segunda-feira, 8 de agosto de 2011

A Serbian Film OU Muito Barulho por Nada


Por Eddie Van Feu

            Proibido em diversos países, inclusive no Brasil, a Serbian Film tem causado polêmica até em rádio AM, onde uma velha questão é novamente levantada: a arte tem o direito de ser livre? Ou deve haver um limite, mesmo para a arte?
            A curiosidade me pegou e, junto com meu espírito rebelde que não admite uma proibição, decidi ver A Serbian Film e contar pra você um pouco mais sobre ele. Porém, antes disso, deixe-me situar você sobre onde eu estou. Afinal, meu ponto de vista é do lugar onde estou e, sabendo onde estou, você poderá se localizar também, podendo imaginar melhor o cenário que vou lhe descrever.




            Eu gosto de filmes de terror. Sempre gostei, desde que pequenininha. É uma necessidade completamente louca de sentir medo, mas eu também gosto de montanha-russa e brinquedos suicidas em parques de diversão. Parques de diversão são, inclusive, meu lugar favorito, desde que tenham muitos gritos e luzes piscando, como em “Garotos Perdidos”. Porém, eu não sou fã de gore, gênero que acabei de saber que tem um nome e que é voltado para todo tipo de sanguinolência e nojentisses explícitas que pode haver. Não gosto do terror-mata-mata, como Jason e Jogos Mortais, embora seja uma fã de Premonição, pela criatividade com que os roteiristas matam as pessoas. Gosto menos ainda do gore. Mas não chego a correr do gore. Se tiver sangue num filme, vejo sem reclamar. Não tenho restrição ao explícito, especialmente porque o que não vejo me assusta muito mais do que o que está escancarado na minha frente.
            Isso posto, vamos ao ponto.
            Com tudo o que eu ouvi sobre A Serbian Film, admito que fiquei com medo, muito medo. De pura curiosidade, eu já tinha visto neste ano o filme Saló, que assumiu o posto de primeiro lugar na minha lista de piores filmes que já vi na vida. E vi pulando cenas, porque era realmente muito ruim. Então, comecei vendo o filme sérvio com a mão no mouse, pronta pra pular cenas chatas, nojentas ou insuportáveis. Depois dos primeiros dez minutos de filme, minha mão relaxou. Eu relaxei. Recostei e passei a acompanhar a história, ao invés de esperar simplesmente que o filme ficasse ruim.

A história

Milo é um ex ator pornô que começa a ver a sombra da fome se aproximando, conforme o dinheiro que ganhou em seus tempos de glória e guardado numa caixa de fita VHS começa a minguar com as despesas com a família. Ele é um cara comum, com uma esposa linda e um filho fofinho, morando numa casa comum, sem maiores luxos, e tem um irmão que é policial corrupto e tem uma tara pela sua esposa. Ou seja, uma família comum! Um dia, Milo recebe a proposta para fazer um último trabalho por uma quantia indecente de dinheiro. Milo obviamente desconfia que uma quantia indecente envolve, geralmente, uma atividade ainda mais indecente, e em se tratando de pornografia, isso pode ser muito preocupante.
A proposta é fazer um filme cujo roteiro ele não saberia. Tudo aconteceria de acordo com suas reações e as instruções seriam lhe passadas por um ponto. Vuckov, o diretor, lhe parece um artista filósofo meio louco que vê a pornografia como uma forma de passar uma mensagem, mas Milo, como eu e você, acha que Vuckov é só um cara meio perturbado com muito dinheiro no bolso.
            As primeiras cenas são bizarras, mas comuns, exceto pela ferramenta de Milo, que doravante passará a ser chamado a partir de agora por esta narradora de Milo-Kowalsky (é sério! O que era aquilo? Prótese? Efeito especial? Computação gráfica? Se fosse 3D eu ia sair correndo e me escondia tremendo em baixo da minha cama!!!!). Porém, uma adolescente é inserida no contexto, não nas cenas de sexo, mas assistindo, e isso incomoda Milo, que é um cara com princípios e se recusa a prosseguir. Ele se demite e anuncia que está oficialmente se aposentando. Vuckov então lhe mostra uma cena de uma de suas produções (não entendi bem porque ele mostrou isso, se era pra fazer o Milo ver que tem coisa muito pior ou se queria simplesmente ver sua reação).  Nessa produção, um recém-nascido é estuprado logo após o parto. Na versão que eu vi, só se ouve o choro e a gente supõe o que está acontecendo, embora minha mente não consiga pintar a cena de jeito nenhum. Milo acha tudo horrível e por se recusar a bater em mulheres ou transar na frente de adolescentes, larga o trabalho e a bolada. Vuckov (que passará a ser chamado por esta narradora a partir de agora de Vuckov Vuco-Vuco) lamenta, mas trata-o com a mesma finesse de sempre e Milo vai embora.
            É aí que a coisa complica. Voltando pra casa, Milo tem umas reações estranhas e acorda em sua própria casa, ferido e ensaguentado, três dias depois, sem a menor memória do que teria acontecido nesses três dias. Ele precisa traçar o caminho de volta para tentar se lembrar do que aconteceu. Sangue nas paredes nos lugares onde ele esteve refrescam sua memória e ele vai descobrindo, aterrorizado, junto com o espectador, igualmente apavorado, todas as coisas que aconteceram nesses três dias.


