sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Os filmes do Oscar – O QUARTO DE JACK (ROOM, quatro indicações)


Por Ricky Nobre



Arte é uma espécie de alquimia. Existe muito de transformação no ato e no resultado do esforço artístico. Os conceitos de fazer arte e de criar são indissociáveis, porém, cai-se frequentemente no equivoco do artista que “cria do nada”. Nunca vem do nada. Tem sempre algo antes.


O Quarto de Jack (reconheçamos a simpatia do título nacional) pode dar a impressão de ter sido baseado em algum dos diversos casos de sequestros prolongados e suas resoluções, mas o livro original de Emma Donoghue, assim como o roteiro adaptado por ela mesma, não é baseado em nenhum caso específico. Isso pode ter aberto, logo de cara, a possibilidade de uma abordagem mais delicada e até doce de uma experiência que só pode ser compreendida como horrenda e profundamente traumática.


Joy (Brie Larson) vive a oito anos prisioneira do “velho Nick”, numa cabana de 3m x 3m no quintal da casa do sequestrador. O filme começa no dia do aniversário de cinco anos de Jack (Jacob Tremblay, sensacional), nascido no “quarto”. Narrando basicamente do ponto de vista do menino, o diretor Lenny Abrahamson pinta com cores suaves a infância feliz de uma vida que nunca conheceu o mundo real onde existissem outras pessoas de verdade (as da TV são de mentira) além dele, da mãe e do velho Nick. A tensão e o medo daquela existência absurda explodem vez ou outra, porém a beleza da relação de Jack e Joy ilumina o filme, assim como os esforços tocantes dela em tornar aquela vida algo que faça sentido para o filho. 


Num spoiler leve, porém necessário, é preciso falar da inteligência em não tornar a fuga daquela prisão, após oito anos de cativeiro, a grande resolução do filme. Ela ocorre exatamente na metade. A segunda parte do filme explora a readaptação de Joy ao mundo exterior e a descoberta de Jack de que esse mundo e todos que estão nele existem afinal. Talvez o público sinta uma leve queda de qualidade em relação à fantástica primeira parte, porém a mudança de ritmo era inevitável. 


Inquestionavelmente, o conceito de arte é rico e extremamente variadas são suas formas de existir. A percepção e (por que não dizer, já que somos todos humanos, afinal) o julgamento do que é arte não só é uma discussão rica como também interminável, porém existe um certo consenso na busca da beleza, embora o conceito desta seja outra discussão interminável. Daí, chegamos à decisão de Abrahamson de investir na beleza, inocência e delicadeza nesse conto de horror. Fosse um filme de Iñarritu, teríamos um tour de force esmagador de drama, dor e sofrimento e, embora eles existam, inclusive levando personagens a ações desesperadas, eles não são o filme. Abrahamson pode apenas ter procurado suavizar seu filme para que mais pessoas conseguissem vê-lo, alguns podendo argumentar que em detrimento da força de seu conteúdo. Mas talvez ele tenha tentado dizer que um olhar inocente e fresco pode tornar o coração mais leve para dizer adeus ao passado.

INDICAÇÕES AO OSCAR
Melhor filme
Diretor: Lenny Abrahamson
Atriz: Brie Larson
Roteiro adaptado: Emma Donoghue, baseado em seu livro.

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