domingo, 26 de fevereiro de 2023

Os filmes do Oscar: BABILÔNIA – 3 indicações

Por Ricky Nobre

Ah, os loucos anos 20... Um período de prosperidade econômica do pós guerra, uma explosão de criatividade cultural, charleston, jazz, melindrosas e algumas barreiras começando a serem quebradas no início da liberação feminina; grandes invenções da virada do século estavam mais acessíveis e populares, como as gravações musicais, automóvel, telefone... e o cinema. Após Whiplash e La-La-Land, Damien Chazelle traz Babilônia como uma homenagem à Hollywood da época, que já era uma indústria milionária, enfatizando a “vida loca” e o impacto tsunâmico da chegada do som no cinema.

 

Para dar conta da grandiosidade do período, Chazelle apostou em uma escala épica. Das festas dionisíacas às superproduções, é tudo imenso, insano e caótico. Caos, inclusive, que se entranha e confunde com a própria narrativa. Com uma câmera tão frenética quanto a montagem, há uma overdose de virtuosismo técnico que pode ser percebido como uma distração desnecessária, ou mesmo um entrave à apresentação daquele universo, mas que é, no fundo, a forma concebida pela direção de materializar aquele momento no tempo, mostrando o cinema, as estrelas e a máquina da indústria como forças impossíveis de serem detidas. Porém, filmar o caos sem tornar o filme caótico é uma corda bamba na qual Chazelle se equilibra como um elefante numa festa. Ao mostrar as entranhas abertas da Hollywood de quase 100 anos atrás, o filme esconde o glamour, que era (e foi por muitas décadas) a cara da indústria, que ele, aparentemente, considera algo dado, conhecido e sem nada a acrescentar. A beleza glamorosa das estrelas não lhe interessa: ele quer as tripas.

 

Os três protagonistas de Babilônia nos conduzem a essas entranhas de Hollywood. A novata Nellie (baseada em Clara Bow, a primeira it girl), o astro Jack (baseado em John Gilbert) e Manny, jovem imigrante que começa de baixo e se torna um grande nome dos bastidores, trazem o público para dentro de toda essa loucura que está prestes a colapsar. Sem dúvida, os melhores momentos de Babilônia são os que reproduzem os ambientes de filmagem, que acontecem em duas cenas chave. Primeiramente, num set de filmes mudos, onde incontáveis filmes são filmados ao mesmo tempo (já que não há captação de som), cenários de interiores são abertos e aproveitam a luz do sol. Cada set é um mundo diferente, com sua própria história, gritaria, emoções e incêndios. Talvez a verdadeira Babilônia do filme esteja ali, onde em cada cenário se falar uma língua, se conta uma história diferente. Ainda que esteja imersa nessa estética frenética de Chazelle, esta sequência reproduz com muita precisão como era a máquina de fazer filmes em 1926. 

 

Na outra cena, temos um set em 1928, que é onde tudo muda. No cinema sonoro, tudo o que todos sabiam, diretores, produtores e, principalmente, atores, não vale mais nada. Chazelle consegue imprimir a mesma intensidade de caos do que na cena das filmagens mudas, porém, naquelas é um caos festivo, criativo e delirante. Na filmagem sonora é um caos de desespero, e todos os envolvidos sabem que vão precisar se adaptar rápido aos novos tempos, e quem não conseguir, está fora. E é na segunda metade do filme que tudo, de repente, estanca. Chazelle força um pouco a barra histórica e junta a nova ordem trazida pelo cinema sonoro com a necessidade de uma imagem pública mais comedida, conservadora e pudica de suas estrelas e da indústria em si (ainda que só aparente) com a chegada do Código Hays, que procurava moralizar o conteúdo “pervertido” dos filmes. Ele faz com que esses dois fenômenos pareçam um só e simultâneos, quando, de fato, foram separados por alguns anos. As tragédias que se seguem vêm justamente da inabilidade dos personagens em se adaptarem aos novos tempos, e até quem se adapta acaba não resistindo, puxados pelo turbilhão dos que caíram. 

