Por Ricky Nobre
A DC continua sua lenta tentativa em solidificar seu
universo cinematográfico após o fracasso da “fase Snyder”. É curioso que foi
uma fase muito rentável financeiramente (até em Esquadrão Suicida, seu pior
filme). Mas bastou a recepção fria de Liga da Justiça e o estrondoso sucesso de
Mulher Maravilha para a Warner virar suas velas completamente para outra
direção e com muito mais cautela. Aquaman foi o único filme do DCEU em 2018. Agora
estreia SHAZAM!, o único de 2019, uma vez que o outro lançamento deste ano,
Coringa, é uma história avulsa, não inserida no universo dos demais filmes.
Em SHAZAM!, a DC atinge o ápice de um caminho iniciado por
Mulher Maravilha, que negava o tom ranzinza e pseudo sombrio dos filmes
anteriores, seguido pelo fracassado remendo em Liga da Justiça e, recentemente,
no excelente Aquaman. Alguns fãs mais irritados acusam a “marvelização” da DC,
com filmes mais leves e bem humorados (e, segundo eles, mais tolos). Esses fãs
não devem fazer juízo diferente de SHAZAM! A Warner, junto ao diretor David F.
Sandberg, decidiu por uma comédia familiar, indo, na verdade, mais além do que
qualquer filme da Marvel tenha ido neste aspecto. SHAZAM! é declarada e
despudoradamente um filme para crianças.
Uma história de origem razoavelmente fiel à versão da fase
Novos 52, SHAZAM! mostra o órfão Billy Batson recebendo os poderes mágicos do
mago Shazam após uma longa procura por um candidato com o coração puro. O problema
é que... esse candidato não é o Billy. Tanto tempo levou a busca que um antigo
candidato rejeitado na infância, Dr. Silvana, consegue invadir o reino de
Shazam e incorporar os demônios dos sete pecados capitais. O mago não tem outra
escolha a não ser pegar quem estava a mão. Assim, Billy e seu irmão de adoção Freddy
se esbaldam testando os poderes de herói e fazendo muita besteira como crianças
que são. Mas, em algum momento, o perigo real chegará, e Billy pode não estar
preparado.
Um dos trunfos de SHAZAM! é seu elenco, começando pela
perfeição de Zachary Levi como o herói que, em momento algum, tem um nome
definitivo (as incontáveis e péssimas sugestões de nomes são uma piada com o
fato de não poderem usar o nome original do personagem que é, pra quem não
sabe, Capitão Marvel). Levi tem uma verdadeira inocência no olhar até quando
faz as escolhas erradas, que são muitas.
Em algo que parece uma falha, mas é bastante pertinente,
vemos que o Billy de Asher Angel parece bem mais maduro do que o herói de Levi.
E isso tem muito a ver com a essência do personagem. Um menino sofrido, pulando
de lar aditivo em lar adotivo, numa obsessiva e fracassada busca pela mãe
biológica, Billy fantasia, como qualquer criança, com uma vida adulta onde todos os
seus problemas acabariam. Na vida real, ele se fecha com as pancadas da vida.
Com o corpo e poderes de herói adulto, ele deixa seu entusiasmo de criança
totalmente à solta. Mas essa “vida adulta” nunca é como as crianças sonham, e
esse crescimento também trará seus próprios desafios. Não é à toa que Dr.
Silvana deseja este mesmo poder, frustrado que é com sua infância massacrada
pela rejeição paterna, um sentimento de abandono não muito diferente do de
Billy.
Todo esse subtexto percorre sutil e silencioso, pois o tom
do filme é de absoluta farra! A aventura vai além da dupla central de garotos
quando todos os seus irmãos adotivos são ameaçados por Silvana, formando uma
trupe de garotos que lembra muito os sucessos oitentistas. E aí está um grande
feito de SHAZAM! Enquanto diversos filmes recentes tentaram reviver os filmes
desta época, frequentemente lançando mão de clichês estereotipados e equivocados,
SHAZAM! traz, sem alarde nem pretensão, o verdadeiro espírito dos filmes infanto-juvenis
dos anos 80. O traje do herói, absolutamente fiel aos quadrinhos, é um reflexo
desta inocência juvenil que o filme celebra. Se este espetáculo para crianças
tem algum desvio, ele vem das experiências anteriores de Sandberg com o cinema
de terror. A cena do Dr. Silvana e seus demônios na empresa do pai pode fazer
muita criancinha sair correndo e chorando do cinema.
Alguns fãs mais antigos do personagem podem se incomodar
muito com sua transformação em personagem cômico, o que é compreensível. Porém,
a DC apostou numa reinterpretação coesa do personagem. Ao ser fiel às origens,
o filme escolhe usar o humor para lidar com a imensa ingenuidade do material,
que jamais funcionaria hoje da mesma forma que funcionou na década de 40. A inteligência
e sensibilidade da direção evita o “efeito ragnarok”, pois momentos tensos do
vilão, o drama do abandono de Billy e a galhofa do herói testando seus poderes
são perfeitamente equilibrados. Até as características um tanto genéricas do
Dr. Silvana acabam sendo desculpadas graças à perfeita administração deste tom
juvenil do filme. Ano passado, Aquaman foi uma aventura de ficção científica e,
agora, SHAZAM! é uma comédia familiar. Com o esperado The Batman, devemos ter
um thriller noir de detetive. Parece que a DC pode mesmo ter achado seu
caminho, o de dar o tom e a abordagem que cada personagem necessita. Só o tempo
dirá. Mas é promissor.
COTAÇÃO:
SHAZAM!
(2019)
Com: Zachary
Levi, Djimon Hounsou, Mark Strong, Jack Dylan Grazer e Asher Angel.
Direção: David
F. Sandberg
Roteiro: Henry
Gayden
Fotografia:
Maxime Alexandre
Montagem: Michel
Aller
Música: Benjamin
Wallfisch
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