ATENÇÃO: OS TEXTOS DESTA SÉRIE SOBRE STAR WARS CONTÉM SPOILERS!!!
38 anos separam Star
Wars: O Despertar da Força da estreia do primeiro filme. 32 anos do
episódio anterior, o sexto. 10 anos do último filme da saga produzido. Muita
água rolou debaixo dessa ponte, a começar pela venda da Lucasfilm para a Disney
pela bagatela de 4 bilhões de dólares e a nomeação de Kathleen Kennedy
(produtora de Spielberg por 30 anos) como sua presidente. Lucas chegou a
começar a preparação para realizar o episódio VII, porém um novo casamento e um
novo filho o fizeram pensar duas vezes antes de assumir um compromisso que
tomaria mais alguns anos de sua vida. Ao renunciar ao controle de sua franquia,
Lucas abriu uma nova era para Star Wars.
J.J. Abrahams, fã declarado da série, assumiu as rédeas, inclusive descartando
as ideias já desenvolvidas por Lucas para uma nova trilogia, que envolvia muito papo sobre midichlorians e os Whills, seres quase divinos intrinsecamente ligados à força. Desta forma Lucas tornou-se um consultor criativo que em
nada consultou e o Episódio VII tornou-se o primeiro filme de Star Wars sem participação alguma de seu
criador.
Quando Lucas viu o filme finalizado, semanas antes da
estreia, sua única declaração pública foi: “Eu acho que os fãs vão amar. É bem
o tipo de filme que eles estavam querendo”.
Ookaaayy...
Mais adiante, Lucas fez outras declarações, pelas quais ele
acabou se desculpando, mas não vamos entrar nesse mérito. Apenas essa primeira
impressão já se mostra muito expressiva e sintomática. Em poucas palavras,
Lucas praticamente admite que fez seus filmes sem pensar no que os fãs
gostariam de ver, e que ver isso sendo feito agora por outros talvez lhe cause
certo ressentimento, pois ele não foi capaz de dizer que gostou do filme,
apenas que os fãs gostariam. E sim, ele está certo. O Despertar da Força foi feito para agradar os fãs, a começar por
aqueles que fizeram o filme. E assim podemos entrar em algumas questões
polêmicas em relação a esse novo episódio. Apesar de possuir várias qualidades
reais, o Episódio VII é uma overdose de fanservice. Pra bem e pra mal.
Existem aqueles que foram ao cinema esperando que o trio
veterano Luke, Leia e Han fossem as grandes estrelas com esses garotos novos
como coadjuvantes. Mas, de fato, é o contrário, apesar de termos, na realidade,
uma participação de Han Solo e Chewbacca muito maior do que o esperado. Os
novos protagonistas Rey e Finn, com idades semelhantes a Luke e Leia no Episódio
IV, são responsáveis pelo que há de realmente novo num episódio que se assemelha
muito a um filme homenagem (como um amigo meu disse, “como Superman Returns tentou sem sucesso”). Não podemos nos esquivar de
comentar a representatividade inédita que esse episódio proporcionou. O fato
dos dois personagens principais serem uma mulher e um homem negro é
extremamente importante e foi trabalhado com perfeição no filme.
Finn, apesar de ter algumas cenas bem engraçadas, não é
tratado como alívio cômico, como é muito comum de acontecer com personagens
negros. A ideia de fazê-lo um stormtrooper que quebrou o condicionamento é
sensacional e abre um olhar para as pessoas que existem por baixo das
armaduras. Rey aprendeu a se virar sozinha a vida toda e demonstra real
estranheza e irritação ao ser tratada como alguém que precisa de proteção
(“para de me puxar pela mão” não é pra agradar feministas, é uma descrição fiel
da personagem). Rey é a grande protagonista do filme, a que tem a força, a
herdeira do sabre de luz dos Skywalker.
Ambos possuem uma qualidade humana que os destaca: eles
verdadeiramente se importam com os outros. Em seu isolamento e sua vida sofrida
dia a dia, Rey poderia estar muito mais preocupada com a própria sobrevivência
do que em resgatar um androide de um sucateiro e, posteriormente, se recusar a
vendê-lo por um preço irrecusável. E, indo além, o filme propõe mais um olhar
cuidadoso sobre os androides. Ao se recusar a vender um BB-8 que sequer lhe
pertencia, Rey mostra real compaixão com esse grupo cuja caracterização sempre
foi muito polêmica na saga. Os androides de Star
Wars são inteligências artificiais que sempre mostraram emoção, medo,
humor, alegria e tristeza, mas são frequentemente tratados como objetos. Ao
reconhecer e respeitar
a individualidade de BB-8, Rey não apenas fala em favor dos androides, mas fala
também sobre si, aquela que é incapaz de vender uma máquina para garantir
alguns meses de comida num deserto inóspito.
