sábado, 25 de fevereiro de 2023

Os filmes do Oscar: A BALEIA – 3 indicações

Por Ricky Nobre

O cinema de Aronofsky é sombrio, intenso e, muitas vezes, esmagador. Essa abordagem já trouxe grandes unanimidades como Réquiem para Um Sonho e Cisne Negro, e também obras polêmicas como Mãe! Seu mais recente filme vem causando bastante alvoroço não apenas por ser a volta triunfal de Brendan Fraser mas também pelas reações sobre como o tema da obesidade foi tratado.

 

Aronofsky parte de uma proposta estética que evidencia e reforça o isolamento do personagem. Tendo origem teatral, a história se passa inteiramente na casa do protagonista que o diretor de fotografia Matthew Libatique, antigo colaborador do diretor, retrata de forma muito sombria, com baixíssima luminosidade e uma paleta intensamente esverdeada, confinada a uma janela 4:3, transformando a casa em uma caixa que aprisiona o personagem. Mas sua real prisão está nele mesmo. Com quase 300 quilos e severos problemas de mobilidade, o professor Charlie jamais sai de casa e dá aulas online. Sua única conexão humana além das aulas é sua melhor amiga Liz, que é enfermeira e cuida dele como consegue. Mas seu estado só piora, e ele se recusa a ir a um hospital. Desta forma, o filme já parte de uma premissa pessimista e fatalista, pois o personagem segue num caminho de autodestruição e decide simplesmente esperar a morte, e todo o filme parece ser uma contagem regressiva. 

 

A fotografia, que pode lembrar um thriller mórbido, se junta à música de Rob Simonsen, marcando a primeira vez em que Aronofsky trabalha com outro compositor além de Clint Mensell, seu colaborador em todos os seus longas anteriores. É uma música que evoca uma atmosfera um tanto etérea em momentos mais calmos, um tanto assustadora em momentos mais tensos e chegando quase ao terror em cenas como a do engasgo. É como se Aronofsky visse o protagonista como que vivendo em seu horror particular e esse horror se tornasse sua identidade e a do próprio filme. 

 

Essa visão de horror acaba se espalhando por todo o canto e contamina até as cenas mais tristes e trágicas. Aronofsky filma os episódios de compulsão alimentar como quem filma o ataque de um monstro e, na prática, é num monstro que ele é transformado. É tal a falta de delicadeza e de tato ao retratar momentos tão dolorosos na vida de quem vive transtornos como a compulsão, a depressão e a ansiedade, que vêm à mente ecos de seu primeiro grande sucesso Réquiem para Um Sonho. Nele, os quatro personagens principais iam progressivamente se afundando cada vez mais em seus vícios, até que, no ápice da narrativa, temos um show de horrores, onde cada um tem o pior e mais violento destino possível, numa apoteose de sensacionalismo moralista de fazer corar um instrutor do Proerd, mas que ressoou muito positivamente com o público. O que parecia um momento isolado no corpo de sua obra, agora volta como um olhar impiedoso aos excessos de Charlie. É como se Aronofsky tivesse uma opinião muito clara do que pessoas que sofrem de qualquer tipo de compulsão merecem.

 

O roteiro, assinado pelo próprio autor da peça original, daria espaço para um olhar mais humanizado e menos sombrio, ainda que trágico e dramático. Ele, porém, tem seus próprios problemas, como a personagem da filha Ellie, que é interessante em sua incontrolável raiva pelo abandono paterno, mas que é escrita de forma caricata, algo que a direção reforça, e que acaba funcionando como mais um instrumento de humilhação do protagonista em vez de ter uma função de antagonismo mais rica. A direção parece não tentar esconder a origem teatral e até mesmo a evidencia, não só na limitação espacial, mas também na dinâmica de entrada e saída de personagens (sendo um bom exemplo as vezes em que Ellie quase sai da casa e para subitamente à porta, num movimento bem marcado). À primeira vista, a escolha fatalista e desesperançada de Charlie parece não ser muito bem embasada pelo texto, pois ela obviamente vai além das preocupações com custos hospitalares. Mas não é muito difícil para o espectador juntar os pedaços, principalmente quando vai se revelando o destino de seu namorado. O que chama a atenção é como uma pessoa que tem sempre um olhar tão generoso para com o outro, a ponto de ver sempre o melhor na filha, não vê sentido em viver nem para poder recuperar o tempo perdido como pai. Aí cabe uma comparação com uma jornada semelhante em outra obra de Aronofsky, O Lutador.

 

O protagonista de O Lutador, assim como Charlie, mantém hábitos que lhe causam severos danos à saúde, notadamente, manter sua profissão violenta já numa idade avançada. E como Charlie, ele tenta recuperar o tempo perdido com a filha, que ele negligenciou quando estava no auge da profissão. Após seu fracasso em restabelecer seus laços com a filha, o lutador acaba escolhendo um caminho de autodestruição. Mas ao fazê-lo, é como se ele escolhesse uma afirmação de sua identidade: ele é um lutador, portanto, luta, e é assim que ele escolhe partir. Charlie é professor de redação, e é justamente como tal que ele tenta desesperadamente, até o último minuto, mais que salvar seu relacionamento com ela, mas salvar a filha dela mesma. É praticamente um ato de heroísmo. O olhar de Aronofsky, contudo, dissolve esse esforço ao tentar extrair o drama a partir de seu ponto de vista que vê seu protagonista de forma sempre monstruosa. O último take parece finalmente humaniza-lo, como se humano antes não fosse. Como diz a grande Lindsey Ellis: “Enquadramento sempre se sobrepõe ao texto. Sempre, sempre, sempre”. 

 

Ilesos de tudo isso saem Fraser e Hong Chau, com interpretações irretocáveis, principalmente Fraser, que encarou o desafio de um fat suit de 170 quilos. Ele tenta ao máximo extrair a emoção genuína, enquanto o diretor só traz desconforto e um olhar focado no grotesco, e a compreensível repulsa que o protagonista sente de si mesmo, a câmera transforma na do próprio filme. Aronofsky fracassa tanto na construção do melodrama que seu ápice, a já citada cena final, acaba sendo o perfeito resumo de tudo que há de errado com o filme.

 

O principal problema que faz com que A Baleia fracasse em sua tentativa de aproximar o público do drama vivido pelo protagonista é o olhar severo e esmagador que Aronofsky imprime. No filme, a personagem da amiga Liz, por medo ou frustração, diz verdades muito duras a Charlie, mas ela o faz porque o ama genuinamente. Já a filha, diz coisas horríveis para o pai porque verdadeiramente o despreza. Aronofsky pensa que ele é a amiga. Mas ele é a filha.

 

COTAÇÃO: 



INDICAÇÕES AO OSCAR:

Ator:  Brendan Fraser

Atriz coadjuvante: Hong Chau

Maquiagem e cabelo: Adrien Morot, Judy Chin e Anne Marie Bradley

 

A BALEIA (The Whale, EUA – 2022)

Com: Brendan Fraser, Sadie Sink, Ty Simpkins, Hong Chau e Samantha Morton

Direção: Darren Aronofsky

Roteiro: Samuel D. Hunter, baseado em sua peça teatral

Fotografia: Matthew Libatique  

Montagem: Andrew Weisblum   

Música: Rob Simonsen

Design de produção: Mark Friedberg e Robert Pyzocha

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