Por Ricky Nobre
Histórias de imigrantes são uma tradição do cinema americano. Numa nação construída a partir do mito do “sonho americano” e da “terra das oportunidades”, a própria arte e indústria cinematográficas nasceram também sobre esse amálgama de diversas culturas e influências. E como a máquina de propaganda que sempre foi, Hollywood usou essa temática com frequência, mostrando sim as muitas dificuldades, mas com finais sempre felizes e triunfantes. Demorou muito para que começassem a aparecer histórias mais realistas e menos glamorosas sobre o tema. Minari, onde o cineasta Lee Isaac Chung se baseia vagamente em suas memórias de infância, chega com humor e delicadeza para fazer um caminho um pouco menos óbvio.
Uma família coreana, que já vivia numa grande cidade dos EUA a alguns anos, se muda para o interior em busca de melhores condições. Sem dar detalhes à esposa, Jacob adquire um pedaço de terra no meio do nada e uma casa que é, apesar do grande tamanho, essencialmente um trailer, para desespero da esposa que esperava algo melhor. O casal de filhos tem dificuldades em lidar com as constantes brigas dos pais por causa do lugar. A menina Anne, um pouco mais velha, é séria e tem um ar de responsabilidade. O garoto David, sapeca e ativo, tem um sopro no coração que pode ser fatal. Em pouco tempo, chega a vovó Soonja, mãe da esposa Monica, que traz um ar de vida totalmente novo para a família. Ainda que pareça de início leviano e irresponsável, Jacob surpreende ao conseguir tirar daquela terra o melhor que ela tem e, com a ajuda de um vizinho trabalhador e meio doidinho, ele supera diversas dificuldades, algumas delas geradas pela sua própria teimosia.
O elenco é um dos trunfos do diretor, pois se sai muitíssimo bem em criar um agradável senso de intimidade com a família. Steven Yeun (o Glenn de The Walking Dead) e Yeri Han criam uma dinâmica delicada, onde a teimosia dele e a irritação dela colidem com frequência. Mas o tesouro do filme é Yuh-Jung Youn e Alan Kim, respectivamente a vovó Soonja e o pequeno David. Juntos eles são responsáveis pelos momentos mais engraçados, delicados e fofos do filme e dominam sem dificuldade alguma qualquer cena em que aparecem.
O roteiro progride como uma sucessão de pequenos momentos. Não há desconexão, não é fragmentado, mas passa a sensação de uma coleção de memórias que se sobrepõe a qualquer fiapo de trama que o filme apresente, e nisso, a fotografia de tons suaves de Lachlan Milne e a delicadíssima música de Emile Mosseri criam a atmosfera ideal.
A delicadeza e bom humor não excluem momentos mais sóbrios (a sutil crítica ao capitalismo no comentário sobre o descarte de pintos machos provoca certo desconforto), e até mesmo trágicos, conforme o filme avança. Como a fluidez inesperada da vida, uma notícia alegre e extraordinária é seguida, em questão de poucas horas, de uma terrível tragédia. E sem nenhum resquício de melodrama manipulativo, seja nas interpretações ou na música, o filme deixa claro o que é realmente importante nessa vida e que tudo pode ser refeito, um novo começo sempre é possível. Assim como as sementes de minari (uma espécie de “agrião coreano”) que a vovó Soonja traz da Coréia, só precisa do tempo e do solo corretos.
COTAÇÃO:
INDICAÇÕES AO OSCAR
Melhor filme
Direção: Lee Isaac Chung
Ator: Steven Yeun
Atriz coadjuvante: Yuh-Jung Youn
Roteiro original: Lee Isaac Chung
Música: Emile Mosseri
MINARI (EUA, 2020)
Com: Steven Yeun, Yeri Han, Yuh-Jung Youn, Alan Kim, Noel Cho e Will Patton
Direção e roteiro: Lee Isaac Chung
Fotografia: Lachlan Milne
Montagem: Harry Yoon
Música: Emile Mosseri
Design de produção: Yong Ok Lee
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