domingo, 27 de março de 2022

Os filmes do Oscar: O ATAQUE DOS CÃES – 12 indicações

Por Ricky Nobre

Jane Campion já fez história no Oscar de 1993 ao ganhar três prêmios por O Piano (melhor filme, direção e roteiro original). Dona de uma filmografia bissexta, porém muito sólida, ela volta com essa aclamada desconstrução do gênero western, que abocanhou nada menos que 12 indicações ao prêmio. Ataque dos Cães tem uma aparência muito modesta, principalmente se levarmos em conta o burburinho que gerou logo após sua estreia na Netflix e a expectativa ao ostentar tantas indicações da Academia. A duração é padrão, são poucos personagens, poucos cenários e a história toda pode ser resumida em poucos minutos. Mas isso é só a aparência. 

 

Em 1925, dois irmãos cuidam de um rancho, de onde tiram uma vida bastante confortável. George é comedido, educado, amável e mais urbano, enquanto Phil gosta do trabalho duro do rancho, mas é grosseiro, fanfarrão e até meio cruel. Quando George se casa com Rose, uma viúva dona de uma taberna, nasce um turbilhão de sentimentos em Phil, como ciúmes pelo irmão, ódio pela mulher e desprezo por Peter, filho adolescente dela. Enquanto Rose torna-se fisicamente doente e entrega-se ao álcool, se inicia uma estranha relação entre Phil e Peter.

 

O western é “desconstruído” há muito tempo. Um grande marco é Os Imperdoáveis (1992) de Eastwood, mas podemos também voltar mais talvez em Meu ódio será tua herança (1969), ou na própria reinvenção do gênero feita da Itália. O gênero que reinou do nascimento do cinema até fins dos anos 60 sempre passou por ajustes e reinvenções. Ao tornar-se (muito) mais raro a partir de fins dos 70, cada western produzido parecia ter o fardo de definir o gênero na época em que foi lançado. Ao ser ambientado na década de 1920, O Ataque dos Cães já se posiciona como um western que já é posterior ao período normalmente retratado no gênero, ou seja, ele já chega sugerindo que os temas e arquétipos já não são os mesmos. 

 

Os irmãos George e Phil se contrapõem como “civilização vs barbárie”. George parece deslocado naquele contexto de “velho oeste”, mas é Phil, defensor ávido do clichê de cowboy durão, é que é o deslocado no tempo. Sua obsessão pelo velho mentor Bronco Henry sugere o quanto ele se agarra a um mundo, uma lógica que vai se desfazendo à sua volta. Seu próprio irmão e o filho da cunhada são lembretes constantes disso e sua reação é sempre de violência e abuso, seja físico ou moral. Por trás dos modos de cowboy machão clássico, seus atos não são de herói, mas de vilão. A forma como ele persegue e atormenta Rose quase nunca vem de confronto direto, mas de abuso psicológico sutil e constante.

 

Mas a complexidade de Phil vai além, pois até mesmo sua persona de cowboy à moda antiga é uma armadura, uma fachada. Por isso, ao ver em Peter alguém tão jovem que não parece se abalar com o bullying e não se envergonha ou se desculpa pela forma como se apresenta, Phil começa a querer se aproximar de quem, inicialmente, desprezava, e tentar ser o novo Bronco Henry daquele possível jovem cowboy. 

 

Campion mantém um ritmo lento e constante, por vezes, enigmático. O filme parece uma costura de fragmentos, alguns com maior o menor significado isoladamente. Quase nada no apresenta de forma objetiva, totalmente compreensível por si só. Os pedaços vão se juntando e ganhando sentido lentamente. A forma como o elenco defende seus personagens é essencial para que o público se engaje em unir os pontos e a forma como a fotografia captura as paisagens infindáveis e como os personagens se inserem nelas guardam alguns ecos de Terrence Malick e seus épicos contidos (quando Malick era Malick...). A música de Jonny Greenwood tem mais a ver com o cinema de terror do que dos westerns clássicos, mais interessada em ilustrar a escuridão vivida pelos personagens do que a beleza das paisagens.

 

Existe um clima constante de suspense, a maior parte do tempo sutil, mas ele está ali, empilhando camadas de tensão, quanto mais sabemos sobre Phil e mais nos simpatizamos com o desespero de Rose e o ar de inocência de Peter. Tentando evitar spoiler, não se pode deixar de comentar como, num filme que se desvenda tão lentamente, a virada de mesa nos instantes finais obriga o público a repensar tudo que viu e religar todos os pontos novamente. Ataque dos Cães é um filme totalmente emanado de seus personagens e por eles se apresenta, se move e se resolve e, onde nada é dito claramente, depende da conexão completa do público com eles para fazer sentido, não só dos fatos mas, principalmente, das emoções. 

COTAÇÃO:


 

INDICAÇÕES AO OSCAR:

Melhor filme

Direção: Jane Campion

Roteiro adaptado: Jane Campion

Ator: Benedict Cumberbatch

Ator coadjuvante: Jesse Plemons

Ator coadjuvante: Kodi Smit-McPhee

Atriz coadjuvante: Kirsten Dunst

Fotografia: Ari Wegner

Montagem: Peter Sciberras

Música: Jonny Greenwood

Som: Richard Flynn, Robert Mackenzie e Tara Webb

Direção de arte: Grant Major e Amber Richards

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