O filme

O diretor de A Serbian Film disse que era uma crítica à guerra e às atrocidades que o povo sérvio passou. Sinceramente, não vi nada disso. Meu conhecimento sobre a Sérvia é parco, então algo pode ter me escapado. Vi o filme como entretenimento e só. E quer saber? Como filme, simplesmente como filme, eu o achei muito bom.
Apesar da minha inicial pré-disposição em ver esse filme só pra falar que ele era uma porcaria, recuso-me a mentir só pra atender às minhas expectativas iniciais. A trilha sonora é muito boa, a fotografia é bela, os atores são, pasme!, excelentes, e o roteiro é muito bem escrito. O fim surpreende e eu me peguei murmurando um palavrão enquanto os créditos incompreensíveis subiam em sérvio, com a música que parece alguém arranhando uma parede até suas unhas caírem.
Agora, o que me preocupa: eu não fiquei tão chocada quanto achei que ficaria. Será que já vi e ouvi de tudo? Não tive pesadelos, não fiquei impressionada, e já fiquei mais chocada com episódios de Lei & Ordem. Sim, tem muita violência, com cabeças cortadas (na verdade, só uma cabeça cortada), sangue esguichando e tudo o mais, mas qualquer filmeco de terror de quinta categoria tem isso e ninguém liga. O que é, afinal, tão chocante nesse filme?

O sexo

Sim, sexo! Claro que tem sexo! Na verdade, se ele não tivesse uma qualidade tão superior em tudo, seria facilmente um filme pornô, desses com sexo bizarro. Porém, para ser um filme pornô, ele teria que ter menos roteiro e mais sexo.
Mas e as acusações do filme incitar a pedofilia? Bom, eu terminei o filme e continuo sem a menor vontade de comer criancinhas. É uma bobagem dizer isso, e aposto que quem diz que o filme incita a pedofilia não viu o filme e é uma daquelas pessoas que, como a mulher do Flanders, grita no meio da multidão: “E ninguém pensa nas criancinhas????” Dizer que A Serbian Film incita a pedofilia é como dizer que 13 Homens e Uma Júlia Roberts incita as pessoas a roubar cassinos, ou que Assalto ao Banco Central incita as pessoas a roubarem bancos, como já apontou Ricky Nobre. Sinceramente, quem quiser roubar um banco, ou um cassino, ou uma criancinha, vai fazer isso com ou sem filme.

Então, qual é o problema?

O problema de A Serbian Film é sexo. Além de mostrar a jeba do Kowalsky (todo mundo sabe que é terminantemente proibido mostrar nu masculino frontal), mostrar sexo escancarado do jeito que fez é uma ofensa imperdoável. Não foram as cabeças rolando, não foi o sangue nas paredes, não foram os tiros... Foi o SEXO! Se tirassem as cenas de sexo, ele estaria abaixo da média de violência de qualquer filme de ação americano ou filmeco de terror adolescente. Como disse, eu vi a versão para seres humanos normais, não sei como está a versão UNCUT, que não encontrei pra baixar, mas as cenas de sexo e violência em ambas as versões mostram que, como Xuxa e os Duendes, não é um filme para todos os gostos e não deve ser assistido com sua mãe.

Conclusão

Gostei de Serbian Film e não fiquei chocada. Será que sou uma pedra insensível? Se há um acidente, tento contornar e passar o mais longe possível. Se vir um corpo, fico impressionada por dias. Se vejo jornal das oito com  imagens fortes, com animais ou pessoas, preciso tomar banho de poção Coração de Maria pra me acalmar. Por que não me choquei com Serbian Film? Porque é um FILME! A realidade me choca, mas em filmes, eu sei que é tudo seguro, que são efeitos, que ninguém está sendo ferido de fato. No final das contas, é só um filme.

