domingo, 2 de fevereiro de 2020

Os filmes do Oscar: JOJO RABBIT (6 indicações)


Por Ricky Nobre


Ainda não sabemos como historiadores, jornalistas e a população em geral irá se lembrar deste período atual daqui a 30 ou 40 anos, mas podemos agora dizer que estamos em um momento muito delicado com uma crescente simpatia mundial por ideais fascistas. Já a algum tempo, também temos discussões cada vez mais intensas sobre os limites do humor e do quanto certos tipos de humor ofensivo devem ou não ser evitados. Neste contexto, o cineasta neozelandês Taika Waititi realizou aquele tipo de filme capaz de destruir carreiras. Não pelo que o filme é, mas pela forma como poderia ser percebido.

 

O jovem alemão Jojo (Roman Griffin Davis), de 10 anos, faz parte de Juventude Hitlerista durante a 2ª Guerra. Ele é tão obcecado pelo Terceiro Reich que seu amigo imaginário é o próprio Adolph Hitler (Taika Waititi). Sua mãe (Scarlett Johansson), uma mulher alegre e vibrante, tenta lidar com o fanatismo do filho e com a ausência do marido, que Jojo sabe que está no front. O mundo do menino estremece quando encontra Elsa (Thomasin McKenzie), uma menina judia escondida em seu porão. Mesmo odiando judeus, Jojo não a denuncia, por medo de que o governo julgasse que ele e a mãe a estavam escondendo. A relação entre os dois trará grandes conflitos internos ao menino.

 

Waititi sempre teve seu humor peculiar. Aqui, ele não se furta a momentos que muitos possam achar desconfortáveis, como lançar mão de humor com crianças se ferindo seriamente, ou sobre a alegria com que nazistas realizam tarefas corriqueiras, como ensinar a crianças que judeus são demônios e queimar livros. Hitler como amigo imaginário e coach motivacional de Jojo é o tipo de brilhantismo que pode escapar a quem tem restrições em como lidar com sua figura histórica e com o nazismo em si. O Hitler afetado e pateta não é tanto uma crítica ao homem em si (embora também seja) quanto é a interpretação que uma criança tem do “mito”, dentro de sua lógica infantil e de sua necessidade de criar um substituto para sua figura paterna. 

 

Em sua forma, o que mais chama a atenção é a imensa semelhança com a linguagem e a estética de Wes Anderson. Muito além de uma simples bizarrice, foi uma escolha consciente que compõe a sátira que Waititi constrói, por mais incomum que seja um cineasta utilizar da iconografia de um contemporâneo seu como elemento básico de seu filme, ainda que se trate de uma sátira. É muito curioso notar que, enquanto vários críticos julgaram que ele passou dos limites, muitos fãs do cineasta acharam que ele se conteve de seu humor habitual mais escrachado e iconoclasta. Com uma visão específica do que queria, Waititi não joga piadas fora. Elas sempre são uma peça de sátira ao fascismo em suas diferentes faces e expressões. Ele também não se furta a surpreender o público já relaxado com o humor do filme e, sem aviso, acertar o espectador na cara com momentos trágicos, não nos deixando esquecer da natureza sombria do alvo de sua sátira.

 

Nada disso funcionaria tão bem sem o excelente elenco. Apesar do personagem de Sam Rockell carecer de melhor desenvolvimento e Rebel Wilson ser só uma figurante de luxo, quarteto principal é excelente, principalmente o jovem Davis, capaz de muita solidez tanto da comédia quanto no drama. Destaque também para o (segundo) melhor amigo Yorki (Archie Yates), engraçado e fofo, um nazistinha que vai conquistar muitos corações. 

 

Waititi estava perfeitamente ciente do vespeiro em que se metia. Ele chegou a declarar que o motivo pelo qual ele próprio interpretou essa versão cômica de Hitler foi porque sabia que seria impossível encontrar um ator que aceitasse fazê-lo. E, embora parte de crítica, principalmente a americana, tenha criticado pesadamente o filme, alguns até classificando-o de antissemita, o sucesso junto à maioria dos críticos, ao público e em mostras e festivais provou que o roteirista e diretor sabia o que estava fazendo.

 


COTAÇÃO: 
INDICAÇÕES AO OSCAR:

Melhor filme

Atriz coadjuvante: Scarlett Johansson

Roteiro adaptado: Taika Waititi

Montagem: Tom Eagles

Figurino: Mayes C. Rubeo

Direção de arte: Ra Vincent e Lee Sandales



JOJO RABBIT (2019)

Com: Roman Griffin Davis, Taika Waititi, Scarlett Johansson, Thomasin McKenzie, Sam Rockwel, Rebel Wilson e Archie Yates.

Direção e roteiro: Taika Waititi

Fotografia: Mihai Malaimare Jr.

Montagem: Tom Eagles

Música: Michael Giacchino


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