terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Os filmes do Oscar - OS OITO ODIADOS (três indicações)


Por Ricky Nobre




Lembro-me de quando fui assistir Jackie Brown (1997) com certa apreensão. Não por não ter gostado dos dois primeiros filmes de Tarantino, pelo contrário, mas eu acreditava que aquele terceiro longa seria o que definiria se ele era o cara de uma só ideia e uma só estética ou se ele seria capaz de maior diversidade. Saí do cinema muito satisfeito. Era, sem a menor sombra de dúvida, um filme de Tarantino, mas não era “mais do mesmo”. Sua obra posterior, Kill Bill, em suas duas partes que entre si já são completamente diferentes, só reforçavam a certeza de que aquele era um grande artista, ainda que talvez um pouco excessivamente fixado no passado do cinema, numa antítese de James Cameron, inabalavelmente olhando para o futuro.

Grindhouse, o filme “sessão dupla” que realizou com Robert Rodriguez, não deu muito certo nesse formato, mas os segmentos separados e estendidos tiveram boa carreira. Sua metade desse bolo, À Prova de Morte, tem jeito de filme menor e foi bastante criticado, mas tinha uma simplicidade e objetividade que lhe adicionavam caráter, como se fosse uma vírgula muito bem colocada na sentença de sua carreira. 
 
Seus dois filmes seguintes, Bastardos Inglórios e Django, começaram a mostrar uma certa exaustão do “pacote Tarantino”: o tema recorrente da vingança, os diálogos, a violência, a música reutilizada,  a estética 60’s e 70’s, tudo isso se repetia cada vez com menos criatividade. Parecia que Tarantino havia empacado nos “ultra violent exploitation revenge movies”. E quem acompanha não apenas a obra mas também as aparições dele na mídia deve ter percebido a rudeza e a fanfarronice em suas recentes entrevistas. Num fenômeno semelhante ao de George Lucas, Tarantino cercou-se de bajuladores que jamais o questionam e o ego tomou conta. O Oscar pelo roteiro falho de Django deu-lhe a falsa certeza de que estava no caminho certo.



Seu mais recente filme, Os Oito Odiados, deve agradar apenas aos fãs mais radicais. Os longos e inusitados diálogos, que sempre foram sua marca registrada, assumem praticamente todo o filme e estão bem abaixo da qualidade dos primeiros filmes, parecendo bastante forçados em vários momentos. E mais do que nunca, é frequente a sensação de que é Tarantino falando, e não os personagens. Seu objetivo de construir o suspense através de uma crescente sensação de paranoia entre os personagens falha miseravelmente graças à inabilidade da câmera e da montagem em narrarem algo além da documentação dos intermináveis e muitas vezes inúteis discursos. A violência exagerada e irreal (bastante pontual e bem concentrada na porção final, levando em conta as quase três horas de projeção), no estilo cartoon, não choca e tem efeito cômico, e é mais um elemento onde a construção da tensão falha. Essa violência de cartoon, rigorosamente perfeita em Kill Bill, não serve para qualquer filme, mas Tarantino insiste nela. 



Na fotografia, Tarantino ressuscita o Ultra Panavision 70, um sistema já há 50 anos em desuso (não chegou a ser usado em larga escala por causa do custo, sendo Ben-Hur o principal filme que o utilizou), que consiste em um negativo 70mm e mais o uso de uma lente anamórfica, resultando em uma imagem imensa, numa proporção de 2,76 : 1 e de extraordinária nitidez. Mais uma vez, a nostalgia cinematográfica de Tarantino excede as necessidades do filme, pois fora algumas belíssimas paisagens externas na neve, concentradas na primeira meia hora de filme, o caríssimo sistema (câmeras foram construídas e negativos encomendados especialmente para o filme, pois há décadas não era utilizado) em nada adiciona à obra que passa boas duas horas dentro de um único cômodo com personagens discursando interminavelmente. Isso não impediu de, mesmo nesse único espaço interno, o filme ser belissimamente iluminado, mérito do veterano Robert Richardson, ganhador de três Oscars e indicado novamente esse ano. 



Mas se os discursos excedem, eles são heroicamente defendidos pelo ótimo elenco, da melhor forma que pode. E se o Major de Samuel L. Jackson se destaca ao ser mais bem construído em suas dubiedades morais, a Daisy de Jennifer Jason Leigh acaba decepcionando os que esperam uma grande e memorável vilã, já que ela não age efetivamente em nada na trama, sendo passiva das ações de terceiros por todo o tempo, o que acaba dando à cena final uma sensação mais mórbida do que a catártica pretendida.  Num filme onde todos os personagens são, no mínimo, canalhas, é preciso que a pretensa vilã da trama aja. Isso não impediu que ela fosse indicada ao Oscar de atriz coadjuvante, o que não deixa de ser justo, considerando o esforço dela em tornar a personagem relevante. 

Talvez o único grande acerto tenha sido a forma como a narrativa foi estruturada. O flashback que esclarece determinados fatos oferece alguns reais momentos de tensão, a partir do momento em que o público sabe de informações que outros personagens não sabem. Bola dentro também foi, pela primeira vez, decidir ter música original em seus filmes, trazendo um Ennio Morricone de 87 anos de volta ao gênero western que o consagrou. 



Para quem tem algum apreço pelo trabalho de Tarantino, não é um filme torturante de se ver, mas pode ser extremamente tedioso para outros. Dá a sensação de ser mais bem resolvido do que Django, que foi bem melhor em seu desenvolvimento, mas desastroso no terceiro ato. Os Oito Odiados é mais constante, uniforme, para bem e para mal. Fica a sensação de que Quentin Tarantino é um artista que já teve seu tempo, mas que sucumbiu ao ego e ao poder. Mas as críticas são irrelevantes. Enquanto as bilheterias continuarem correspondendo positivamente, podemos ter certeza de que continuaremos vendo “mais do mesmo”.

TRÊS INDICAÇÕES AO OSCAR:

- Atriz coadjuvante: Jennifer Jason Leigh
- Música original: Ennio Morricone
- Fotografia: Robert Richardson

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