quinta-feira, 15 de abril de 2021

Os filmes do Oscar: MEU PAI – 6 indicações

Por Ricky Nobre

Doença e velhice são tradicionais combustíveis para o melodrama. É possível desenvolver ótimos filmes nesse estilo, ainda que às vezes apelando para o óbvio, ou para a emoção mais fácil. Mas não em Meu Pai. Em Meu Pai nada é fácil.

 

O dramaturgo francês Florian Zeller estreia na direção cinematográfica e adapta o roteiro de sua própria peça teatral (que chegou a ter uma adaptação brasileira com o ator Fulvio Stefanini). Zeller fez questão de que Anthony Hopkins assumisse o protagonista Anthony, a tal ponto que, se o ator não aceitasse, ele desistiria de fazer o filme em língua inglesa e partiria para uma produção com elenco exclusivamente francês. Ele sabia o que estava fazendo. 

 

Meu Pai funciona de forma mais impactante para quem assiste sem ter ideia alguma de sua abordagem. Zeller constrói a trajetória do velho Anthony, que sofre alguma doença que acarrete degeneração cerebral (que nunca é nomeada), de um ponto de vista muito particular: o do próprio Anthony. O público é convidado a uma inquietante jornada ao dia a dia de Anthony, onde ele confunde pessoas e lugares, a ordem dos acontecimentos e a veracidade de fatos. A câmera não acompanha exclusivamente Anthony, detendo-se, por vezes em sua filha (Olivia Colman caminhando para se tornar atriz referência de sua geração), como forma de dar ao público algumas muito poucas pistas do que de fato é real.

 

O brilhantismo de Meu Pai é como ele constrói a desorientação de Anthony a partir da desorientação do público. Personagens que não deveriam estar ali aparecem, rostos mudam, portas e cômodos mudam de lugar, objetos desaparecem, o dia emenda com a noite, personagens mudam drasticamente de comportamento, informações se conflitam, eventos se repetem. Zeller oferece poucos mas preciosos elementos e informações para que o público tente alinhar os fatos de forma coerente. Alguns são simples de perceber. Outros são complexos. E alguns foram feitos para permanecerem nebulosos. 

 

Mesmo sendo reconhecidamente um dos maiores atores do mundo, Hopkins consegue surpreender com a sutileza, a precisão e, principalmente, com a crescente intensidade de quanto seu sentimento de confusão e abandono vai dominando sua vida. Uma interpretação que, assim como a direção, aposta na inteligência do público ao mesmo tempo em que não o abandona num emaranhado de fatos confusos. 

 

Na proposta incrivelmente desafiadora de transmitir ao público a sensação de uma mente em lenta degradação, Meu Pai triunfa ao não ter sequer uma fala de algum personagem que resuma e simplifique a situação. É preciso que o público vivencie e sinta o crescente desespero de Anthony. Em econômicos 97 minutos, vivemos uma jornada intensa e esmagadora. Sem dúvida, um dos grandes filmes deste início de década.

 

COTAÇÃO:


 

INDICAÇÕES AO OSCAR:

Melhor filme

Ator: Anthony Hopkins

Atriz coadjuvante: Olivia Colmant

Roteiro adaptado: Christopher Hampton e Florian Zeller, baseado na peça de Florian Zeller

Direção de arte: Peter Francis e Cathy Featherstone

Montagem: Yorgos Lamprinos

 

MEU PAI (The Father, Reino Unido / França – 2020)

Com: Anthony Hopkins. Olivia Colman, Mark Gatiss, Olivia Williams, Imogen Poots e Rufus Sewell

Direção: Florian Zeller

Roteiro: Christopher Hampton e Florian Zeller, baseado na peça de Florian Zeller

Fotografia: Ben Smithard

Montagem: Yorgos Lamprinos

Música: Ludovico Einaudi

Design de produção: Peter Francis

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