sábado, 8 de fevereiro de 2020

Os filmes do Oscar: PARASITA (6 indicações)


Por Ricky Nobre 



O TEXTO PODE CONTER SPOILERS LEVES

Em nosso vídeo do Chá das 5, aqui no Alcateia, quando falávamos sobre nossos filmes preferidos de 2019, comentei rapidamente sobre algo que me chamou a atenção. Três filmes, de origens e estilos totalmente diferentes, lidavam com basicamente o mesmo tema: o abandono das classes pobres e marginalizadas em geral. Desta forma, o norte-americano Coringa, o sul-coreano Parasita e o brasileiro Bacurau formariam uma acidental e inesperada “trilogia do abandono”. Mas o que levaria artistas de países de realidades socioeconômicas tão diversas a sentirem a urgência em tratar dos mesmos temas? No apagar das luzes da segunda década do século XXI, a desigualdade social e o abandono dos marginalizados se mostram, de fato, um fenômeno global, seja na mais poderosa nação do planeta, numa das economias mais prósperas do mundo, ou em um dos maiores e mais culturalmente ricos países da América Latina. 

 

Assim como Coringa se concentra no indivíduo e Bacurau na comunidade, Parasita se concentra na família. Apesar de serem três filmes inteligentes e ricos, Parasita se mostra o de leitura mais complexa e multifacetada. É tão repleto de simbologias que o próprio diretor e roteirista Bong Joon Ho brinca com isso ao mostrar o jovem Ki-woo repetindo em várias ocasiões: “Nossa, isso é tão metafórico!”. Apenas a escolha do título já é objeto de horas de discussão sobre quem é o parasita na história: a família Kim, empobrecida, que vai se inserindo na casa da família Park, utilizando-se de métodos que são, no mínimo, antiéticos ou, até mesmo, criminosos? Seria Geun-se, escondido nas profundezas, invisibilizado ao extremo e vivendo dos restos? Seria a família Park, rica, concentradora de riqueza, que vive numa bolha e percebe pobres pelo cheiro? Seria, então, uma cadeia parasitária, onde cada grupo a exerce como forma de sobrevivência e/ou dominação?

 

A identidade cinematográfica de Parasita não é estranha para quem está mais familiarizado com o cinema sul-coreano, onde a mistura/fusão/desconstrução de gêneros não é incomum. Aqui, sua primeira metade é, primordialmente, uma comédia, onde o talento trambiqueiro da família Kim diverte o público quanto mais elaborados são os esquemas para inserir cada membro da família na folha de pagamento dos Park. De uma hora para outra, numa descida tensa, vertiginosa e sinistra aos subterrâneos, acompanhada por uma orquestra atonal e assustadora, nos deparamos com um suspense e, mais adiante, desastres naturais trazem drama e tragédia para, próximo à conclusão, sermos surpreendidos com elementos de terror, fechando o filme com desesperança e melancolia.

 

A movimentação vertical dos personagens traz a óbvia metáfora da pirâmide de classes, com os Park no topo, ricos e plenos, os Kim em sua residência que é metade abaixo e metade acima do solo (mas com o vaso sanitário ao nível da rua, sugerindo que eles vivem abaixo do esgoto, como ficará claro mais adiante) e Geun-se exilado no subsolo, na extrema pobreza. Bong Joon Ho admitiu sua inspiração nos dramas ingleses onde, nas grandes mansões, as longas escadarias separavam os donos ricos da criadagem. 

 

O filme evita como se fosse uma praga o simplismo maniqueísta dos pobres bons e ricos maus. Na maior parte do tempo, vemos a família Kim atacando, em benefício próprio direto ou por medo, pessoas de posição socioeconômica semelhante ou inferior a deles, enquanto os Park ignoram a todos, enxergando apenas a utilidade imediata que os trabalhadores podem ter a eles, se tanto. O desfecho trágico, onde o patriarca dos Kim atinge o limite suportável de humilhação, sugere que até aquele momento eles estavam escolhendo os inimigos errados em nome da sobrevivência. As duas famílias mais pobres saem devastadas, enquanto a rica sai com alguns arranhões. A luta de classes, foco central do filme, é fruto da desigualdade, e comportamentos violentos e criminosos dos oprimidos, ainda que não desculpáveis, são vistos como frutos dessa desigualdade, da invisibilização e do abandono. 

 

O final é de uma melancolia devastadora, onde, mesmo com a conclusão do pai de que o melhor plano é não ter plano, pois o acaso e sua condição social não permitem tal luxo, o jovem Ki-woo ainda planeja ascensão social, dentro da moral e da legalidade, para poder devolver alguma felicidade e união à família. Da forma como foi construído, é um final dúbio para alguns, mas bastante direto e claro para outros. 

 

Parasita tem um elenco perfeito, montagem primorosa e é bem escrito a tal nível que ainda que todas essas simbologias e metáforas escapem completamente ao espectador, ele ainda tem uma história hilária, empolgante, trágica e horripilante para se deslumbrar. Uma obra verdadeiramente provocadora e brilhante que arrebata admiradores das mais variadas nações e culturas, da mesma forma que Coringa se tornou o filme baseado em quadrinhos mais lucrativo da história e Bacurau um dos filmes brasileiros de maior repercussão no mundo recentemente. A desigualdade e o abandono crescem desenfreadamente mundo afora. E as pessoas estão começando a se dar conta. E numa constatação inegável e assustadora, percebemos que, nos três filmes, a consequência direta da desigualdade é a violência.

 

 
COTAÇÃO:


 
INDICAÇÕES AO OSCAR
Melhor filme
Melhor filme estrangeiro
Diretor: Bong Joon Ho   
Roteiro original: Bong Joon Ho e Jin Won Han
Direção de arte: Ha-jun Lee e Won-woo Cho
Montagem: Jinmo Yang

PARASITA (Gisaengchung, 2019)
Com: Kang-ho Song, Sun-kyun Lee, Yeo-jeong Jo, Woo-sik Choi, So-dam Park, Jeong-eun Lee, Hye-jin Jang, Ji-so  Jung e Myeong-hoon Park.
Direção: Bong Joon Ho
Roteiro original: Bong Joon Ho e Jin Won Han
Fotografia: Kyung-pyo Hong
Montagem: Jinmo Yang
Música: Jaeil Jung
Direção de arte: Ha-jun Lee e Won-woo Cho

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