domingo, 19 de fevereiro de 2023

Os filmes do Oscar: BARDO: FALSA CRÔNICA DE ALGUMAS VERDADES – 1 indicação

Por Ricky Nobre

O cinema de Iñárritu é um cinema pesado. O mais sombrio dos Los Tres Amigos (ele e seus compatriotas mexicanos Del Toro e Cuarón), Iñárritu sempre testou em sua filmografia os limites suportáveis do drama. Seus personagens sofrem (e muito) física, emocional ou socialmente. Sua opção pelo mais sombrio da alma humana torna-se óbvia quando vemos, por exemplo, em O Regresso a jornada do protagonista ser de vingança, quando a figura histórica que inspirou o filme, na verdade, perdoou seu traidor. Em Bardo, Iñárritu volta-se para si mesmo, e ainda acumula as funções de diretor, produtor, montador, roteirista e compositor.

 

O diretor cria o jornalista e documentarista Silverio como seu alter ego. Numa jornada surrealista, o filme parece falar sobre a História do México, sua política e cultura, quando tudo, de fato, gira em torno do protagonista, ou seja, é a relação dele com esses aspectos do México que estão em pauta. Bardo vai construindo sua estrutura narrativa sem muita preparação para o espectador. As situações surreais possuem uma curiosa lógica de sonho, que podem ser extravagantes, como um bebê voltar ao ventre da mãe, ou sutis, como não conseguir encontrar alguém dentro de casa que estava com você segundos antes. A linguagem surreal em si não se apresenta exatamente como um problema. É, de fato, uma proposta interessante e exala até mesmo uma certa simpatia (algo totalmente inesperado vindo do normalmente áspero diretor), pois trata de alguns temas pelos quais o público é empático com facilidade, como Silverio pequeno em frente ao pai, ou os problemas de aceitação da perda de um filho.

O principal problema de Bardo é que Iñárritu o realizou como uma sessão de análise de si mesmo, porém não num estágio avançado, mas inicial. As questões que o assombram e, consequentemente, a seu personagem, como as relações familiares, seu afastamento total do México, seja por morar em Los Angeles, seja por nunca mais ter filmado lá de novo, a dor da perda do filho, a mistura de orgulho e vergonha em receber homenagens, parecem questões ainda mal resolvidas para ele. Até mesmo sua relação com o México é estranha, pois assim como ele se mostra consciente de que trabalha no país que depredou sua terra natal, suas opiniões sobre o México têm um amargor um tanto estranho. E se são de fato mal resolvidas, ele não parece se dar conta disso, o que fica evidente por um tom de egotrip, cuja intensidade varia de acordo com a cena. O filme é mais do que autocentrado, o que não seria exatamente ruim, mas autoindulgente, o que enfraquece o que parece ser o principal motor do protagonista, que é a culpa por ter se afastado, tanto do México, quanto da família. Quando, em determinado ponto, um personagem critica o último filme do protagonista, que tem, essencialmente, as mesmas características do próprio Bardo que estamos assistindo, e Silverio defende seu filme com veemência, fica inegável o quanto Iñárritu está imerso em si.

 

A fotografia, que rendeu a Bardo sua única indicação ao Oscar, toda feita com grande-angular, parece querer se referir aos documentários de Silverio, com tudo focalizado, com profundidade de campo total, mas que contribui muito para exacerbar esse distanciamento emocional com os personagens, que é quebrado raramente, como em pontos já citados. Por outro lado, as distorções nas laterais acentuam o clima surreal de todo o filme. Se Bardo, em sua maior parte, não possui o clima opressivo (e depressivo) do restante de sua filmografia, é porque Iñárritu reservou essa visão sombria para um aspecto mais sutil, já ao fim do filme. Em uma revelação que explica toda a lógica surreal do filme (não que precisasse explicar, mas até que funciona) Iñárritu parece perceber e se entregar ao fato de que ainda não consegue lidar com nada do expôs de si e sua vida. Bardo marca sua volta após o maior hiato que já teve entre projetos, sete anos após lançar O Regresso. Em Bardo, sugere que precisa sumir, se refugiar e processar tudo do seu próprio jeito. Ele diz que volta, mas vai demorar. Talvez isso sugira um hiato maior por vir. Ou que Bardo é justamente o resultado desse hiato. Bardo se mostra também como uma luta de Iñárritu em se comunicar com o mundo à sua volta, pois existem diversas situações emocionais e simpáticas no filme, mas o protagonista não é assim. É como se ele não se encaixasse em seu próprio delírio. E provavelmente, não teria como ser diferente. De Fellini, só poderia sair . De Spielberg, só poderia sair The Fabelmans. E de Iñárritu, só poderia sair Bardo.

 

 COTAÇÃO:

 

INDICAÇÃO AO OSCAR:

Fotografia: Darius Khondji

 

BARDO, FALSA CRÔNICA DE ALGUMAS VERDADES (Bardo, Falsa Crónica De Unas Cuantas Verdades, México – 2022)

Com: Daniel Giménez Cacho, Griselda Siciliani, Ximena Lamadrid, Íker Sánchez Solano, Luis Couturier e Andrés Almeida.

Direção: Alejandro G. Iñárritu

Roteiro: Alejandro G. Iñárritu e Nicolás Giacobone

Fotografia: Darius Khondji

Montagem: Alejandro G. Iñárritu e Monica Salazar

Música: Bryce Dessner e Alejandro G. Iñárritu     

Design de produção: Eugenio Caballero

 

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