Por Ricky Nobre
Aos 86 anos, Ridley Scott mantém uma filmografia constante e uma incrível vitalidade, onde um hiato de três anos pode ser seguido por dois lançamentos quase simultâneos. Mas o cineasta que tanto impressionou nos anos 80, com raros brilhos desde então, parecia ter voltado à forma com o excelente O Último Duelo, para, meses depois, lançar o quase inassistível Casa Gucci. Napoleão é mais um projeto seu que podemos dizer que é sem brilho, isso diversos âmbitos. A saga de uma das figuras históricas mais emblemáticas do mundo é acompanhada desde seus dias como suboficial testemunhando a execução de Maria Antonieta até sua morte no exílio. O que mais chama a atenção é como tudo parece tão impessoal e burocrático. Napoleão é mostrado pulando de conquista em conquista, tanto de batalhas quanto de posto, e este detalhe talvez seja um dos mais razoavelmente retratados, que é o Napoleão estrategista, um ganhador de batalhas em série. A contextualização histórica, porém, é estabanada e relapsa, sendo os eventos que o levaram a se sagrar Imperador, ele que era anteriormente um defensor da república, algo que beira o inconsequente.
Mas se o filme no geral dá essa sensação de uma sucessão de fatos históricos colados, o personagem Napoleão são supre esse vácuo deixado pela narrativa. Não existe um ângulo, original ou não, que explore o general/imperador de forma minimamente aprofundada ou interessante. Sua relação com Josefina é o que mais remotamente se aproxima disso, principalmente nas sequências que lidam com o divórcio e os eventos que o precedem e o sucedem, sinalizando que, bem trabalhado, só esse recorte já daria um bom filme.
Esteticamente, a decepção é ainda maior. É difícil de acreditar que o cineasta de Os Duelistas, Blade Runner e Gladiador, e que, durante toda sua filmografia, mesmo nos piores momentos, sempre apresentou um acentuado apuro visual, tenha concebido uma obra tão mundanamente feia como Napoleão, com uma fotografia fortemente dessaturada, quase monocromática, fria, escura e de baixo contraste, características que são quase uma praga do cinema atual, e que os cineastas da mesma geração de Scott ainda na ativa são justamente os que costumam nos salvar desse marasmo. Sendo essas características tão estranhas tanto a Scott quanto ao fotógrafo Dariusz Wolski (colaborador do diretor há mais de dez anos e acostumado a uma iluminação sombria, porém muito refinada), imagina-se que tipo de conceito possa ter se perdido nesse processo.
Desde antes do lançamento desta versão de 158 minutos nos cinemas, Scott já sinalizava a preparação de um corte completo de 4 horas, a ser lançado também na Apple TV+, ainda sem data. É de se esperar que um novo corte resolva alguns problemas, principalmente de alguns saltos temporais e um maior detalhamento histórico, mas, provavelmente, seria ingenuidade contar que a estrutura seja muito radicalmente alterada, principalmente a falta de um foco criativo nos personagens. Na época do lançamento, Ridley Scott desdenhou de forma jocosa de comentários que apontavam diversas imprecisões e invenções históricas, no sentido de que a arte não deveria ter essa limitação. Porém, o que Scott forja em Napoleão é uma obra fria e esquemática, e que passa sim a sensação de um grande documentário, deixando suas liberdades históricas sem uma função realmente criativa. Não parece haver uma grande verdade histórica ou emocional a ser dita através da História ficcionalizada em Napoleão. Tudo parece apenas de uma grandiosidade vazia.
COTAÇÃO:
INDICAÇÕES AO OSCAR:
Design de produção: Arthur Max e Elli Griff
Figurino: Janty Yates e Dave Crossman
Efeitos visuais: Charley Henley, Luc-Ewen Martin-Fenouillet, Simone Coco e Neil Corbould
NAPOLEÃO (Napoleon, EUA – 2023)
Com: Joaquin Phoenix, Vanessa Kirby, Tahar Rahim, Rupert Everett, Edouard Philipponnat e Miles Jupp
Direção: Ridley Scott
Roteiro: David Scarpa
Fotografia: Dariusz Wolski
Montagem: Sam Restivo e Claire Simpson
Música: Martin Phipps
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