sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Os filmes do Oscar: BLONDE – 1 indicação

Por Ricky Nobre

Um dos principais argumentos quando se fala do quanto Blonde se distancia da biografia comprovada de Marylin Monroe é a de que o filme foi baseado em um livro de ficção. É um argumento justo. Blonde, da escritora Joyce Carol Oates é uma ficcionalização da vida de Marylin, que tem como base diversas especulações e boatos. Mas não é esse exatamente o problema do filme. Recentemente, o cineasta Pablo Larraín trouxe dois filmes nessa mesma linha que foram bastante bons: Jackie (sobre Jaqueline Kennedy) e Spencer (sobre a princesa Diana). O que deu errado então?

Para Jackie e Spencer, Larraín partiu de um recorte temporal específico, um momento crucial na vida de cada uma. Em Blonde, Andrew Dominik tenta abarcar a trajetória de Norma Jeane da infância até a morte, dentro de um formato que não privilegia a continuidade narrativa comum. Isso gera uma fragmentação desta narrativa, gerando saltos temporais que prejudicam o acompanhamento da trajetória da personagem. Mas existe outro problema, muito mais grave. Ao contrário de Larraín com Jackie e Spencer, Dominik odeia sua protagonista. 

 

Dominik disse ter lido tudo que foi escrito sobre Marylin, até escolher adaptar do livro de Oates. A ideia era, de fato, partindo de uma ficcionalização, chegar à essência da vida e da pessoa de Marylin, que teve realmente uma vida repleta de sofrimentos e tragédias. Por outro lado, também declarou jamais ter visto um filme da atriz até aquele momento. Esse desinteresse, se for verdade (ou desdém, se for mentira), passa a se revelar como desprezo ao percebermos que o recorte de Dominik para seu filme sobre a atriz foi pincelar do livro tudo que era tragédia e violência, com raríssimos momentos de luz. 

 

Desta forma, o espectador é bombardeado por sem número de violências, principalmente sexuais. A nudez constante da atriz (que foi muito criticada como exploratória) não parece ser um problema em si. Há uma extensa cena de nudez diante do espelho que é justamente um dos raros momentos luminosos do filme, seguida da que parece ser a única cena de sexo não violenta do filme. O que causa espanto é o olhar pseudo empático, sensacionalista e, por vezes, até sádico sobre os sofrimentos de sua protagonista, sendo as cenas de aborto e a com Kennedy particularmente terríveis. À propósito, a obsessão do roteiro pelos abortos que Marylin nunca fez (além dos dois espontâneos e de uma gravidez extrauterina reais e que a abalaram imensamente) atinge seu ápice numa "conversa" mental que ela tem com seu feto, que evoca a mais barata das propagandas antiaborto, concluindo, próximo ao final, com uma tomada "interna" que é difícil de acreditar.

 

Sob a proposta de uma jornada de pesadelo, propositadamente fragmentada como proposta estilística, Dominik reduz Marylin a uma vítima sem qualquer agência sobre sua vida, sofrendo constantemente, seja nas mãos da mãe, dos homens ou mesmo do acaso (a cena onde ela renegocia seu salário é jogada ali no meio como um contraponto solitário e burocrático). Fosse uma história de uma personagem fictícia, que simbolizaria as violências pelas quais passavam as mulheres em Hollywood, o olhar impiedoso de Dominik já seria algo que beiraria o fetichista. Mas existe um agravante em fazer deste filme uma história sobre Marylin. 

 

É um contrassenso realizar uma obra que pretende se vender como ficcionalização ao invés de biografia, e ao mesmo tempo esmerar-se ao extremo na reprodução de toda a iconografia conhecida de Marylin. Com uma fotografia primorosa, Dominik reproduz em suas cenas trechos de filmes, cinejornais e fotos clássicas de Marylin com absoluta maestria. É um esforço artístico e técnico de altíssimo nível, que se soma à completa entrega de Ana de Armas ao personagem e ao próprio filme. O resultado é praticamente uma viagem no tempo, cujo objetivo parece ser trazer Marylin Monroe diante de nós, ainda que a alternância entre cor e P&B e entre os diversos aspectos de tela pareçam totalmente arbitrários, sem qualquer critério artístico além da superficialidade estética imediata. A má fé em reproduzir à perfeição a iconografia de Marylin e apresentar uma história de ficção que é quase um pornô de sofrimento é flagrante. Até mesmo o trisal formado por ela, Chaplin Jr. e Robinson Jr, que inicialmente é retratando de forma tão sincera, leve e luminosa, dando um real respiro na opressiva trajetória de Marylin até então, termina de forma muito particularmente sombria e cruel (lembrando que toda essa parte é também ficcional). 

 

Mas talvez a ficcionalização e a hiperestilização não deem conta da sensação ruim que Blonde traz. Neste mesmo ano, Baz Luhrmann trouxe Elvis, estilizado ao extremo, com um ator praticamente possuído pelo espírito do personagem, que teve um final trágico após ter seu talento explorado pela indústria e pelo empresário. Histórias e propostas muito semelhantes. A diferença á que Luhrmann claramente AMA seu protagonista. Já Dominik...

 

COTAÇÂO: 


 

INDICAÇÃO AO OSCAR:

Atriz: Ana de Armas

 

BLONDE (EUA, 2022)

Com: Ana de Armas, Julianne Nicholson, Evan Williams, Xavier Samuel, Bobby Cannavale e Adrien Brody

Direção: Andrew Dominik

Roteiro: Andrew Dominik, baseado no livro de Joyce Carol Oates

Fotografia: Chayse Irvin

Montagem: Adam Robinson

Música: Nick Cave e Warren Ellis

Design de produção: Florencia Martin

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