Por Ricky Nobre
Lembro-me de quando fui assistir Jackie Brown (1997) com
certa apreensão. Não por não ter gostado dos dois primeiros filmes de Tarantino,
pelo contrário, mas eu acreditava que aquele terceiro longa seria o que
definiria se ele era o cara de uma só ideia e uma só estética ou se ele seria
capaz de maior diversidade. Saí do cinema muito satisfeito. Era, sem a menor
sombra de dúvida, um filme de Tarantino, mas não era “mais do mesmo”. Sua obra
posterior, Kill Bill, em suas duas partes que entre si já são completamente
diferentes, só reforçavam a certeza de que aquele era um grande artista, ainda
que talvez um pouco excessivamente fixado no passado do cinema, numa antítese
de James Cameron, inabalavelmente olhando para o futuro.
Grindhouse, o filme “sessão dupla” que realizou com Robert
Rodriguez, não deu muito certo nesse formato, mas os segmentos separados e
estendidos tiveram boa carreira. Sua metade desse bolo, À Prova de Morte, tem
jeito de filme menor e foi bastante criticado, mas tinha uma simplicidade e
objetividade que lhe adicionavam caráter, como se fosse uma vírgula muito bem
colocada na sentença de sua carreira.
Seus dois filmes seguintes, Bastardos Inglórios e Django, começaram
a mostrar uma certa exaustão do “pacote Tarantino”: o tema recorrente da
vingança, os diálogos, a violência, a música reutilizada, a estética 60’s e 70’s, tudo isso se repetia
cada vez com menos criatividade. Parecia que Tarantino havia empacado nos “ultra
violent exploitation revenge movies”. E quem acompanha não apenas a obra mas
também as aparições dele na mídia deve ter percebido a rudeza e a fanfarronice
em suas recentes entrevistas. Num fenômeno semelhante ao de George Lucas,
Tarantino cercou-se de bajuladores que jamais o questionam e o ego tomou conta.
O Oscar pelo roteiro falho de Django deu-lhe a falsa certeza de que estava no
caminho certo.
Seu mais recente filme, Os Oito Odiados, deve agradar apenas
aos fãs mais radicais. Os longos e inusitados diálogos, que sempre foram sua
marca registrada, assumem praticamente todo o filme e estão bem abaixo da
qualidade dos primeiros filmes, parecendo bastante forçados em vários momentos.
E mais do que nunca, é frequente a sensação de que é Tarantino falando, e não
os personagens. Seu objetivo de construir o suspense através de uma crescente
sensação de paranoia entre os personagens falha miseravelmente graças à
inabilidade da câmera e da montagem em narrarem algo além da documentação dos
intermináveis e muitas vezes inúteis discursos. A violência exagerada e irreal (bastante
pontual e bem concentrada na porção final, levando em conta as quase três horas
de projeção), no estilo cartoon, não choca e tem efeito cômico, e é mais um
elemento onde a construção da tensão falha. Essa violência de cartoon,
rigorosamente perfeita em Kill Bill, não serve para qualquer filme, mas
Tarantino insiste nela.
Na fotografia, Tarantino ressuscita o Ultra Panavision 70,
um sistema já há 50 anos em desuso (não chegou a ser usado em larga escala por
causa do custo, sendo Ben-Hur o principal filme que o utilizou), que consiste
em um negativo 70mm e mais o uso de uma lente anamórfica, resultando em uma
imagem imensa, numa proporção de 2,76 : 1 e de extraordinária nitidez. Mais uma
vez, a nostalgia cinematográfica de Tarantino excede as necessidades do filme,
pois fora algumas belíssimas paisagens externas na neve, concentradas na
primeira meia hora de filme, o caríssimo sistema (câmeras foram construídas e
negativos encomendados especialmente para o filme, pois há décadas não era
utilizado) em nada adiciona à obra que passa boas duas horas dentro de um único
cômodo com personagens discursando interminavelmente. Isso não impediu de, mesmo nesse único espaço
interno, o filme ser belissimamente iluminado, mérito do veterano Robert
Richardson, ganhador de três Oscars e indicado novamente esse ano.
Mas se os discursos excedem, eles são heroicamente
defendidos pelo ótimo elenco, da melhor forma que pode. E se o Major de Samuel
L. Jackson se destaca ao ser mais bem construído em suas dubiedades morais, a
Daisy de Jennifer Jason Leigh acaba decepcionando os que esperam uma grande e
memorável vilã, já que ela não age efetivamente em nada na trama, sendo passiva
das ações de terceiros por todo o tempo, o que acaba dando à cena final uma
sensação mais mórbida do que a catártica pretendida. Num filme onde todos os personagens são, no mínimo,
canalhas, é preciso que a pretensa vilã da trama aja. Isso não impediu que ela
fosse indicada ao Oscar de atriz coadjuvante, o que não deixa de ser justo, considerando
o esforço dela em tornar a personagem relevante.
Talvez o único grande acerto tenha sido a forma como a
narrativa foi estruturada. O flashback que esclarece determinados fatos
oferece alguns reais momentos de tensão, a partir do momento em que o público
sabe de informações que outros personagens não sabem. Bola dentro também foi,
pela primeira vez, decidir ter música original em seus filmes, trazendo um
Ennio Morricone de 87 anos de volta ao gênero western que o consagrou.
Para quem tem algum apreço pelo trabalho de Tarantino, não é
um filme torturante de se ver, mas pode ser extremamente tedioso para outros. Dá
a sensação de ser mais bem resolvido do que Django, que foi bem melhor em seu
desenvolvimento, mas desastroso no terceiro ato. Os Oito Odiados é mais
constante, uniforme, para bem e para mal. Fica a sensação de que Quentin
Tarantino é um artista que já teve seu tempo, mas que sucumbiu ao ego e ao
poder. Mas as críticas são irrelevantes. Enquanto as bilheterias continuarem
correspondendo positivamente, podemos ter certeza de que continuaremos vendo “mais
do mesmo”.
TRÊS INDICAÇÕES AO OSCAR:
- Atriz coadjuvante: Jennifer Jason Leigh
- Música original: Ennio Morricone
- Fotografia: Robert Richardson
TRÊS INDICAÇÕES AO OSCAR:
- Atriz coadjuvante: Jennifer Jason Leigh
- Música original: Ennio Morricone
- Fotografia: Robert Richardson
Nenhum comentário:
Postar um comentário