Da mesma forma, Finn se recusa a participar de um massacre em
sua primeira missão. Inicialmente, ele parece querer fugir apenas para salvar a
si mesmo, mas ao conhecer pessoas fora das correntes da Primeira Ordem como
Rey, Poe e Solo, ele cria laços emocionais fortíssimos com eles. Muito se falou
sobre a posição na friendzone de Finn em relação a Rey, e há até quem, não
satisfeito com a representatividade já promovida no filme, apostasse num
relacionamento entre Finn e Poe no filme seguinte. Mas não precisava ser
necessariamente assim. Mais do que interessado em Rey, Finn parece realmente
gostar das pessoas, sejam elas quem forem. A emoção genuína de Finn ao ver Poe vivo
e a determinação total em resgatar Rey dizem muito sobre o imenso coração do
personagem.
De certa forma, polêmico também é o novo vilão Kylo Ren. Apresentado
como poderosíssimo logo de início (até para tiro de blaster no ar!), o
personagem parece que vai progressivamente perdendo sua imponência ameaçadora
ao ser lentamente dissecado diante do público. Talvez esse seja o maior toque
de brilhantismo do filme: Kylo Ren, anteriormente Ben Solo, é um vilão em
construção. Ele não foi treinado por um sith. Em vez de controlar seu medo e
sua raiva e usá-los a seu favor, Kylo Ren deixa o medo dominá-lo e tem acessos
violentos de raiva. Sente a “tentação da luz” (outro toque de gênio) e tem na memória do
avô sua grande força e inspiração para continuar no caminho da escuridão. Os
momentos de confronto entre ele e Rey são os principais motores de críticas em
relação à fraqueza do vilão e a um certo excesso de autodidatismo da heroína.
Tolice imaginar que a extrema habilidade de Rey com mecânica e pilotagem é
excessiva para alguém sem treinamento (o Episódio I tivemos Anakin com 8 anos pilotando pod e
fabricando androide, e no IV Luke, sem nenhum treinamento, acertou a olho nu um alvo considerado impossível "até para um computador"). E sua habilidade com o sabre que
nunca havia empunhado vem diretamente de sua habilidade já mostrada com o
cajado. Mas daí a derrotar Kylo Ren... Mas então lembramos que ele havia sido
alvejado por Chewbacca (e dava socos no próprio ferimento para tentar tirar força da dor) e também podemos supor que, desde que Rey revidou seu
ataque mental, Kylo Ren não só estava inseguro na luta como tinha certo medo
dela. Rey usando telecinese para chamar o sabre pode realmente ter sido um
pouco excessivo,
mas a cena valeu a pena. Como foi apresentado, Kylo Ren tinha grandes chances de
usar tudo que lhe aconteceu e tudo que passou para voltar no episódio seguinte como o grande vilão que todos esperavam.
As acusações de que o filme é fac símile do Episódio IV não
são sem fundamento. A missão de BB-8 (e que personagem maravilhoso é esse
robozinho!) é a mesma de R2-D2. Perseguição e correria num planeta desértico,
com fuga na Falcon e Han Solo assumindo posição de mentor a la Obi Wan. E tome
referências, das mais óbvias às mais sutis. E não é só isso, tem muito mais.
Mas tudo parece sempre cair na esfera do “filme-homenagem”, uma vez que os
personagens novos são excelentes, os antigos fazem participações ótimas e
(rufem os tambores e segurem as lágrimas) tem EXCELENTES diálogos! Sim, ele
está de volta! Lawrence Kasdan, o roteirista que tornou o Episódio V o mais
amado de todos veio garantir momentos inesquecíveis com diálogos carregados de
humor e drama. O maior problema, e o que acaba cansando a paciência de quem não
foi esperando um remake, é a Starkiller, o “planeta da morte”, que replica a
arma do Império já mostrada em dois episódios. E a forma de destruí-la continua
a mesma. É pedir demais do mais benevolente dos fãs...
