quarta-feira, 21 de abril de 2021

Os filmes do Oscar: JUDAS E O MESSIAS NEGRO – 6 indicações

Por Ricky Nobre

A premiação do Oscar deste ano está repleta de filmes com conteúdo social. Com a pandemia, os grandes filmes foram adiados por seus grandes estúdios, o que abriu espaço para muitos filmes independentes e de produtoras menores. Em anos anteriores, filmes como Moonlight e Parasita eram azarões que surpreenderam a todos. Este ano, eles dominam a premiação. Judas e O Messias Negro se destaca justamente no ano em que sua temática não é a exceção, mas a regra.

 

O diretor e roteirista Shaka King, em seu segundo longa, conta a história do notório líder do Partido dos Panteras Negra Fred Hampton sob um ponto de vista inesperado: o de seu traidor Bill O'Neal, um pequeno ladrão de carros que, para escapar da prisão, aceita ser informante do FBI e se infiltrar no partido. Desta forma, passamos a conhecer Fred, sua liderança, inteligência e incrível carisma que fascinava quem o ouvia. O contexto histórico é bem apresentado para situar o público e King é muito bem-sucedido em nos transportar para este mundo e nos fazer sentir mergulhados nele, nas cores, nos sons, no calor, na tensão, nos sonhos e na dor. 

 

LaKeith Stanfield se sai muito bem como a figura atormentada de Bill, cada vez mais envolvido com o partido. A culpa o corrói, mas as escolhas sempre voltam para seu compromisso em escapar da prisão. O roteiro poderia ter elaborado um pouco mais sobre esse dilema, mas mesmo assim funciona bem. Mas gigante mesmo está Daniel Kaluuya, que domina a tela com uma presença extraordinária e enérgica, quase hipnótica, onde é inquestionável o talento para liderança de seu personagem. Curiosamente, ainda que seus personagens estejam no título do filme, sendo um o Judas e outro o Messias Negro, a Academia indicou os dois como atores coadjuvantes, o que é o mesmo que dizer que este é um filme sem protagonistas.

 

Outro destaque do elenco é Dominique Fishback como Deborah, esposa de Fred, que sempre o desafia e questiona, porém sempre mantendo uma doçura no olhar, sendo uma personagem chave em alguns momentos. Outro personagem interessante, mas que poderia ter sido melhor desenvolvido, foi o do agente do FBI Roy Mitchell. Em sua firme crença na falsa simetria de que a KKK e os Panteras são dois lados da mesma moeda, ele se sente confortável em sua cruzada contra o partido e seus líderes. Em determinado momento, esta ilusão se desfaz, conforme ele descobre algumas práticas desumanas e uma mentalidade racista entre seus colegas do FBI e até mesmo (e principalmente) de seu chefe Edgar Hoover (Martin Sheen, com uma maquiagem horrenda). Aquele parece ser um ponto de virada para o personagem, mas, sem nenhum desenvolvimento ou elaboração do roteiro, ele continua no mesmo movimento de antes, e até um pouco pior. Seu desconforto no ambiente de trabalho, portanto, parece sem propósito.

 

É muito interessante e bem-vindo como King não suaviza o partido ou a figura de Fred Hampton, principalmente a radicalidade de suas práticas e ideias, sem receio de causar desconforto ou perda de simpatia do público. Ao reafirmar que o Partido dos Panteras Negras era, essencialmente, socialista e revolucionário, o filme engrandece as cenas onde Fred busca alianças não apenas com outros grupos de negros da cidade, mas também com os latinos e até com os brancos pobres do sul, ainda que venerem a bandeira confederada, mostrando que a luta dos Panteras era, antes de tudo, de classe. 

 

Judas e O Messias Negro é um filme tenso, desconfortável e amargo. Traça um excelente retrato de sua época e de seus personagens, ainda que pudesse ter elaborado de forma um pouco mais profunda o dilema do homem que traiu Fred Hampton, uma vez que este foi o recorte dramático escolhido. É um filme destemido, ao não se furtar em retratar a violência no discurso e nas ações de membros do Partido, mas é também um filme com uma mensagem e um posicionamento. É curioso perceber o contraste com outro filme deste ano onde o personagem de Fred Hampton também aparece. Em Os 7 de Chicago, é ele quem fica atrás do réu Bobby Seale no tribunal. As abordagens dos dois filmes, porém, não poderiam ser mais diferentes: enquanto um é pura biografia hollywoodiana (ainda que escrita com muita esperteza), este é um filme cru, vigoroso e combativo. Assim como seu personagem.

 

COTAÇÃO:


INDICAÇÕES AO OSCAR:

Melhor filme

Ator coadjuvante: Daniel Kaluuya

Ator coadjuvante: LaKeith Stanfield

Roteiro original: Will Berson e Shaka King

Canção original: "Fight for You" de H.E.R. e Dernst Emile II

Fotografia: Sean Bobbitt

 

JUDAS E O MESSIAS NEGRO (Judas and The Black Messiah, EUA – 2020)

Com: Daniel Kaluuya, LaKeith Stanfield, Jesse Plemons, Dominique Fishback, Ashton Sanders, Algee Smith, Dominique Thorne e Martin Sheen

Direção: Shaka King

História: Will Berson, Shaka King, Kenneth Lucas e Keith Lucas

Roteiro: Will Berson e Shaka King

Fotografia: Sean Bobbitt

Montagem: Kristan Sprague

Música: Craig Harris e Mark Isham

Design de produção: Sam Lisenco

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