Por Ricky Nobre
ATENÇÃO: OS TEXTOS DESTA SÉRIE SOBRE STAR WARS CONTÉM SPOILERS!!!
Nem sempre é fácil amar Star Wars. Sempre foi assim. As
pessoas esquecem, mas o Episódio V não foi, de início, a unanimidade que é
hoje. Parte da crítica não recebeu bem e parte do público não gostou do tom
sombrio, da rápida resolução do triângulo Luke-Leia-Han (sim, havia shippers pros
dois lados) e a paternidade de Luke foi considerada desde uma mentira do
personagem até uma apelação do roteiro. O Episódio I teve recepção bem mista.
As crianças amaram, a crítica elogiou muito dentro do hype cool da volta de
Star Wars e a maioria dos fãs antigos odiou. E, sendo realista, qualquer
episódio da saga já sofreu críticas dos mais variados teores. E ainda que a
internet já existisse por ocasião dos prequels e tenha sido uma arena de muita
discussão sobre Star Wars, a saga não havia enfrentado um inimigo tão
implacável como os que emergiram nos últimos dez anos: as redes sociais.
O Episódio VIII não poderia ter exposto de forma mais
precisa a forma como a Disney conduziu o planejamento e a produção da franquia
Star Wars sob sua tutela. Mas é necessário contextualizar. Na pós produção de
Rogue One, outra pessoa foi chamada para reescrever parte do roteiro e refilmar
40% do filme pois o resultado não estava satisfatório. Perto do fim das
filmagens de Solo, os diretores foram demitidos e outro foi contratado para
refilmar 80% do filme seguindo o roteiro previamente aprovado. Três meses antes
do lançamento do Ep VIII, Colin Trevorrow, que escreveu uma versão do roteiro
do Ep IX e dirigiria o filme, foi demitido por “diferenças criativas” pois sua
visão não estava de acordo com a dos produtores. Então, não se enganem: tudo
que está em Os Últimos Jedi, todas as cenas polêmicas, tudo o que os fãs odiaram e
que se apresentaram como um problema para JJ Abrahams resolver no EP IX, tudo
isso não é fruto de falta de gestão da Lucasfilm. Eles realmente acharam que
tudo ali eram boas ideias.
Na melhor (ou pior, sei lá...) das hipóteses, é um
planejamento ruim, onde se pede para artistas completamente diferentes contribuírem
com ideias sem que haja uma história central bem básica já preparada. Quando Lucas
terceirizou os roteiros dos Ep V e VI, ele tinha uma sinopse extensa e sólida
para cada filme, cabendo aos roteiristas desenvolver as cenas, os diálogos e
estruturar o roteiro. Mas a base estava ali. Sim, ele não tinha tudo na cabeça
desde o início. Foi escrevendo o V que ele decidiu que Vader era Anakin. Foi
escrevendo o VI que ele decidiu que “o outro Skywalker” era Leia. Mas era a
história dele. O problema da Lucasfilm da Disney é planejamento. Eles acreditam
que têm um plano, mas o plano deles é não ter plano. E o plano parece ser na
base do “faz aí e depois a gente diz se gostou”. Com apenas dois anos entre
cada filme da trilogia, e mais um spin off entre cada episódio, não parece ser
uma tática muito segura.
E por que estou falando tudo isso? Porque Episódio VIII está
sendo considerado o mais divisivo de todos. Existem os fãs que fazem defesas
verdadeiramente apaixonadas de Os Últimos Jedi. Mas temos que reconhecer que
aqueles que detestam este filme o fazem com uma dedicação jamais vista e são
incontáveis os canais no Youtube que foram criados com o único objetivo de
odiar o filme, seu diretor e roteirista e, muito especificamente, sua produtora
Kathleen Kennedy e a própria Disney. Tentar falar deste filme como se isso não
estivesse acontecendo (sim, o filme já tem dois anos, mas todo dia é um vídeo
novo de alguém odiando a fase Disney de Star Wars) é tapar o sol com a peneira.
Se aqui apresento a MINHA visão do filme, não tem como, ao menos em parte,
fazê-lo à luz de seus aspectos mais polêmicos.
