quarta-feira, 21 de junho de 2017

FRANTZ: as feridas abertas da guerra.


Por Ricky Nobre


O filme de guerra é um gênero que existiu desde que existe cinema. O óbvio cenário na imensa maioria deles é, evidentemente, o campo de batalha, seja ele alguns milênios antes de Cristo ou em algum conflito ainda existente nos nossos dias. Poucos, entretanto, se concentraram na guerra depois da guerra, na vida das pessoas depois que cessa o fogo, sendo Os Melhores Anos de Nossas Vidas (1946) e Amargo Regresso (1978) dois dos mais famosos exemplos. O mais recente filme de François Ozon, o mais popular cineasta francês dos últimos anos, retrata justamente esse drama da dolorosa adaptação de um povo após a guerra, seja dos combatentes, seja dos familiares que perderam filhos, maridos e pais. 

 

Em 1919, após a Primeira Guerra Mundial, a jovem alemã Anna (Paula Beer) vive enlutada pela morte de seu noivo Frantz no conflito, enquanto mora com seus sogros, que a acolhem como filha. Uma dia, numa das rotineiras visitas ao túmulo do noivo, Anna vê um estranho que traz flores e presta homenagens a Frantz. Após alguns dias, o rapaz entra em contato com a família e se apresenta como Adrien (Pierre Niney), jovem francês que foi amigo de Frantz em Paris. Inicialmente, o pai de Frantz repele violentamente o rapaz por causa da rivalidade entre a Alemanha e a França na Guerra. A mãe e Anna, porém, acolhem o rapaz, atraídas pela forte ligação que ele parece ter com o saudoso filho e noivo, o que acaba levando o próprio velho pai a aceita-lo também como amigo da família. Em meio ao preconceito dos moradores da pequena cidade com a presença de um francês entre eles, a relação entre Adrien e a família de Frantz, especialmente Anna, se estreita e intensifica, enquanto a real natureza da ligação entre Adrien e Frantz permanece nebulosa, e esta revelação pode trazer consequências irreversíveis para todos. 

 

O principal desafio de Ozon em Frantz (na realidade, uma refilmagem não creditada de Não Matarás, de 1932) parece ser o de celebrar a vida numa obra com a sutil mas constante presença da morte. Anna vive um luto sem fim pelo noivo e sua alegria e desejo de viver desapareceram. Adrien é um jovem de aparência extremamente frágil, tanto física quanto emocionalmente, e seu desejo por uma conexão com a família de Frantz parece ser sua única razão de viver. Na mesma medida, a alegria e o riso voltam à casa de Anna e seus sogros com a presença do jovem francês que conta histórias dos dois amigos em Paris. Conforme os fatos se desenrolam e informações se revelam, Ozon expõe a tragédia e a insanidade da guerra à medida em que o ódio e a morte se estendem e cristalizam até anos depois da violência brutal das batalhas. Uma insanidade desumana capaz de trazer desejo de morte até para os que sobreviveram. 

 

A fotografia em preto e branco simboliza essa ausência de vida e ganha força justamente nas poucas cenas em cores que, inicialmente, parecem representar a alegria que a memória de Frantz traz mas, na realidade, simboliza o próprio personagem e sua presença na vida dos que ficaram. O grande desafio dos personagens não é apenas viverem após a perda e a tragédia, mas também com as próprias escolhas que fizeram. No restaurante em que o pai de Frantz (que vive atormentado pela culpa de ter insistido para que o filho se alistasse) se reúne com os amigos, ele repele os comentários rudes dos companheiros em relação a Adrien e a acolhida que o velho deu a um francês, que para eles é, obviamente, algoz de jovens soldados alemães. O pai repreende os amigos dizendo: “Quando nossos filhos matam mil franceses, nós comemoramos bebendo cerveja. Quando jovens franceses matam mil alemães, os pais deles comemoram bebendo vinho. Somos uma geração de pais que bebe à morte dos filhos”. Ano que vem, completará 100 anos do fim da Primeira Guerra Mundial e Ozon nos desafia a encontrar as diferenças entre o drama de seus personagens e a forma como se lida hoje na guerra com a morte dos nossos e do outro. 

 


FRANTZ, 2016.
Com: Pierre Niney, Paula Beer, Ernst Stötzner, Marie Gruber e Cyrielle Clair.
Direção: François Ozon
Roteiro: François Ozon e Philippe Piazzo (baseado no filme de Ernest Lubitsch “Não Matarás”, 1932)
Fotografia: Pascal Marti
Montagem: Laure Gardette
Música: Philippe Rombi

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