Por Ricky Nobre
Ousadia em arte pode ser cruel e ingrata. Sua ausência, por
vezes, pode marcar um artista como medíocre ou, até mesmo, covarde. Por outro
lado, apenas a ousadia bem sucedida recebe os louros da vitória. A mal sucedida
costuma receber as pedradas de sempre, até mais intensas. Mas esse é o preço do
risco, tanto na arte quanto na vida: se você experimenta é justamente porque
não sabe o resultado. Isso não quer dizer que Colossal seja um exemplo de
cinema experimental, isso é outra coisa. Mas o diretor e roteirista espanhol Nacho
Vigalondo arriscou uma bizarra mescla de estilos que acabou gerando uma grande
perda financeira após realizar os circuitos de festivais em 2016 e estrear
comercialmente em 2017. Mesmo que o filme tenha sido surpreendentemente barato
considerando os efeitos especiais que ostenta (meros 15 milhões de dólares),
amargou uma arrecadação mundial de apenas 4 milhões! Pois é onde percebemos que
a crueldade e a ingratidão na ousadia não param por aí: longe de ser a bomba
que a performance na bilheteria sugere, Colossal é um filmaço!
Colossal é um filme que vale assistir sem saber o que
esperar. Mas para quem quer ter uma ideia do seu conceito, basta dizer que ele
é uma comédia romântica misturada com filme de monstros e robôs japonês que se
desenvolve como um drama sobre alcoolismo e relacionamentos abusivos. Já
desempregada por conta das noites seguidas de farra e bebedeira, a jornalista
Gloria (Anne Hathaway) acaba tomando um pé do seu namorado inglês Tim (Dan
Stevens), que põe suas malas feitas na porta. Voltando para sua pequena cidade
natal, Gloria se reencontra com o amigo de infância Oscar (Jason Sudeikis) e
acaba indo trabalhar no bar dele (excelente escolha para uma alcoólatra!). No
meio disso, os noticiários são invadidos por informes de um gigantesco monstro
que causou estrago em Seul, na Coréia do Sul, por alguns momentos antes de
desaparecer. Com o tempo, Gloria começa a perceber que pode haver uma estranha
conexão entre ela e o monstro.
O brilhantismo de Colossal vem da forma como ele se propõe a
uma tarefa incrivelmente ambiciosa, como tornar essa premissa absurda ao mesmo
tempo engraçada e dramática, e o faz de uma forma surpreendentemente
despretensiosa. O roteiro sabe tirar o humor diretamente do absurdo da
situação, assim como de fatos corriqueiros e das idiossincrasias dos personagens.
Concomitante, Vigalondo arrisca de forma segura e sensível a explorar o drama
de Gloria conforme ela vai tendo noção de que pode ser responsável por dezenas
de mortes do outro lado do mundo. No sucesso dessa investida, Anne Hathaway foi
imprescindível. Ela mostra total entrega desde os momentos mais patetas e
constrangedores de sua personagem até os mais trágicos e desesperados, sendo a
âncora que torna tudo, ao mesmo tempo, leve, hilário, dramático, visceral e
crível.
Vigalondo convida o espectador a embarcar numa premissa
facilmente risível para depois envolvê-lo no drama da protagonista. Desde o
simbolismo que liga um monstro interior ao alcoolismo até uma
extraordinariamente bem construída alegoria sobre relacionamentos violentos e
abusivos, Colossal tem o dom de emocionar numa comédia aparentemente tosca e
absurda. Com muita inteligência e sensibilidade, ele mostra o quanto o vício e
o abuso podem ser devastadores. Particularmente no caso do abuso, elabora com
precisão como o drama da vítima é solitário e o quanto pode ser incompreensível
para quem está de fora o porquê de alguém se submeter a essas situações. Mas
apenas a vítima sabe que nível de chantagem e covardia é usado contra ela pelo
abusador.
Apesar da performance financeira extremamente pobre,
Colossal tem arrancado elogios Por onde passa, sendo considerado um dos
melhores filmes americanos independentes do ano. Com seu enorme charme, humor e
substância, o filme irá, certamente, alçar-se ao status de cult à medida em que
for lançado em home vídeo e, principalmente, nas plataformas de streaming (que
é o que faz diferença hoje em dia, depois da exibição em cinemas). Faça um
favor a si mesmo e embarque nesse filme que é, ao mesmo tempo, bobo, emocional,
hilário e complexo.
COLOSSAL, 2016
Com: Anne
Hathaway, Dan Stevens, Jason Sudeikis, Austin Stowell e Tim Blake Nelson.
Direção e
roteiro: Nacho Vigalondo
Fotografia: Eric Kress
Montagem: Ben Baudhuin e Luke Doolan
Música: Bear McCreary
COTAÇÃO:
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