Então, vamos lá. O Episódio VIII é um filme muito divertido,
belissimamente filmado e, destacadamente, um dos mais emocionais da saga. Tudo
o que acontece é sentido pelos personagens e a interação e os laços entre eles
são fortes. A luta de sabres no salão de Snooke é sem dúvida a mais brutal e
insana da saga, onde o predomínio do vermelho rima com a ação nas areias
salinas na batalha de Crait. A breve aparição de Yoda (novamente como marionete!)
é aquela mais pura sabedoria que vimos principalmente no Ep V. Kylo Ren
continua um personagem fascinante e, provavelmente, o mais bem desenvolvido
desta trilogia até agora. E tem a subversão de expectativas... Ah, há tanto a
falar sobre isso!
Rian Johnson parece ter escrito este episódio, com total
anuência da Lucasfilm, como uma reação à principal crítica dirigida ao Episódio
VII: o quanto ele era derivativo do IV e, de certa forma, mais do mesmo. Desta forma,
Johnson se sentiu livre para fazer tudo o que NÃO se esperava. Lá pela metade
do filme, Luke diz textualmente a Rey: “Isso não vai acontecer da forma que
você pensa”. Era o próprio Johnson falando. O sucesso dessa abordagem é
altamente debatível.
Primeiramente, Luke. A forma como Luke é introduzido é
provavelmente a mais representativa do principal problema do Episódio VIII. O encontro
ente ele e Rey na última cena do Ep VII teve enorme poder emocional não apenas
no público mas nos próprios personagens. Rey mal conseguia conter as lágrimas
ao estender o sabre de luz. Neste filme, em sua primeira cena, Luke arremessa o
sabre sobre os ombros. Ele poderia ter devolvido a Rey. Poderia ter jogado no
chão com uma expressão grave. Mas ele joga sobre os ombros como uma piada, um
deboche. Uma clara indicação do quanto aquilo não significa nada para ele. E quando
ele debocha do sabre e de Rey, debocha dos fãs. E essa abordagem se repete em
vários momentos.
Com a intenção de subverter expectativas, o roteiro, na
verdade, desfila uma longa lista de coisas que para o público eram importantes,
uma vez que o filme anterior e a própria mitologia da saga assim as construíram
e, simplesmente, as nega. Quem afinal era Snooke e como ele ergueu a Primeira
Ordem? Não é importante, mata o vilão antes de explicar qualquer coisa. Como Maz
conseguiu o sabre de Anakin e porque ele chamou Rey? Qual a conexão entre eles?
Não é importante, destrói o sabre. E uma que enfureceu muita gente: após toda a
expectativa construída sobre a origem de Rey e a identidade dos seus pais...
Não, isso não é importante. Ela é filha de bêbados. E a partir disso, começo a
traçar minhas impressões sobre o que eu não acho tão ruim ou que é realmente
bom dentre tudo que foi criticado.
Rey não ter nenhuma descendência especial me parece muito
bem vindo e vai contra o clichê do “escolhido” ou de alguém especial pela
linhagem. Rey estar se construindo como heroína e futura jedi vinda do NADA me
parece um arco muito mais interessante. Meu único problema com isso é que o
filme anterior pareceu construir essa questão com uma ideia em mente, de ela
ser alguém específico. A forma com Kylo e Maz perguntam “quem é a garota?” dá a
impressão de que eles acham que possa ser alguém em particular. Mas enfim...
depois de todo o falatório isso tem grandes possibilidades de ser mudado no
próximo e último episódio.
Quanto a Luke, é sabido que o próprio ator Mark Hammil odiou
o que foi feito com o personagem. É perfeitamente compreensível. Talvez, na
ânsia de ser “afrontoso” e “inesperado”, Johnson não tenha sido cuidadoso com
roteiro e direção ao estabelecer que, sim, Luke Skywalker, mesmo sendo um jedi
experiente, poderia perfeitamente cometer um erro gravíssimo e simplesmente não
conseguir lidar com ele. Pode ser difícil de imaginar o Luke que obstinadamente
tentou tirar o pai da escuridão tenha pensado, por um segundo que fosse, que
matar o sobrinho fosse a melhor saída. Mas, por vários segundos, um Luke desesperado
tentou (e quase consegui) matar o pai quando este lhe mostrou a presa fácil que
sua irmã, sem preparação nem treinamento, seria para o lado negro. Não é nada
estranho que Luke acredite que os jedi são uma ordem falida que precisa acabar.
