Por Ricky Nobre
Não é apenas
Hollywood que gosta de ganhar um dinheirinho refilmando sucessos
internacionais, adequando-os melhor ao seu público. Uma Família de Dois de Hugo
Gélin é um remake francês do recente sucesso mexicano Não Aceitamos Devoluções,
escrito, dirigido e estrelado pelo comediante Eugenio
Derbez. Enquanto o original leva o protagonista de Acapulco a Los Angeles, a
nova versão vai da Marseille a Londres.
O sorridente,
festeiro e boa praça Samuel (Omar Sy) vive a vida que
pediu a Deus como empregado de um resort, cercado de belíssimas turistas e toda
a estrutura para promover festas de arromba, para a constante dor de cabeça de
sua chefe. Num belo dia, uma mulher, Kristin (Clémence Poésy), o procura com uma
menina de três meses nos braços, dizendo que é filha dele... e simplesmente
desaparece. Ele vai até Londres desesperado, na certeza de que a encontraria
para devolver a criança, mas, além de não conseguir, perde todo seu dinheiro,
passaporte e, de quebra, seu emprego na França. Com um bebê nos braços, num
país estrangeiro do qual ele não fala a língua, ele acaba aceitando um emprego
de dublê, tentando ser pai do jeito que pode, inventando para a menina uma mãe
que é agente secreta e viaja pelo mundo.
Algumas cenas
de Uma Família de Dois são transcrições exatas do original. Contudo, além das
mais óbvias adaptações resultantes da diferença entre os países, existe uma
principal diferença entre as versões que é a que dá a real personalidade do
filme: Samuel. Enquanto o personagem original (e o próprio filme em si, na
realidade) foi criado por Eugenio Derbez para ser um veículo seu como
comediante, apesar das ambições dramáticas, o Samuel de Omar Sy é composto de
forma bem menos caricata, apesar de, sendo uma comédia, a caricatura estar
presente de forma mais ou menos marcante em diversos personagens. É curioso
como a inclusão de um personagem gay é uma das melhores mudanças do filme em
relação ao original, principalmente a inserção bem mais pessoal dele na vida do
amigo e sua filha. Porém, infelizmente, é o personagem que acaba caindo mais
fortemente na caricatura, com uma hiperssexualização que soa como piada velha.
No fundo, Samuel
é uma crianção, que nunca cresceu, e seu apartamento parece um parque de
diversões, onde fica sempre dúbio se ele o fez assim apenas para a filha ou
para si mesmo. O tema da recusa em crescer substitui o tema do medo no filme
original, que neste é apenas ligado de forma tangencial ao tema da aversão à
maturidade. Ele parece criar a filha num mundo de fantasia próprio e, se por
uma lado ele justifica com a ideia de que "toda criança tem o direto de
sonhar", ele também parece a estar protegendo de uma realidade mais dura,
num ligeiro eco de A Vida é Bela.
A direção é
mais refinada, deixando de lado o humor mais rude e por vezes racista e
machista do original (apesar dos problemas já citados do personagem gay). Com
sua inesgotável simpatia e alegria de viver, o Samuel de Omar Sy convence muito
mais como o cara cuca fresca e cercado de lindas turistas do que o Valentin de Eugenio Derbez.
Por outro lado, o original desafiava o público a, progressivamente,
simpatizar com um personagem grosseiro e antipático, enquanto a versão francesa
pegou um atalho no enorme carisma e sorriso de Samuel.
É justamente
nesse maior refinamento da direção que está o segredo de um filme bem mais
sensível, substituindo a emocionalidade mais breguinha do original por momentos
de emoção mais sutis e tocantes, principalmente no inesperado desfecho. Porém,
o maior desafio do remake era quanto a escalação da personagem da menina, que
no original era a sensacional Loreto Peralta, mas que encontrou
na estreante Gloria Colston uma versão à altura. Se o filme tem algum problema
mais sério, este é a personagem Kristin, uma vez que tudo o que é relativo a
ela parece saído da cartola e nenhuma de suas motivações é explicada ou
explorada, nem o abandono, nem seu retorno e nem todas as suas ações
posteriores, além de um vago “porque eu quis”. Mesmo não sendo a personagem
principal, Kristin deveria ser melhor estruturada, pois parece mais um furacão
que acontece na vida de Samuel e Gloria do que uma pessoa de verdade.
O título
brasileiro reflete o título internacional em inglês oficial do filme, que a
maioria dos países seguiu. Porém, o título original francês é Demain Tout
Commence, literalmente, Amanhã Tudo Começa, que é justamente a última frase do
filme, momento em que ao menos metade das pessoas na plateia estará procurando
lenços de papel nos bolsos que elas não sabiam que iriam precisar. Fica a dica.
UMA FAMÍLIA DE DOIS (Demain
tout commence, 2016)
Com: Omar Sy, Clémence Poésy,
Antoine Bertrand, Ashley Walters e Gloria Colston.
Direção: Hugo Gélin
Roteiro: Hugo
Gélin, Mathieu Oullion e Jean-André Yerles, baseado no roteiro original de Eugenio
Derbez, Guillermo Ríos e Leticia López Margalli
Fotografia: Nicolas
Massart
Montagem: Valentin
Feron e Grégoire Sivan
Música: Rob
Simonsen
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