Por Ricky Nobre
No Oscar dos pequenos grandes filmes, Nomadland chega com favoritismo. Já levou o Globo de Ouro de melhor filme dramático e melhor diretora, e também três BAFTAs (filme, diretora e atriz), três prêmios em Veneza, incluindo o Leão de Ouro de melhor filme, e outros incontáveis prêmios nos EUA e ao redor do mundo. Em seu terceiro longa, a chinesa Chloé Zhao assina a direção, roteiro, produção e montagem desta pequena pérola de aparência muito simples, mas realiza alguns feitos grandiosos.
Ao adaptar o livro de Jessica Bruder sobre os nômades americanos que vivem na estrada sem endereço fixo, Zhao criou para ser o centro da narrativa a personagem Fern, baseada parte em um amálgama de diversas pessoas descritas no livro, parte na personalidade da própria atriz Frances McDormand. Além dela, temos David Strathairn e alguns poucos atores profissionais (quase todos como os familiares de Fern). Todos os demais personagens do filme são as pessoas reais descritas no livro de Bruder que fazem uma espécie de performance de si mesmos. Totalmente desprendidos de qualquer inibição, esses personagens dão uma imensa vida e veracidade ao mundo dos nômades apresentados no filme. A câmera e a montagem de estilo semidocumental costuram as cenas e depoimentos desses personagens com a interpretação de McDormand que submerge completamente nessa comunidade, tão indiscernível dos demais personagens que alguns participantes sequer sabiam que ela era atriz e a consideraram uma viajante como eles. McDormand chegou a dormir na van da sua personagem por boa parte da produção, até desistir por causa da exaustão. Totalmente entregue, a atriz também realizou boa parte dos trabalhos temporários que sua personagem pega ao longo da estrada, chegando a passar alguns dias embalando encomendas num armazém da Amazon.
O filme ao mesmo tempo em que apresenta histórias duras de sofrimentos e perdas, também celebra uma alegria singular, vinda da liberdade de quem vive num mundo e comunidade próprios. O trabalho é duro, as condições são parcas, mas existe a alegria das amizades, as belezas das estradas e paisagens do país. A crise de 2008 que levou milhares e milhares de famílias a perderem suas casas para os bancos, e diversas falências de indústrias que deixaram outros tantos desempregados explicam a quantidade de pessoas que adotaram esse estilo de vida. Com sutileza e precisão, Zhao costura as histórias que definem personagens que estão na estrada por total falta de opção e as que se apaixonaram pela vida na estrada. Como centro narrativo, Fern é dúbia. Viúva e nativa de uma cidade que literalmente desapareceu com o fechamento da fábrica de gesso que a sustentava, Fern não tem outra alternativa a não ser morar em sua van e cruzar o país, de emprego em emprego. Mas os convites para morar com sua família e, mais tarde, com um amigo que, depois de anos na estrada, encontrou sua pousada, não lhe soam tão sedutores. Fern parece mais empolgada com um ônibus trailer luxuoso numa exposição do que com a ideia de ter uma casa de novo. Ela faz questão de reiterar que ela não é sem lar, ela é só sem casa.
Nomadland não é o primeiro a tentar isso, mas nunca a fusão de atores interpretando e pessoas reais falando sobre si mesmas se deu de forma tão perfeita. O ficcional e o documental se entrelaçam e formam um todo coeso, harmônico e especialmente belo. A bela música de Ludovico Einaudi acalenta os sentimentos e paisagens desta obra onde a diretora não entra, em momento algum, no mérito das questões políticas que tornaram possíveis aquelas condições precárias. O foco do filme é o coração dos nômades, seu senso de comunidade, suas forças e fraquezas. Nomadland é um filme com identidade e alma.
COTAÇÃO:
INDICAÇÕES AO OSCAR:
Melhor filme
Direção: Chloé Zhao
Atriz: Frances McDormand
Roteiro adaptado: Chloé Zhao, baseado no o livro de Jessica Bruder
Fotografia: Joshua James Richards
Montagem: Chloé Zhao
NOMADLAND (EUA / Alemanha – 2020)
Com: Frances McDormand, David Strathairn
Direção: Chloé Zhao
Roteiro: Chloé Zhao, baseado no o livro de Jessica Bruder
Fotografia: Joshua James Richards
Montagem: Chloé Zhao
Música: Ludovico Einaudi
Design de produção: Joshua James Richards
Nenhum comentário:
Postar um comentário