Foi a arrogância e os sucessivos erros dos jedi que permitiram que Palpatine
triunfasse. Talvez o que mais pese contra Luke no Episódio VIII seja nossa
plausível expectativa de um velho jedi mais sábio e sem a auto estima tão
esmagada. Yoda é quem vem, em mais uma bela lição, lembrar o grande professor
que é o fracasso. “Nós somos o que eles se tornam. Este é grande fardo do
mestre”. Obi-Wan passou pela mesma coisa. E se ele se isolou depois disso, foi
por razões políticas, não pessoais.
E falando em fracasso... nada dá certo para ninguém no
Episódio VIII. E precisamos falar do personagem de Poe, pois ele difere
imensamente do apresentado no filme anterior. Aqui, ele é arrogante,
prepotente, indisciplinado e inconsequente. Sua insistência em derrubar o encouraçado
ainda que ao custo de TODOS os bombardeiros da Resistência (não vou entrar no
mérito de que as bombas “caem” no espaço, Star Wars é fantasia...) chega a ser
inacreditável para quem tinha uma impressão totalmente diferente dele. Mas é
fato que isso acontece. Muitas vezes precisamos de tempo para realmente
conhecer uma pessoa e não é absurdo que Poe seja tudo que vimos do Ep VII e
também o que vimos neste. Quanto ao motim contra a Almirante Hondo, já temos aí
uma das mais graves falhas de roteiro deste episódio. Em absolutamente momento
algum o silêncio de Hondo quanto ao plano de evacuação é justificado. Nada, absolutamente
nada justifica isso. Para manter a trama que levou ao motim liderado por Poe,
era essencial que Hondo tivesse um motivo real para seu silêncio. A consequência
dessa confusão é que a Resistência é dizimada, o que parece ter sido feito
também mais para chocar e surpreender sem pensar se sobraria alguém para o
próximo filme.
Passando para Finn e Rose, a trama paralela de Canto Bight não
merece ser tão odiada quanto é, ainda que não contribua com a trama principal
pelo tanto que dura. Sua função, além de apresentar aos heróis um hacker que
NÃO é o que eles queriam, é servir como comentário político e ampliar a visão
do panorama social que envolve o conflito entre a Primeira Ordem e a
Resistência. Ao mostrar uma elite econômica que explora a população e os
animais e lucra vendendo armas para os dois lados da guerra, o filme nos remete
à trilogia prequel, que tornou a política algo intrínseco a Star Wars. Talvez a
diferença seja que naquela trilogia toda exposição e comentário político construía
e explicava a trama. Aqui, parece solto, sem consequência. Se tem alguma
utilidade, é mostrar um povo oprimido pela Ordem, além dos próprios membros da
Resistência. Mas Finn e Rose também falham, graças à traição de DJ. Muito se
criticou que tudo isso não levou a nada, mas a verdade é que a vida também é
assim. Às vezes você faz o melhor que pode e a recompensa não vem. O fracasso é
o grande tema deste episódio e do quanto é necessário insistir em seguir adiante.
Finn e Rose também protagonizam uma das cenas mais
equivocadas do filme. Disposto a destruir a arma que possibilitaria a invasão
da antiga base rebelde, Finn decide se sacrificar direcionando seu veículo
contra a arma. Johnson erra tragicamente ao compor uma cena altamente
emocional, onde o espectador, ao mesmo tempo que lamenta a morte eminente do
herói, aceita o belo e honrado fim... porque a cena é belíssima... E novamente
no fetiche do diretor por quebrar expectativas, Rose evita a manobra de Finn,
quebrando a expectativa que a própria narrativa do filme acabou de criar
segundos antes. A frase supostamente impactante que se segue sobre “venceremos
não matando quem odiamos mas salvando quem amamos” não faz o menor sentido,
pois era exatamente isso que Finn tentava fazer: salvar todos que amava
destruindo a arma inimiga. Um sacrifício tão honrado quanto o de Hondo.
