A Warner/DC segue vivendo um filme de cada vez. Após a
experiência em universo compartilhado de qualidade duvidosa, com fãs e haters,
que culminou no desastre financeiro de Liga da Justiça, o estúdio continuou
fazendo filmes dentro do universo, porém sem uma ligação forte entre eles. O
resultado foram filmes como Aquaman e Shazam que agradaram bastante e o sucesso
mastodôntico de Coringa, história alternativa fora do DCEU. No desenvolve-cancela
sem fim de diversos projetos da DC, surgiu este Aves de Rapina, que
inicialmente seria uma junção de dois projetos cancelados: Aves de Rapina e Coringa
& Arlequina. Com o monstro bizarro que foi Esquadrão Suicida, um enorme sucesso
de bilheteria que ninguém gosta, nessa ânsia em produzir qualquer conteúdo que
envolvesse a Arlequina de Margot Robbie, a única unanimidade positiva de
Esquadrão, era muito possível que a DC metesse os pés pelas mãos.
Mas, filme a filme, a Warner vai aprendendo a contratar os
profissionais certos para cada projeto. Dirigido por Cathy Yan, escrito por Christina
Hodson e produzido pela própria Margot Robbie, o filme cujo título se
traduziria mais adequadamente como “Aves de Rapina e A Fantabulosa Emancipação
da Tal Arlequina” é uma grande surpresa que desenvolve e explora o tom exato de
narrativa, estética e personagens. Sim, ele é, antes de tudo, um filme da
Arlequina, e isso se estabelece com o fato de que é ela que narra toda a
história e também, de certa forma, a quem quase todos os demais personagens
perseguem. Junto com a narração da protagonista, temos uma estrutura de
flashbacks aparentemente caótica, mas que, na verdade, é muito bem explicada e
não deixa o espectador se perder em momento algum e dá uma dinâmica incrível à
história, o que lembra muito o cinema de Guy Ritchie (quando ele fazia filme
bom, lembram?).
Yan mantém uma dinâmica de jogo de gato e rato, onde sempre
alguém persegue alguém, com lutas constantes e muito bem coreografadas. A forma
como Arlequina narra a história tem um tom de cartum e é muito curioso como o
filme mantém uma leveza juvenil (no melhor dos sentidos) enquanto tem toneladas
de palavrões e um tanto mais de violência, embora essa não seja tão constante e
sangrenta quanto em Deadpool, por exemplo. O resultado é empolgante, hilário e
divertidíssimo.
Quanto às demais personagens, as Aves de Rapina, elas até
que tem boa presença na história, ainda que não sejam protagonistas do filme
leva seu nome. A Canário Negro talvez seja a melhor das “aves”, ainda que não
haja nenhum flashback para sua história pessoal, ela é bem desenvolvida a
partir de suas ações na história, de tudo que ela é obrigada a fingir que não
vê e do ponto onde ela decide não ser mais complacente. O Máscara Negra de
McGregor é exatamente o que o filme precisava e o ator consegue o equilíbrio
exato de psicopatia perturbadora e vilania camp.
Nem tudo é perfeito, porém. Apesar de, no filme em si, a
personagem de Cassandra Cain ser ótima, ela não tem rigorosamente NADA a ver
com a Cassandra das HQs, uma assassina atlética que acabou se tornando Batgirl
depois de Barbara Gordon. Lembra muito a Moira McTarget dos prequels de X-Men,
onde transformaram uma geneticista em agente da CIA, sem nenhum traço de
personalidade da original. Outra questão é a Caçadora, que começa muito bem
inserida na narrativa, porém acaba com muito pouco tempo de tela e com um humor
associado a ela que não combina muito bem com a personagem, sendo, talvez, a
maior decepção, pois o potencial era excelente.
Como não podia deixar de ser, o filme tem uma temática
feminina forte e em diversos momentos vemos como as personagens são vítimas de
machismo, sendo assédio, violência, possessividade, apagamento ou desvantagem
profissional. Alguns podem achar exagerado e simplista a forma como o terceiro ato
mostra todas as heroínas mulheres contra todos os vilões homens da luta final,
mas talvez essa seja a forma da diretora Yan, da roteirista Hodson e da
produtora Robbie dizerem que é assim que a maioria das mulheres se sentem a
maior parte do tempo.
É sempre problemático quando um vilão é protagonista, pois é
uma corda-bamba onde a vilania do personagem é sempre suavizada para se adequar
à esperada simpatia do público. O roteiro lida com isso com esperteza ao, em
momentos chave, nos lembrar que Arlequina não é heroína e faz escolhas
duvidosas. E se isso funciona à perfeição, é graças também e principalmente à gigante
que é Margot Robbie. Não é surpresa que a Warner queira espremer a personagem
em qualquer lugar que conseguir, à exemplo de Wolverine na franquia mutante da
Fox e Tony Stark no MCU. Em breve, teremos o soft reboot do Esquadrão nas mãos
de James Gunn e boatos dão conta de que, caso Aves de Rapina tenha sucesso,
duas sequências já estão em desenvolvimento: Sereias de Gotham e Aves de Rapina
vs Sereias de Gotham. E se a palhaça maluquinha parece ser a nova mina de ouro
da DC, é pertinente a comparação com Wolverine e Stark: os três tem atores
absolutamente perfeitos para os personagens.
Sendo um filme de quadrinhos R-rated (classificação 17 anos)
o estúdio segurou um pouco o orçamento, mas mesmo assim aumentou dos 75 milhões
inicias para 97 milhões. E mesmo que filmes com essa classificação etária não
rendam tanto nas bilheterias, o recente Coringa provou que eles podem passar de
um bilhão de arrecadação. Não seria surpresa se Aves de Rapina repetisse a
façanha e a DC volte a acertar como vem acertando recentemente. Um filme de
cada vez.
COTAÇÃO:
AVES DE RAPINA: ARLEQUINA E SUA EMANCIPAÇÃO FANTABULOSA [Birds of Prey (and the Fantabulous Emancipation of One Harley Quinn), 2020]
Com: Margot
Robbie, Mary Elizabeth Winstead, Jurnee Smollett-Bell, Rosie Perez, Chris
Messina, Ella Jay Basco, Ali Wong e Ewan McGregor
Direção: Cathy
Yan
Roteiro: Christina
Hodson
Fotografia:
Matthew Libatique
Montagem: Jay Cassidy e Evan Schiff
Música: Daniel Pemberton
Um comentário:
porra esse filme e demais muito louco
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