Por Ricky Nobre
ATENÇÃO: OS TEXTOS DESTA SÉRIE SOBRE STAR WARS CONTÉM SPOILERS!!!
Rogue One teve uma tarefa difícil a cumprir. Como o primeiro
filme de Star Wars fora da saga Skywalker (ainda que profundamente ligado a
ela), carregou o peso de provar que os planos da Disney em tornar a franquia um
evento anual dariam certo. A ideia de contar a história dos espiões rebeldes
que roubaram os planos da Estrela da Morte (o mcguffin do filme original) foi
apresentada a Lucas por John em 2012, como sugestão para uma série de TV. Ele reapresentou
a ideia quando a Lucasfilm passou para a Disney e, embora tenha sido aceita
para ser a primeira “Star Wars Story”, Knoll acabou saindo do projeto que
continuou sem ele. Para dirigir, foi escolhido Gareth Edwards, que assinou
contrato uma semana após a estreia de seu segundo filme, Godzilla. Escrito por Chris
Weitz, Rogue One sofreu percalços em sua produção e não tinha um roteiro totalmente
finalizado quando começaram as filmagens, o que é sempre ruim.
Da mesma forma como aconteceria posteriormente em Solo (Ieia
nossa crítica anterior), o resultado não agradou aos produtores, porém não era
algo tão desastroso como o que ocorreria dois anos depois. Tony Gilroy foi
chamado para reescrever parte do roteiro e dirigir as novas cenas, porém tudo
foi feito sem o stress de Solo, pois Edwards e Gilroy já haviam trabalhado
juntos e Edwards permaneceu na produção como uma espécie de “consultor de
direção”, acompanhando as mudanças que Gilroy fazia em seu filme. Cerca de 40%
do filme foi refeito. Edwards permaneceu com o crédito de diretor e Gilroy levou
o de co-roteirista. Mas... e o filme?
Após uma calorosa recepção do Ep VII, Rogue One apareceu
para fazer o público acreditar que Star Wars havia realmente voltado em toda a
sua glória dentro da nova política de produção da Disney. Apesar dos problemas
de produção, Rogue One é um filme dos sonhos para os fãs da franquia. São muitos
acertos em muitos níveis. A partir do fato de que esta é uma história que acaba
exatamente onde o Ep IV (o Star Wars original) começa, o visual escolhido para
o filme é idêntico ao da produção de 1977, dos cenários aos veículos e
figurino. Os efeitos visuais não tem “cara” do cinemão atual e muita coisa foi
feita realmente em frente às câmeras, sem fundo verde. Porém, mais do que a
nostalgia na perfeita emulação da ambientação do filme clássico, mais do que
quantidades industriais de fanservice, o que faz Rogue One tão especial é o que
ele traz de novo.
Rogue One é o primeiro filme da saga que apresenta uma visão
menos romantizada da rebelião e da guerra. Por diversas vezes, os rebeldes
precisam fazer coisas moralmente dúbias, ou simplesmente reprováveis, como
Cassian faz logo de início ao matar o próprio companheiro que pode apresentar
um risco se for capturado e a ordem de matar o pai de Jyn sem se certificar de
que lado ele realmente estava. Jyn, por sua vez, carrega muitos pesos nessa
história. Viu mãe morrer e o pai ser levado aos sete anos, e foi combatente
rebelde na adolescência sob a tutela do radical Saw Guerrera (personagem
pinçado da série animada Clone Wars, o que é imensamente LEGAL), pelo qual se
sentia abandonada, viveu na rua e passou por prisões imperiais e só aceitou
ajudar a rebelião para ter notícias do pai. Felicity Jones dá o tom certo nessa
personagem difícil, que é fechada e distante graças às surras da vida mas que
precisa dos momentos certos para que a emoção flua.
Outro aspecto interessante é o da espiritualidade. Não há
jedis no filme, porém a Força é citada diversas vezes. É primeira vez na
franquia que vemos a Força ter um papel forte em alguns personagens totalmente
fora do protagonismo jedi. Jedha permanece como uma cidade santa, com diversos
peregrinos, e a Força foi retratada, enfim, como uma fé popular. A Força com
certeza estava com Chirrut que provavelmente seria treinado como um jedi, se a
Ordem ainda existisse. Porém, na galáxia do Império, só lhe resta a fé de que
ele é uno com a Força e a Força está com ele.
O filme tem apenas algumas questões mínimas a serem
apontadas. Por mais que Alan Tudyk tenha nos dado um sensacional K-2SO, um dos
melhores droids da franquia, o fato é que este modelo de “androide imperial”
jamais apareceu em nenhum outro filme e talvez seja a única coisa que não se
encaixa com perfeição dentro da saga. A participação de Vader perde um pouco do
seu peso quando a poderosa voz do já octogenário James Earl Jones se mostra indisfarçavelmente
enfraquecida. A ressuscitação digital de Peter Cushing é assombrosa em alguns
takes e engessada em outros, além de trazer um debate ético sobre o quão certo
ou errado isso é. Mas são meros detalhes num filme que é Star Wars até a medula
e, ainda assim, consegue ser ousado. Ben Mendelsohn faz de Krennic um excelente e a cena de Vader no corredor (concebida e filmada quando a produção estava quase encerrada) é uma das melhores e mais apavorantes cenas da franquia. vilão Vários finais onde alguns personagens
sobreviviam foram escritos, mas, felizmente, a Disney aceitou a sugestão dos
cineastas de que a única coisa certa a ser feita era mostrar que nenhum deles
saiu vivo da missão, apesar dela ter sido cumprida e os planos irem parar nas
mãos da Princesa Leia.
Apesar dos percalços de produção, Rogue One foi incrivelmente
bem recebido e chegou a uma bilheteria mundial de 1 bilhão de dólares! Ainda que
seja possível apontar que o filme seguiu a direção do Ep VII numa reverência
fixa no filme original, é inquestionável que ele foi além, mostrando uma guerra
mais suja e trágica, mas também com espaço para verdadeiro heroísmo. É um filme
muito emocional e o elenco garante que os personagens te conquistem ainda que a
trama encontre pouco tempo para desenvolvê-los mais profundamente. Rogue One
realiza uma verdadeira alquimia na saga, uma vez que quem assistir o Ep IV, produzido
a 42 anos, imediatamente após este perceberá que todo um novo peso é dado à história,
e a missão de Luke em levar os planos da Estrela da Morte de volta para a Aliança
Rebelde tem sua importância reforçada, pois agora o público viu o qual foi o
preço.
Rogue One é como se alguém jogasse O Resgate do Soldado Ryan
no meio de O Senhor dos Anéis. E deu extraordinariamente certo!
Nenhum comentário:
Postar um comentário