E o que dizer da Capitã Phasma? Uma grande promessa não
cumprida do Ep VII, aqui só serve para, rapidamente, fechar um arco do Finn,
que a derrota. E morre. E pronto. E é isso...
O filme também procura desenvolver os personagens de Rey e
Kylo de forma entrelaçada ao criar uma união mental entre os dois. Luke se
choca ao ver a forma desprendida como Rey atende ao chamado e explora o lado
negro na ilha, mas é justamente a relutância de Luke em treiná-la que torna a
relação com Kylo atraente. Ela se sente só, e Kylo está ali. Aliás, Kylo está
ali com um plano, ainda que a conexão mental tenha sido inesperada para ele. Ele
forja uma conexão, uma simpatia, uma narrativa onde ambos estão sós. Posteriormente,
da mesma forma que Snooke manipulava seu ego, ora humilhando-o, ora pondo fé em
seus atos, Kylo tenta manipular Rey basicamente com dois discursos: em como ela
não era ninguém, era lixo como seus pais, mas não para ele. Para ele, ela é
especial, imprescindível. Outro, é o discurso da subversão. Da mesma forma como
o filme subverte várias tradições de Star Wars, Kylo propõe o fim de tudo: da
Ordem, da Resistência, dos Sith, dos Jedi. “Deixe tudo morrer”. O discurso é de
revolução, mas a proposta é velha, é fascista, é a mesma feita por Palpatine a
Anakin, depois por Anakin a Padme e novamente por Vader a Luke: junte-se a mim
e juntos governaremos a galáxia. É a mesma proposta de poder onde aquele que
propõe terá fatalmente supremacia sobre o outro. Aqui, Johnson parece sugerir
que a proposta de subversão e destruição do “antigo” do próprio filme não é
real, mas superficial. Uma proposta de vilão. Mas ainda que Rey guardasse por
Kylo a mesma esperança de redenção que Luke guardava pelo pai, ela sabia que
aquele não era o caminho. Ainda que a morte de Snooke tenha sido prematura, ela
serviu de estopim para a sedimentação de ambos os personagens: o vilão Kylo Ren
e a heroína Rey.
E esse texto despropositadamente longo, totalmente fora do
padrão das minhas análises anteriores, é reflexo da impossibilidade de analisar
o Episódio VIII como se eu morasse numa ilha, isolado da histeria digital que
se formou em torno deste filme, o que tornou boa parte do texto numa espécie de
resposta às principais críticas feitas ao episódio. Mas não podemos nos iludir
de que isso não passa de simples críticas a um filme problemático. Muito do
ódio que Star Wars vem recebendo é por supostas tentativas de Disney de “lacrar”
adicionando uma “agenda progressista” à franquia. O problema de Canto Bight não
é a sequência supostamente atrapalhar o ritmo do filme, mas sim pelo seu teor
político, algo que não teria lugar em Star Wars (esse povo viu os prequels?). O
problema do motim de Poe não é porque o roteiro falhou completamente em
convencer que o silencio de Hondo era necessário, mas porque o roteiro quis
colocar uma oficial feminazi humilhando o pobre herói branco e hétero... E a personagem
Rose foi tão odiada que a própria atriz fechou sua conta no Twitter, tamanho o
assédio online que sofreu. E esse ódio é intenso e não dá pra assistir um
punhado de vídeos sobre Star Wars no Youtube sem que o site te sugira
incontáveis vídeos com esse teor. Tem até um incrivelmente intitulado “Como a
justiça social destruiu Star Wars”. Não está fácil viver nessa década.
O Episódio VIII é um ótimo filme, mas que contém alguns
erros graves, alguns que comprometem o filme em si, outros que comprometem a
coesão da história desta última trilogia. Jamais teria acontecido se a
Lucasfilm tivesse posto um (ou dois) escritores que ficassem responsáveis pela
trama completa da trilogia, em vez de entregar toda a estrutura de um episódio
a alguém que não teve participação alguma na criação do anterior e que
desrespeitou, com certa indisfarçável alegria, o que foi feito antes. E só
posso concluir dizendo que o tão odiado voo espacial de Leia (que foi apelidada
de Leia Poppins) é uma cena linda que me fez chorar no cinema e eu amo toda vez
que vejo. Pronto, falei.
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