E é hora de falarmos de JJ. Sem conhecer bem Star Trek, ele assumiu os dois primeiros
longas do semi-reboot da série clássica. Sem ter visto nenhuma das cinco séries
de TV, JJ era fã de apenas um dos dez filmes para cinema, e sobre ele construiu
toda a estrutura de seus dois filmes, exagerando ao máximo no segundo, beirando
até um certo ridículo. Porém, conhecendo e amando Star Wars, esperava-se um resultado bem mais satisfatório. E, de
certa forma, foi o que aconteceu. Abrahams rodou em película 35mm, construiu a
maior quantidade de cenários possível e todas as criaturas que não precisavam
ser em computação gráfica foram criadas para serem filmadas em cena, junto aos
atores. Ele procurou uma espécie de magia do realismo que se via na trilogia
original, na mesma vertente do mais recente Mad
Max onde Miller filmou tudo que pode ao vivo, limitando a computação
gráfica ao rigorosamente necessário.
Nessa antítese da estética da trilogia prequel, onde praticamente não existiam cenas que não tivessem fundo verde, O Despertar da Força ganha em deslumbramento visual resgatando os filmes mais antigos. E a volta de John Williams, aos 83 anos, cristaliza em definitivo (como se precisasse) absoluta essencialidade da música e do som de Williams para a estética de Star Wars. Mas a overdose de similaridades com o Episódio IV acaba lembrando o que Abrahams fez com Star Trek: Além da Escuridão ao evocar A Ira de Khan em constrangedores e pouco inteligentes excessos. Felizmente, não chega a esse ponto em Despertar da Força, mas nem por isso é desculpável. Outras duas grandes decepções são o Líder Supremo Snoke, que, àquela altura, mais parecia um vilão genérico de alguma imitação barata de Star Wars, e a Capitã Phasma, sobre a qual houve grande alarde na promoção do filme, mas que não faz absolutamente nada.
Nessa antítese da estética da trilogia prequel, onde praticamente não existiam cenas que não tivessem fundo verde, O Despertar da Força ganha em deslumbramento visual resgatando os filmes mais antigos. E a volta de John Williams, aos 83 anos, cristaliza em definitivo (como se precisasse) absoluta essencialidade da música e do som de Williams para a estética de Star Wars. Mas a overdose de similaridades com o Episódio IV acaba lembrando o que Abrahams fez com Star Trek: Além da Escuridão ao evocar A Ira de Khan em constrangedores e pouco inteligentes excessos. Felizmente, não chega a esse ponto em Despertar da Força, mas nem por isso é desculpável. Outras duas grandes decepções são o Líder Supremo Snoke, que, àquela altura, mais parecia um vilão genérico de alguma imitação barata de Star Wars, e a Capitã Phasma, sobre a qual houve grande alarde na promoção do filme, mas que não faz absolutamente nada.
O que realmente redime Abrahams e todos os envolvidos neste
Episódio VII é que a sensação final é de que o fã está diante de um sonho
realizado. O Despertar da Força é
construído de tal forma que é capaz de deslumbrar tanto os fãs mais “idosos”
que viram os primeiros filmes no cinema,
quanto a nova geração, que vai crescer com Rey e Fin como referências de
heróis numa indústria de entretenimento que é ainda esmagadoramente branca e
masculina. Abrahams e Kasdan entendem que Star Wars não é ficção científica. É
fantasia no espaço, é Senhor dos Anéis com tecnologia. Fantasia é o elemento
principal e é isso que é explorado e celebrado, além de nos brindar com
excelentes personagens que tem momentos de emoção reais e críveis, algo raro
nos filmes anteriores (mas que o Episódio V tinha de sobra). Enquanto Leia,
horas após a tragédia, mal parecia lembrar de ter visto seu planeta explodir
diante de seus olhos no Episódio IV, a morte de Han Solo é profundamente
sentida e expressada por todos, assim como a agonia constante de Kylo Ren e o
belíssimo encontro de Rey com Luke, onde ela mal consegue conter a emoção ao
estender-lhe o sabre. Ao respeitar e celebrar a emoção dos personagens, O Despertar da Força respeita e celebra as
nossas. Nós que tanto amamos Star Wars,
com todos os seus terríveis defeitos e suas deslumbrantes qualidades.
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