 

Chazelle, ainda que orquestrasse toda essa ópera caótica, não meteu completamente o pé nessa jaca que ele mesmo cultivou. Se o filme é muito virtuoso em filmar suas metáforas escatológicas, sempre óbvias no melhor estilo do Triângulo da Tristeza, o mesmo não se pode dizer dos excessos sexuais que ocorrem nas festas de arromba do filme, principalmente na primeira. Se jatos de vômito e diarreias paquidérmicas são sempre muito bem enquadrados, as cenas de nudez e de atos sexuais passam muito rapidamente nos cantos da tela, enquanto a câmera frenética de Chazelle percorre todo o ambiente, ávida por enquadrar tudo ao mesmo tempo. Fosse o diretor tão detalhista com os arroubos sexuais das festas quanto foi com as escatologias, teria terminado com um filme NC-17 nas mãos, inviabilizando sua distribuição, pois essa é a realidade da Hollywood atual. Numa metalinguagem acidental, Chezele é tão refém das regras da indústria quanto seus personagens. 

 

A parte final acaba por ruir quando Chazelle opta por ir contra o próprio ritmo e abordagem que estabeleceu para a segunda parte e, em vez da loucura e caos das festas e do ritmo das produções, tira da cartola um submundo bizarro que parece alienígena ao mundo do filme, e parece mais um artifício meio sem pé nem cabeça para que determinados personagens tenham determinado destino, tirando, naqueles momentos finais, o foco da indústria hollywoodiana como uma máquina de moer sua própria gente, que é sempre descartável e substituível, trocando essa indústria por mafiosos aleatórios.

 

Ainda que mantenha alguns momentos bastante dramáticos, o tom básico de todo o filme é a comédia, pois esta parece ter sido a forma do diretor achou para tornar o público mais receptivo a todo o seu espetáculo bizarro, ou então para tornar tudo ainda mais estranho, apesar desta tendência recente de tudo virar comédia já estar um tanto desgastada. O que sempre salva o filme de si mesmo, até nos momentos mais fracos, é o excelente elenco, principalmente Margot Robbie, que cada vez mais se firma como a maior estrela de cinema deste século, com um talento dramático e cômico e uma presença de tela extraordinários. 

 

Por fim, a intenção de Chazelle de fazer uma grande homenagem apaixonada ao cinema e uma denúncia das práticas da indústria parece ter ficado soterrada numa orgia de caos. Seus momentos finais, numa montagem que foi alvo de muitas críticas, o filme evoca diversas produções que, como O Cantor de Jazz, marcaram momentos no cinema em que grandes mudanças aconteceram, sugerindo que, não importa o que aconteça, o cinema sempre resiste. Muda, se transforma, mas sobrevive. Porém, nenhuma dessas mudanças foi uma demanda tão urgente e avassaladora quanto o surgimento do som que, num prazo de 3 anos, tornou todo um modo de produção em completamente obsoleto. E estes momentos finais, com o personagem com os olhos brilhando diante de uma tela, evoca cenas finais semelhantes em A Rosa Púrpura do Cairo e Cinema Paradiso, que fizeram mais com muito menos. E isso acaba resumindo toda a experiência de Babilônia. Poderia ter sido muito mais com muito menos.

 

COTAÇÃO: 


 

INDICAÇÕES AO OSCAR:

Música original: Justin Hurwitz

Design de produção: Florencia Martin e Anthony Carlino

Figurino: Mary Zophres

 

BABILÔNIA (Babylon, EUA – 2022)

Com: Diego Calva, Margot Robbie, Brad Pitt, Li Jun Li, Jovan Adepo, Eric Roberts, Olivia Wilde, Olivia Hamilton, Katherine Waterston e Tobey Maguire

Direção e roteiro: Damien Chazelle

Fotografia: Linus Sandgren

Montagem: Tom Cross

Música: Justin Hurwitz

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