domingo, 6 de março de 2022

Os filmes do Oscar: MÃES PARALELAS – 2 indicações

Por Ricky Nobre

O universo feminino é o tema principal da filmografia de Almodóvar. Obviamente, não o único, porém o mais recorrente. A maternidade em específico já nos deu dois dos melhores filmes do cineasta: Tudo Sobre Minha Mãe e o recente Dor e Glória. Mães Paralelas chega com a difícil tarefa de suceder este último, uma de suas mais belas e sensíveis obras. A maternidade, no entanto, vem acompanhada de um segundo tema, que é a dor coletiva da nação espanhola frente ao massacre ocorrido durante a ditadura franquista, mais especificamente, a dor das famílias dos desaparecidos. 

 

O tema dos desaparecidos é introduzido logo nas primeiras cenas, onde a fotógrafa Janis (Penélope Cruz, excelente) procura o antropólogo forense Arturo para ver a possibilidade da escavação da vala onde seu avô foi enterrado ainda nos primeiros dias da guerra. Os dois se envolvem e ela fica grávida, e acaba decidindo criar a criança sozinha. Na maternidade conhece a adolescente Ana (Milena Smit), também mãe solteira e que criará a criança quase sem a ajuda da mãe, uma atriz que, depois de muitos anos de tentativas, finalmente conseguiu avançar na carreira. A relação entre Janis e Ana se estenderá para além da convivência no hospital e se desenvolverá um laço estreito e inesperado.

 

Ao longo do filme, exceto por uma citação ou outra, o tema dos desaparecidos é abandonado e a trama das duas mães domina a narrativa. Bem ao seu gosto e talento, Almodóvar investe no melodrama com sua mão mágica, que acentua o espetáculo do sofrimento e da angústia, sem perder o domínio do potencial de cafonice da abordagem. Na década de 80, a crítica cinematográfica se lambuzava com o conceito de kitsch (um jeito chique de ser cafona) para definir o cinema almodovariano e, apesar das pinceladas bem mais sutis do que as de 35 ou 40 anos atrás, o diretor mantém essa estética e esse domínio. O mais importante é que ele, consciente da corda bamba do ridículo na qual anda o melodrama, sempre se equilibra e sustenta o drama e a emoção genuína e contagiante. Nisso contribui a música do parceiro de longa data, Alberto Iglesias, ainda que, em alguns poucos momentos, ela assuma leves contornos hitchcockianos que, pontualmente, parecem deslocados na narrativa.

 

O grande problema de Mães Paralelas é que, após uma dramática reviravolta, o tema das mães é abandonado, sendo substituído pelos desaparecidos. As últimas cenas apenas pincelam a resolução do drama principal do filme, onde tudo parece ter sido resolvido longe da câmera. Além de tomar apenas um pequeno espaço do filme, o tema dos desaparecidos não é desenvolvido satisfatoriamente. São apenas pinceladas grossas, ainda que firmes, que apenas rascunham esse aspecto do roteiro. E então, o filme acaba...

 

Da forma como se apresenta, Mães Paralelas parece dois filmes incompletos em vez de um que entrelace dois temas aparentemente díspares. Ainda assim, Almodóvar sugere com perspicácia os pontos de conexão entre os dois temas, como a dor de separações súbitas e não resolvidas. O roteiro merecia muito um trabalho mais profundo que entrelaçasse os temas, em vez de trata-los em blocos, unidos de forma bruta. Ainda assim, as duas histórias conseguem deixar marcada uma mensagem em comum: ainda que doa, a verdade acaba vencendo.

COTAÇÃO: 


 

INDICAÇÕES AO OSCAR:

Atriz: Penelope Cruz

Música: Alberto Iglesias

 

MÃES PARALELAS (Madres Paralelas, Espanha/França – 2021)

Com: Penélope Cruz, Milena Smit, Israel Elejalde, Aitana Sánchez-Gijón e Rossy de Palma

Direção e roteiro: Pedro Almodóvar

Fotografia: José Luis Alcaine      

Montagem: Teresa Font

Música: Alberto Iglesias               

Design de produção: Antxón Gómez

 


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