e letra: Brenda Russell, Allee Willis e Stephen Bray

Música original: Kris Bowers

 

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