sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Contagem progressiva para Star Wars. Episódio de hoje: UMA NOVA ESPERANÇA

por Ricky Nobre

 

 ATENÇÃO: OS TEXTOS DESTA SÉRIE SOBRE STAR WARS CONTÉM SPOILERS!!!

Não há outra forma de dizer isso, além de bem direta: Star Wars é um verdadeiro clássico do cinema. Assim como os contemporâneos e amigos pessoais de Lucas criaram na década de 70 clássicos inquestionáveis, como Spielberg com Tubarão, De Palma com Carrie, Scorcese com Taxi Driver e Coppola com O Poderoso Chefão, ele criou Star Wars ou, como os brasileiros acima dos 40 conhecem, Guerra nas Estrelas. Se hoje ele não é percebido desta forma, a culpa é do próprio criador. Ao alterar sistematicamente o filme desde 1997, com mudanças menores em 2004 e 2011 (da mesma forma com os dois filmes seguintes), George Lucas, em sua busca por diminuir o abismo técnico e estético com a trilogia prequel, foi descaracterizando seu trabalho, tola e inutilmente tentando esconder que se tratava de um filme produzido em 1977, descontextualizando-o do momento histórico altamente relevante pelo qual Hollywood passava naquela década.




O desejo de Lucas de tornar a saga uma experiência capaz de ser apreciada como uma história única, do episódio I ao VI, não apenas o levou a intermináveis alterações, mas modificou também a percepção do público. Espremido entre os excelentes episódios III e V, Uma Nova Esperança (como foi rebatizado em 1981) tem seu frescor e extraordinária originalidade diminuídos e ofuscados. E era isso que Guerra nas Estrelas era originalmente: um filme maravilhosamente simples, divertido e, pela forma como reciclou tudo que veio antes dele, novo!



Desde fins da década de 60, a cultura ocidental foi bombardeada por uma enorme descrença nos governos, desesperança no futuro e cinismo diante da realidade. O cinema e as artes em geral refletiam isso. O simplismo maniqueísta bem x mal já não convencia ninguém. Os finais felizes não apenas deixaram de ser uma regra como passaram soar como uma mentira. Filmes como Chinatown, Um Dia de Cão, Perdidos na Noite, Rede de Intrigas, Operação França e tantos outros pareciam sepultar o verniz otimista e moralista da Hollywood clássica.


Então, dois anos após o fim da guerra do Vietnã, fato que mudou radicalmente a percepção dos americanos em relação ao seu governo, aparece um conto simples sobre um rapaz fazendeiro, uma princesa guerreira, um contrabandista, um velho meio eremita meio mago e um vilão oculto numa armadura sinistra que ocuparam um lugar muito especial no imaginário do público. Um filme escapista de aventura e fantasia, com o bem e o mal muito bem definidos e inquestionavelmente separados. Um filme com forte apelo infantil, porém realizado com excelência tal que seria capaz de conquistar adultos sem esforço. E em vez de ser rechaçado por um público já entregue à desesperança e ao cinismo, foi calorosamente abraçado, como que libertando a todos de uma asfixia.


Não vamos entrar no mérito das dificuldades absurdas enfrentadas por Lucas na produção do filme. Basta dizer que, analisando todas as histórias escabrosas da produção, podemos dizer, sem nenhum medo de errar, que foi um absoluto milagre o filme ter ficado pronto. E mais miraculoso foi ter alçado o primeiro lugar em bilheteria mundialmente.


   
"E para de andar com seus amigos rebeldes maconheiros! Já pro seu quarto!"

Como todos sabem, esta pequena fatia da grande história de Star Wars foi escolhida para ser filmada primeiro pois Lucas acreditava que era a que melhor se adaptava para funcionar como um filme único. Ele sabia o que estava fazendo. Apesar de ter esse ambicioso plano de múltiplos filmes, ele procurou cativar o público com uma história mais simples, direta que pudesse começar e terminar de forma independente. Lucas sempre soube ganhar dinheiro.



Porém, uma vez que estamos nessa série de postagens analisando a saga em ordem cronológica da história, como de fato é este Episódio IV e como ele se conecta com os anteriores? Sendo honesto, muito bem em alguns momentos, muito mal em outros.



