quarta-feira, 9 de março de 2022

Os filmes do Oscar: BELFAST – 7 indicações

Por Ricky Nobre

Quando Kenneth Branagh estreou na direção com Henrique V (1989), filme que também protagonizava, foi recebido com grande entusiasmo pela enorme qualidade de sua adaptação de Shakespeare. Numa sequência de ótimos pequenos projetos como Voltar a Morrer e Para o Resto de Nossas Vidas, tornou-se um grande nome nos anos 90, enquanto parecia que iria adaptar cada peça já escrita por Shakespeare. Longe disso, na verdade, mas chegou a realizar o feito até hoje inédito de levar para o cinema o texto completo de Hamlet no excelente filme de 1996. Com o tempo, Branagh foi se “hollywoodizando”, aceitando convites que iam de Thor a Cinderella, indo até Jack Ryan. Belfast chega como seu projeto mais pessoal.

 

Em 1969, o pequeno Buddy, de 9 anos, vive os “Troubles”, como é conhecido o período de conflitos violentos entre católicos e protestantes na Irlanda. Ele observa tudo sob sua ótica infantil, enquanto sua família precisa decidir se sai ou não do país em busca de segurança e estabilidade. Logo de cara já se percebe que se trata de um filme autobiográfico, e que Buddy é o diretor Branagh. Belfast é construído a partir de suas memórias de infância, que incluem não apenas os conflitos e a violência, mas também as amizades, a união familiar, a paixãozinha da escola, a ausência paterna devido ao trabalho e o início do amor pelo cinema. 

 

Belfast tinha tudo para ser a pequena obra prima de Branagh, mas infelizmente não é o caso. Por mais que se tenha falado do quanto que este filme é “oscar bait” (isca de Oscar), isso não seria problema algum caso a “isca” fosse tudo isso que se esperava. Esteticamente, é um belo trabalho, quase todo em preto e branco, com belíssima fotografia contrastada, surpreendente para um trabalho rodado em digital (por questão de custos, uma vez que Branagh sempre prefere rodar em película). O grande trunfo do filme é o pequeno Jude Hill, uma inesgotável fonte de carisma que conquista o público desde a primeira cena. Não só ele, mas todo o excelente elenco tenta carregar o filme nas costas, mas não há tanto assim para carregar.

 

Talvez na tentativa de realizar uma obra leve, sempre filtrada pelo olhar infantil, Branagh trouxe um roteiro magro, onde vemos uma excessiva despolitização dos conflitos e praticamente nenhuma contextualização para quem já não tenha um bom conhecimento histórico do período. Apesar de algumas cenas com notícias de TV e rádio, com pronunciamentos oficiais do governo britânico, o conflito ganha contornos quase de uma guerra de gangues de bairro, e não uma guerra de três décadas com tantas vidas perdidas, mesmo levando em conta que o olhar de Buddy se restringe ao seu pequeno mundo, que vai de casa à escola.

 

Existem excelentes exemplos da guerra sob o ponto de vista infantil, desde a aventura épica e dramática de O Império do Sol de Spielberg, passando pela experiência familiar e intimista de Esperança e Glória de Boorman, chegando à sátira ousada de Jo Jo Rabbit de Waititi. Branagh escolhe um caminho semelhante ao de Boorman, mas não passa de uma simpática coleção de memórias. Falta coesão, força e um pouco de coragem. É um filme “limpo” e “seguro”. Depois da excelente sequência inicial de conflito (onde o filme se mostra muito mais promissor), tudo o mais parece não oferecer nenhum perigo real que construísse um contraste mais vigoroso com as cenas mais engraçadas e ternas. 

 

Belfast não é um filme de fato ruim. Só o elenco já vale a experiência e tem alguns ótimos momentos (“it’s biological” é uma fala que vai demorar muito pra sair da sua cabeça). Mas é muito potencial para pouco resultado, além de permanecer sob a vasta sombra de predecessores muito mais bem-sucedidos. Suas sete indicações ao Oscar são um grande triunfo do marketing da distribuidora junto aos membros da Academia. Vale assistir sem expectativa. Mas, provavelmente, ficará na memória por muito tempo.

 COTAÇÃO: 



INDICAÇÕES AO OSCAR

Melhor filme

Diretor: Kenneth Branagh

Ator coadjuvate: Ciarán Hinds

Atriz coadjuvante: Judy Dench

Roteiro original: Kenneth Branagh

Canção original: "Down to Joy" por Van Morrison

Som: Denise Yarde, Simon Chase, James Mather e Niv Adiri

 

BELFAST (Reino Unido – 2021)

Com:  Jude Hill, Lewis McAskie, Caitriona Balfe, Jamie Dornan, Judi Dench, Ciarán Hinds, Josie Walker e Lara McDonnell

Direção e roteiro: Kenneth Branagh

Fotografia: Haris Zambarloukos

Montagem: Úna Ní Dhonghaíle

Música: Van Morrison

Design de produção: Jim Clay

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