Eu acredito que tudo o que vemos acaba, mesmo sem querer, nos ensinando alguma coisa. Premonição, por exemplo, me ensinou, além de confiar ainda mais na intuição, a prestar muita atenção em tudo, porque pequenas distrações podem levar a uma morte horrível, como ser esmagado por um ônibus ou ser virado do avesso, literalmente, por um sistema de filtro de piscina (!!!). A Serbian Film me ensinou que, de vez em quando, um filme desses tem que aparecer mostrando algo chocante, não para chocar as pessoas, mas para aparecer um imbecil e dizer que isso não pode ser visto. E é nessa hora que repensamos nosso direito à liberdade e decidimos se queremos que alguém decida por nós ou se nós mesmos podemos – e merecemos – fazer nossas escolhas. De vez em quando, essa discussão precisa vir à baila. Pena que só filmes assim conseguem fazer isso. Ele também me ensinou a ler além das cifras num contrato e não fazer um filme de roteiro desconhecido dirigido por um maluco tarado milionário.

PS.: Este filme é desaconselhável a pessoas sensíveis ao sexo.

PS2: Nenhum homem, mulher, criancinha, sérvio ou croata, foi molestado pela jeba do Kowalsky durante a realização dessa matéria.

PS3.: Se você for ver em 3D, cuidado com o olho (especialmente no final).

7 comentários:

Renato Rodrigues disse...

Caramba, essa postagem deve ser maior que o roteiro...

Ricky Nobre disse...

Me curvo à sua coragem e à sua matéria! Ducarai!!! E eu bem que imaginei que, apesar de acreditar que o filme seja bem sanguinário, que o que deixou o pessoal de cabelo em pé foi o contexto sexual e a presença de menores.

Agora uma pequena nerdice: gore não é gênero. O gênero chama-se splatter, que pode conter mais ou menos gore. No DVD de Premonição 2 tem um excelente documentário de 15 minutos sobre a origem do gênero splatter. Vou te emprestar.

Vou também procurar a versão uncut pra você. Se você gostou tanto do filme, merece ver inteiro!

Eddie disse...

Opa! Valeu, Ricky! Eu vejo sem problemas! Como eu disse, valeu a viagem e eu a faria de novo. Mas não aconselho para quem não curte montanha-russa ou trem fantasma.

Sandrini disse...

Eu to com o Ricky!! Me curvo à sua coragem e sua matéria, Eddie!!

Agora, vamos à falação.
Gosto de filmes de terror, mas não filmes sanguinários como Jogos Mortais, gosto daquele terror psicológico, místico, fantasmagórico. Mas infelizmente, sou paranóica e altamente impressionável, filme de ET pra mim é o Ó da bagaça, vou ficar achando que eles tão escondidos em qualquer lugar, até na minha sombra! Eu também não curto parques de diversão... Provavelmente não é um filme que eu assistiria.....

Mas mesmo assim! Eu me indigno que o sexo ainda cause espanto nas pessoas. Ainda mais numa época em que crianças de 10 anos estão se prostituindo; meninas de 12 anos ficam grávidas, as vezes, por homens da propria familia!
Podem falar que um filme desses influência pedofilia, mas se a pessoa sente uma atração por isso é porque ela ja tinha atração antes ou tendência a têla. De qualquer forma, nos dias de hoje em que qualquer um pode acessar qualquer assunto pela internet, seja em casa ou não, não é censurando um filme que vai resolver o caso...

Nanael Soubaim disse...

Não sei se fico aliviado. Na verdade gostaria que o filme fosse sim a temeridade que fizeram parecer... Porque não sendo, a má fama do brasileiro lá fora (e até aqui dentro) fica ainda pior. Agora podemos ser artisticamente facilmente classificados como "Não vi, não gostei e censurei".
Pelas penas da periquita véia esclerosada, agora tenho certeza do que já constactei, o auge da evolução foi nos anos oitenta, de lá a humanidade só fez retrogradar.

Anonymous disse...

Pô Eddie eu não tava nem aí pro filme mas agora fiquei com vontade de ver.
Pare de fazer bons textos mulher.

Brincadeiras a parte, o Nanael disse exatamente qual foi o problema, a juíza que censurou nem sequer viu o filme, ou seja se censura já é sinal de atraso, censura sem saber do que se trata é pior ainda.

Adriano disse...

Assisti ao filme por pura curiosidade(ou birra, por ter sido proibido). A parte que mais chocou-me foi o final. Apesar dos pesares creio que seja um filme muito bom, para quem gosta de cinema.
P.S: A trilha sonora é ótima.
P.S2: Adoro Underground.