O grande problema deste filme assistido à luz da trilogia prequel é que o encanto de sua ingenuidade original, responsável por seu enorme carisma, se apaga, ofuscado pelo intenso drama do Episódio III e pela prévia perda de inocência do público, pois ele já sabe que bem e mal ali não são uma certeza definida, um estado permanente, inerente. Ver Darth Vader e saber que ali está Anakin Skywalker dá ao público de hoje uma dimensão talvez até mais condizente com o espírito dos anos 70, mas que o filme original, em seu estado puro, venceu e conquistou. De certa forma compreende-se perfeitamente os que preferem a trilogia original ser assistida antes dos prequels. Num macrocosmo, a escuridão da nova trilogia (primordialmente, o Episódio III), obscurece a inocência do Episodio IV. Em microcosmo, a analogia é perfeita: tecnicamente, por mais que Lucas futuque obsessivamente a trilogia original e este filme em particular, o abismo técnico e estético é incontornável. Simplesmente aceitá-lo, por mais doloroso que possa ser para o criador, causaria menos danos. Ao afogar Mos Esley com figuras CGI, inclusive em tolas situações cômicas, torna os efeitos especiais e criaturas originais ainda mais datadas do que já são, tirando até um pouco da dimensão da absoluta maravilha que é o design deste filme e do testemunho histórico daqueles que foram, disparados, sem concorrência, os melhores efeitos especiais já vistos até aquele momento. Múltiplos são os depoimentos do impacto dos primeiros segundos de filme, com o destroyer imperial passando lentamente pela tela. Ninguém jamais havia visto nada parecido. Por outro lado, mais recentemente, com a produção dos filmes intermediários, a percepção se altera novamente. A simples cena final de Rogue One, onde Leia recebe os planos roubados e diz que ali está a esperança, acende uma luz sobre o Episódio IV, como quem diz que está na hora da luz voltar não só àquela galáxia, mas à própria franquia.


Exatamente da mesma forma, a história sofre. Apesar de ter a história na cabeça em linhas gerais, Lucas não pensou em tudo previamente. E ao escrever os prequels, não se importou com inconsistências. Ver Obi-Wan sem reconhecer R2D2 é absolutamente incompreensível para um espectador novo (o que só reforça o erro que foi insistir em pôr os androides nos prequels). Vader fica numa posição estranha, não parece ser "O" homem de confiança do imperador, mas um capanga de luxo (Leia chega a comentar sobre Tarkin "segurar a coleira de Vader"). Por outro lado, a super clássica fala "acho sua falta de fé perturbadora" e sua respectiva cena, cresce enormemente ao sabermos estar ali Anakin, inabalável em suas convicções, alertando a todos o quanto a arrogância tecnológica é "insignificante diante do poder da Força". Definitivamente, é a cena que mais se beneficia com os prequels.



Incontornável também é a tão esperada revanche entre Vader e Obi-Wan. A luta dos dois foi exatamente o que poderia ser em 1977, com um ator sexagenário e um fisiculturista numa armadura, sem nenhuma das facilidades atuais de CGI, que fizeram atores bem mais velhos tornarem-se mestres espadachins nos filmes mais recentes. Embora perfeitamente satisfatória para a época, a luta entre os dois torna-se um constrangedor anti clímax. Quem acabou de ver no filme anterior uma batalha épica, que parecia travada no próprio inferno, pode ter uma imensa decepção ao ver a revanche os antigos amigos. E isso não é culpa de ninguém. É simplesmente o que é. Entretanto, chama a atenção Obi-Wan chamando Vader de “Darth”, como se fosse um primeiro nome e não um título de um lorde Sith. Deixa claro que era uma parte da história que Lucas ainda não havia pensado.


Com tudo isso, podemos compreender também aqueles que preferem ver apenas a trilogia original, e sem nenhuma das alterações posteriores, algo que Lucas tenta evitar a todo custo. Em 2006 a trilogia original inalterada foi lançada finalmente em DVD, porem a partir de uma master feita em 1993, com qualidade técnica sofrível. Hoje já está fora de catalogo, mas dá pra achar nos torrents da vida, assim como as "edições desespecializadas" em que fãs reconstruíram as versões originais em excelente qualidade, num esforço hercúleo.



Star Wars chegou aos cinemas exatamente no momento certo para ser avidamente absorvida pela cultura pop, tornando-se mesmo uma parte essencial dela. É inquestionavelmente um trabalho muito pessoal de Lucas. Ali, ele forjou o mais perfeito amálgama de todas as suas influências como artista: os filmes de Kurozawa, os seriados de Flash Gordon e Buck Rogers, westerns, filmes sobre a segunda guerra mundial, e uma fascinação obsessiva pela obra de Joseph Campbell. E da mesma forma em que ele pegou toda essa cultura pré-existente e transformou em algo totalmente novo e original, John Williams fez exatamente o mesmo ao tomar o romantismo do século XIX, o estilo clássico dos compositores de Hollywood, morto e enterrado nos anos 70, e promover um renascimento das grandes trilhas sonoras sinfônicas, porém imprimindo-lhes modernidade. Esse foi o nível de compreensão de Williams sobre o que Lucas estava tentando fazer com Star Wars. Não é a toa que, na batalha sangrenta que foi cada fase da produção do filme, a música foi a único setor que não apenas não apresentou problemas e atingiu suas expectativas, como as superou.


  

Em ultima análise, com ou sem prequels, com ou sem novas cenas e efeitos CGI, com ou sem contexto histórico, o que permanece no episódio IV? Permanece uma história heroica, simples, engraçada, divertida, com visuais que impressionam quase 40 anos depois, música espetacular, elenco perfeitamente escalado, um vilão histórico e, como não podia faltar, alguns diálogos bem estranhos (como os atores viviam dizendo no set, “quem é que fala desse jeito?”).

E antes que se esqueça,



HAN SHOT FIRST!!!

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