quinta-feira, 4 de abril de 2019

SHAZAM! Um filme sobre e para a família.


Por Ricky Nobre



A DC continua sua lenta tentativa em solidificar seu universo cinematográfico após o fracasso da “fase Snyder”. É curioso que foi uma fase muito rentável financeiramente (até em Esquadrão Suicida, seu pior filme). Mas bastou a recepção fria de Liga da Justiça e o estrondoso sucesso de Mulher Maravilha para a Warner virar suas velas completamente para outra direção e com muito mais cautela. Aquaman foi o único filme do DCEU em 2018. Agora estreia SHAZAM!, o único de 2019, uma vez que o outro lançamento deste ano, Coringa, é uma história avulsa, não inserida no universo dos demais filmes. 

 

Em SHAZAM!, a DC atinge o ápice de um caminho iniciado por Mulher Maravilha, que negava o tom ranzinza e pseudo sombrio dos filmes anteriores, seguido pelo fracassado remendo em Liga da Justiça e, recentemente, no excelente Aquaman. Alguns fãs mais irritados acusam a “marvelização” da DC, com filmes mais leves e bem humorados (e, segundo eles, mais tolos). Esses fãs não devem fazer juízo diferente de SHAZAM! A Warner, junto ao diretor David F. Sandberg, decidiu por uma comédia familiar, indo, na verdade, mais além do que qualquer filme da Marvel tenha ido neste aspecto. SHAZAM! é declarada e despudoradamente um filme para crianças.

 

Uma história de origem razoavelmente fiel à versão da fase Novos 52, SHAZAM! mostra o órfão Billy Batson recebendo os poderes mágicos do mago Shazam após uma longa procura por um candidato com o coração puro. O problema é que... esse candidato não é o Billy. Tanto tempo levou a busca que um antigo candidato rejeitado na infância, Dr. Silvana, consegue invadir o reino de Shazam e incorporar os demônios dos sete pecados capitais. O mago não tem outra escolha a não ser pegar quem estava a mão. Assim, Billy e seu irmão de adoção Freddy se esbaldam testando os poderes de herói e fazendo muita besteira como crianças que são. Mas, em algum momento, o perigo real chegará, e Billy pode não estar preparado.

 

Um dos trunfos de SHAZAM! é seu elenco, começando pela perfeição de Zachary Levi como o herói que, em momento algum, tem um nome definitivo (as incontáveis e péssimas sugestões de nomes são uma piada com o fato de não poderem usar o nome original do personagem que é, pra quem não sabe, Capitão Marvel). Levi tem uma verdadeira inocência no olhar até quando faz as escolhas erradas, que são muitas. 

 

Em algo que parece uma falha, mas é bastante pertinente, vemos que o Billy de Asher Angel parece bem mais maduro do que o herói de Levi. E isso tem muito a ver com a essência do personagem. Um menino sofrido, pulando de lar aditivo em lar adotivo, numa obsessiva e fracassada busca pela mãe biológica, Billy fantasia, como qualquer criança, com uma vida adulta onde todos os seus problemas acabariam. Na vida real, ele se fecha com as pancadas da vida. Com o corpo e poderes de herói adulto, ele deixa seu entusiasmo de criança totalmente à solta. Mas essa “vida adulta” nunca é como as crianças sonham, e esse crescimento também trará seus próprios desafios. Não é à toa que Dr. Silvana deseja este mesmo poder, frustrado que é com sua infância massacrada pela rejeição paterna, um sentimento de abandono não muito diferente do de Billy.


Todo esse subtexto percorre sutil e silencioso, pois o tom do filme é de absoluta farra! A aventura vai além da dupla central de garotos quando todos os seus irmãos adotivos são ameaçados por Silvana, formando uma trupe de garotos que lembra muito os sucessos oitentistas. E aí está um grande feito de SHAZAM! Enquanto diversos filmes recentes tentaram reviver os filmes desta época, frequentemente lançando mão de clichês estereotipados e equivocados, SHAZAM! traz, sem alarde nem pretensão, o verdadeiro espírito dos filmes infanto-juvenis dos anos 80. O traje do herói, absolutamente fiel aos quadrinhos, é um reflexo desta inocência juvenil que o filme celebra. Se este espetáculo para crianças tem algum desvio, ele vem das experiências anteriores de Sandberg com o cinema de terror. A cena do Dr. Silvana e seus demônios na empresa do pai pode fazer muita criancinha sair correndo e chorando do cinema. 

 

Alguns fãs mais antigos do personagem podem se incomodar muito com sua transformação em personagem cômico, o que é compreensível. Porém, a DC apostou numa reinterpretação coesa do personagem. Ao ser fiel às origens, o filme escolhe usar o humor para lidar com a imensa ingenuidade do material, que jamais funcionaria hoje da mesma forma que funcionou na década de 40. A inteligência e sensibilidade da direção evita o “efeito ragnarok”, pois momentos tensos do vilão, o drama do abandono de Billy e a galhofa do herói testando seus poderes são perfeitamente equilibrados. Até as características um tanto genéricas do Dr. Silvana acabam sendo desculpadas graças à perfeita administração deste tom juvenil do filme. Ano passado, Aquaman foi uma aventura de ficção científica e, agora, SHAZAM! é uma comédia familiar. Com o esperado The Batman, devemos ter um thriller noir de detetive. Parece que a DC pode mesmo ter achado seu caminho, o de dar o tom e a abordagem que cada personagem necessita. Só o tempo dirá. Mas é promissor.

 

COTAÇÃO: 

SHAZAM! (2019)

Com: Zachary Levi, Djimon Hounsou, Mark Strong, Jack Dylan Grazer e Asher Angel.

Direção: David F. Sandberg         

Roteiro: Henry Gayden

Fotografia: Maxime Alexandre

Montagem: Michel Aller

Música: Benjamin Wallfisch

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