quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Contagem progressiva para Star Wars. Episódio de hoje: ROGUE ONE


Por Ricky Nobre


ATENÇÃO: OS TEXTOS DESTA SÉRIE SOBRE STAR WARS CONTÉM SPOILERS!!!

Rogue One teve uma tarefa difícil a cumprir. Como o primeiro filme de Star Wars fora da saga Skywalker (ainda que profundamente ligado a ela), carregou o peso de provar que os planos da Disney em tornar a franquia um evento anual dariam certo. A ideia de contar a história dos espiões rebeldes que roubaram os planos da Estrela da Morte (o mcguffin do filme original) foi apresentada a Lucas por John em 2012, como sugestão para uma série de TV. Ele reapresentou a ideia quando a Lucasfilm passou para a Disney e, embora tenha sido aceita para ser a primeira “Star Wars Story”, Knoll acabou saindo do projeto que continuou sem ele. Para dirigir, foi escolhido Gareth Edwards, que assinou contrato uma semana após a estreia de seu segundo filme, Godzilla. Escrito por Chris Weitz, Rogue One sofreu percalços em sua produção e não tinha um roteiro totalmente finalizado quando começaram as filmagens, o que é sempre ruim. 

 

Da mesma forma como aconteceria posteriormente em Solo (Ieia nossa crítica anterior), o resultado não agradou aos produtores, porém não era algo tão desastroso como o que ocorreria dois anos depois. Tony Gilroy foi chamado para reescrever parte do roteiro e dirigir as novas cenas, porém tudo foi feito sem o stress de Solo, pois Edwards e Gilroy já haviam trabalhado juntos e Edwards permaneceu na produção como uma espécie de “consultor de direção”, acompanhando as mudanças que Gilroy fazia em seu filme. Cerca de 40% do filme foi refeito. Edwards permaneceu com o crédito de diretor e Gilroy levou o de co-roteirista. Mas... e o filme?

 

Após uma calorosa recepção do Ep VII, Rogue One apareceu para fazer o público acreditar que Star Wars havia realmente voltado em toda a sua glória dentro da nova política de produção da Disney. Apesar dos problemas de produção, Rogue One é um filme dos sonhos para os fãs da franquia. São muitos acertos em muitos níveis. A partir do fato de que esta é uma história que acaba exatamente onde o Ep IV (o Star Wars original) começa, o visual escolhido para o filme é idêntico ao da produção de 1977, dos cenários aos veículos e figurino. Os efeitos visuais não tem “cara” do cinemão atual e muita coisa foi feita realmente em frente às câmeras, sem fundo verde. Porém, mais do que a nostalgia na perfeita emulação da ambientação do filme clássico, mais do que quantidades industriais de fanservice, o que faz Rogue One tão especial é o que ele traz de novo.

 

Rogue One é o primeiro filme da saga que apresenta uma visão menos romantizada da rebelião e da guerra. Por diversas vezes, os rebeldes precisam fazer coisas moralmente dúbias, ou simplesmente reprováveis, como Cassian faz logo de início ao matar o próprio companheiro que pode apresentar um risco se for capturado e a ordem de matar o pai de Jyn sem se certificar de que lado ele realmente estava. Jyn, por sua vez, carrega muitos pesos nessa história. Viu mãe morrer e o pai ser levado aos sete anos, e foi combatente rebelde na adolescência sob a tutela do radical Saw Guerrera (personagem pinçado da série animada Clone Wars, o que é imensamente LEGAL), pelo qual se sentia abandonada, viveu na rua e passou por prisões imperiais e só aceitou ajudar a rebelião para ter notícias do pai. Felicity Jones dá o tom certo nessa personagem difícil, que é fechada e distante graças às surras da vida mas que precisa dos momentos certos para que a emoção flua.

 

Outro aspecto interessante é o da espiritualidade. Não há jedis no filme, porém a Força é citada diversas vezes. É primeira vez na franquia que vemos a Força ter um papel forte em alguns personagens totalmente fora do protagonismo jedi. Jedha permanece como uma cidade santa, com diversos peregrinos, e a Força foi retratada, enfim, como uma fé popular. A Força com certeza estava com Chirrut que provavelmente seria treinado como um jedi, se a Ordem ainda existisse. Porém, na galáxia do Império, só lhe resta a fé de que ele é uno com a Força e a Força está com ele. 

 

O filme tem apenas algumas questões mínimas a serem apontadas. Por mais que Alan Tudyk tenha nos dado um sensacional K-2SO, um dos melhores droids da franquia, o fato é que este modelo de “androide imperial” jamais apareceu em nenhum outro filme e talvez seja a única coisa que não se encaixa com perfeição dentro da saga. A participação de Vader perde um pouco do seu peso quando a poderosa voz do já octogenário James Earl Jones se mostra indisfarçavelmente enfraquecida. A ressuscitação digital de Peter Cushing é assombrosa em alguns takes e engessada em outros, além de trazer um debate ético sobre o quão certo ou errado isso é. Mas são meros detalhes num filme que é Star Wars até a medula e, ainda assim, consegue ser ousado. Ben Mendelsohn faz de Krennic um excelente e a cena de Vader no corredor (concebida e filmada quando a produção estava quase encerrada) é uma das melhores e mais apavorantes cenas da franquia. vilão Vários finais onde alguns personagens sobreviviam foram escritos, mas, felizmente, a Disney aceitou a sugestão dos cineastas de que a única coisa certa a ser feita era mostrar que nenhum deles saiu vivo da missão, apesar dela ter sido cumprida e os planos irem parar nas mãos da Princesa Leia. 

 

Apesar dos percalços de produção, Rogue One foi incrivelmente bem recebido e chegou a uma bilheteria mundial de 1 bilhão de dólares! Ainda que seja possível apontar que o filme seguiu a direção do Ep VII numa reverência fixa no filme original, é inquestionável que ele foi além, mostrando uma guerra mais suja e trágica, mas também com espaço para verdadeiro heroísmo. É um filme muito emocional e o elenco garante que os personagens te conquistem ainda que a trama encontre pouco tempo para desenvolvê-los mais profundamente. Rogue One realiza uma verdadeira alquimia na saga, uma vez que quem assistir o Ep IV, produzido a 42 anos, imediatamente após este perceberá que todo um novo peso é dado à história, e a missão de Luke em levar os planos da Estrela da Morte de volta para a Aliança Rebelde tem sua importância reforçada, pois agora o público viu o qual foi o preço. 

 

Rogue One é como se alguém jogasse O Resgate do Soldado Ryan no meio de O Senhor dos Anéis. E deu extraordinariamente certo!

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