Por Ricky Nobre
Jonathan Larson foi um meteoro que passou pelo teatro musical norte americano e o mudou para sempre. Autor do musical Rent, seu primeiro e único grande espetáculo a ser encenado e que ficou 12 anos em cartaz na Broadway e mudou a forma de se perceber e fazer musicais, Larson teve uma morte trágica e precoce, vítima de um aneurisma causado por uma síndrome rara, que o levou um dia antes da estreia. Larson não chegou a ver seu sucesso e o impacto que causou. Depois de passar oito anos compondo o musical Superbia, que acabou não conseguindo patrocínio, Larson criou o pequeno tick, tick... BOOM!, um show intimista onde o próprio contava e cantava sua luta para se tornar um grande artista, suas dúvidas, decepções e o medo do tempo passando e a proximidade dos 30 anos de idade (como uma bomba relógio, tick, tick...). A adaptação deste pequenino espetáculo para a tela, transformando-o em uma biografia musical de um autor de musicais foi o desafio de Lin-Manuel Miranda, premiado autor e diretor da Broadway, em sua estreia no cinema.
O roteirista Steven Levenson é bastante hábil ao construir uma narrativa biográfica costurada, entranhada no pequeno show de Larson. O verso e a prosa dele no palco completam e rimam com a encenação de sua luta diária trabalhando em restaurante, desenvolvendo seu espetáculo e tentando não erodir suas relações, seja com os amigos, seja com a namorada. A primeira meia hora é particularmente delicada e alguns podem ter dificuldade de sobreviver a ela. A proposta não fica muito clara para o espectador e a montagem picotada, especialmente na parte dramatizada, não é gentil com as interpretações, que parecem forçadas. Com o tempo, não só a mecânica de funcionamento do filme fica mais clara, mas o próprio filme passa a se entender melhor, e ele finalmente deslancha e só vai ficando cada vez melhor.
Andrew Garfield tem aqui seu melhor trabalho na carreira e é o principal responsável por manter o público sempre torcendo por ele, mesmo quando ele não é exatamente o melhor dos amigos ou o melhor dos namorados. Os demais personagens, especialmente o amigo Michael e a namorada Susan, são bem escritos, com estrutura e força próprias, provavelmente fruto das entrevistas com amigos e profissionais que conheceram Larson que o roteirista fez para desenvolver a parte biográfica do roteiro. Essa qualidade dos coadjuvantes só enriquece a história de Larson e enfatiza o impacto deles na sua vida e no seu trabalho.
O filme tem uma produção bem simples, sem grandes arroubos de mega musical, mantendo bastante o espírito off-off-broadway do espetáculo original. O efeito “viagem no tempo” e a imersão do espectador na época da narrativa (o comecinho dos anos 90) é muito boa e é inevitável a presença da ameaça da AIDS, grande fantasma daquela geração, numa época em que a doença era quase sempre letal.
Para os fãs de musicais em geral e para os de Rent em particular, tick, tick...BOOM! é um filme recomendadíssimo. Para o restante do público, depende do quanto conseguir se conectar com a proposta narrativa, principalmente na primeira meia hora, que de fato não é a parte mais bem resolvida do filme. No mais, tem a excelente performance de Garfield e é uma jornada emocionante, alegre, mas também melancólica, pois sabemos que a luta tão obstinada de Larson será bruscamente interrompida.
COTAÇÃO:
INDICAÇÕES AO OSCAR:
Ator: Andrew Garfield
Montagem: Myron Kerstein e Andrew Weisblum
tick, tick… BOOM! (EUA – 2021)
Com: Andrew Garfield, Alexandra Shipp, Robin de Jesus, Vanessa Hudgens, MJ Rodriguez e Judith Light
Direção: Lin-Manuel Miranda
Roteiro: Steven Levenson, baseado no musical de Jonathan Larson
Fotografia: Alice Brooks
Montagem: Myron Kerstein e Andrew Weisblum
Design de produção: Alex DiGerlando
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