sexta-feira, 9 de abril de 2021

Os filmes do Oscar: O TIGRE BRANCO – 1 indicação

Por Ricky Nobre

Não falha: todo ano tem um filme ousado, poderoso e desconfortável no Oscar, mas que ostenta apenas uma indicação. Seguindo o exemplo de O Lagosta, Projeto Flórida e Animais Noturnos, esta coprodução Índia/EUA leva apenas uma indicação de consolação quando poderia ter recebido algumas mais. O Tigre Branco é baseado no livro do escritor indiano Aravind Adiga e dirigido pelo americano de família iraniana Ramin Bahrani. Apesar da maior parte da equipe e elenco serem naturais de Índia, a nacionalidade do diretor põe certa dúvida quanto à autenticidade do retrato da sociedade indiana, com toda sua desigualdade e injustiças. Inevitavelmente, o olhar estrangeiro sempre traz uma percepção diferente, e isso não é, por si só, bom ou ruim. 

 

Em O Tigre Branco acompanhamos a história de Balram, que começa a contar como conseguiu sair da miséria de uma vila explorada por um senhorio, até chegar a se tornar um empresário de sucesso. Em sua jornada, o filme nos mergulha até às narinas numa sociedade profundamente desigual e injusta, com regras tão rígidas que tornam a mobilidade social quase uma utopia. A narração do Balram, constante do primeiro ao último minuto de projeção, o que não é incomum em algumas adaptações de obras literárias, não rouba da linguagem cinematográfica o protagonismo da narrativa, mas faz parte dela. Com uma acidez mordaz, o texto expõe as entranhas da “maior democracia do mundo” que segue elegendo políticos populistas que, em transações escusas, mantém os ricos em constante vantagem. A cultura de servidão como algo não apenas suportável, mas desejado, é colocada como o grande muro que separa o povo oprimido de qualquer impulso de reação contra a esmagadora opressão que sofre. Nessa narração constante do protagonista, temos frases inesquecíveis, que ficarão marcadas em brasa na mente do espectador, principalmente a metáfora do galinheiro, principal simbolismo utilizado por Balram.

 

Talvez tenha sido um erro do roteiro começar no primeiro minuto mostrando o protagonista já bem-sucedido, pois tira um pouco o impacto do desfecho. Por outro lado, há um tênue, porém constante suspense, uma inquietação incômoda do espectador que sabe que aquela servidão cega e totalmente subserviente vai atingir um ponto de ruptura em algum momento e que, provavelmente, será violento. Nessa progressão lenta e angustiante, um dos principais destaques é a atuação de Adarsh Gourav, que domina completamente o filme, aparentemente sem nenhum esforço. Gourav e o diretor Bahrani nos pegam pela mão e nos mergulham completamente naquele mundo, nos fazendo compreender cada aspecto apresentado daquela cultura que nos parece ao mesmo tempo tão familiar e tão alienígena.

 

O Tigre Branco é uma obra desafiadora, incômoda, mas que não é totalmente desprovida de artifícios comerciais, principalmente na narração cuidadosamente construída para ser atraente e compreensível para públicos estrangeiros, ainda que muitas vezes seca e ácida. O filme desafia o espectador a contrapor os valores morais do senso comum com a realidade cruel em que Balram está inserido. Nesse mundo de servidão, dominação e de luta e ódio de classe, O Tigre Branco mostra ecos do coreano Parasita, dos brasileiros Cidade de Deus e Que Horas Ela Volta? e do mexicano Roma. O próprio roteiro parece mirar um pouco não exatamente na universalização da história de Balram, mas no quanto ela é capaz de ressoar em culturas e sociedades diferentes, especialmente em uma das várias frases marcantes do filme: “Para os pobres, a única forma de chegar no topo é pelo crime ou pela política. No seu país também é assim?”


 COTAÇÃO:


 

INDICAÇÃO AO OSCAR:

Roteiro adaptado: Ramin Bahrani, baseado no livro de Aravind Adiga

 

O TIGRE BRANCO (The White Tiger, EUA / Índia – 2020)

Com: Adarsh Gourav, Rajkummar Rao, Priyanka Chopra, Vijay Maurya, Swaroop Sampat e Sanket Shanware.

Direção: Ramin Bahrani

Roteiro: Ramin Bahrani, baseado no livro de Aravind Adiga

Fotografia: Paolo Carnera

Montagem: Ramin Bahrani e Tim Streeto

Música: Danny Bensi e Saunder Jurriaans

Design de produção: Chad Keith

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