quinta-feira, 24 de março de 2022

Os filmes do Oscar: LICORICE PIZZA – 3 indicações

Por Ricky Nobre

Aprendemos nos últimos dois anos que estes são tempos em que podemos esperar qualquer coisa. Ainda assim, talvez ninguém esperasse uma comédia romântica fofa e adorável e com final gostosinho vindo de Paul Thomas Anderson. Claro, é a versão de Anderson do que é fofo e adorável, mas mesmo assim. Licorice Pizza não é parecido com nada que o diretor tenha lançado em seus 25 anos de carreira no cinema e, ainda assim, é um filme de Anderson até o último fiapo. 

 

O diretor volta à Los Angeles de sua infância da década de 70 para contar a história de Gary, um jovem ator de 15 anos que se apaixona por Alana, uma mulher de 25, na fila da foto da escola. Ele a convida para sair e ela apenas ri. Porém, ela comparece ao encontro, e o tempo vai forjando uma amizade, com contornos platônicos. Gary é um típico garoto de 15 anos que acha que sabe e pode tudo, e que, de fato, tem ótimo tino para negócios. Alana é a mulher de 25 que ainda não sabe seu lugar no mundo, mas que se encontra como parceira dos empreendimentos de Gary. A diferença de idade é o elefante na sala que os acompanha numa série de acontecimentos, numa estrutura episódica, com diversos novos personagens que entram e saem. 

 

A primeira coisa que dá muito certo em Licorice Pizza são os protagonistas. Alana Haim (da banda Haim) e Cooper Hoffman (filho de Philip Seymour Hoffman), ambos estreando como atores, não apenas são perfeitos em seus personagens, como também possuem uma química impecável como um casal improvável (e legalmente impossível), com uma amizade genuína, onde sempre discutem, mas não se desgrudam. Mesmo sem a beleza padrão de estrelas de cinema, a câmera parece amar os dois, que esbanjam carisma, ele em seus baldes de autoconfiança, ela na total falta de questão em ser simpática. Personagens excêntricos, bizarros e carismáticos vão e vêm, mas o filme é perfeitamente ancorado neles e na dinâmica peculiar dos dois.

 

A viagem no tempo forjada por Anderson é perfeita. Do momento que o filme começa até o rabicho dos créditos, somos transportados para 1973 e lá ficamos, com figurinos e direção de arte impecáveis e uma fotografia perfeita, assinada pelo próprio Anderson e Michael Bauman. Anderson sempre faz seus filmes em película, nunca em digital. Aqui ele vai além, e todo o processo de marcação de luz e ajuste de cores é feito em processos óticos e fotoquímicos, como sempre foi feito em película até fins do século passado, sem incluir nenhuma fase em processo digital. Essa fotografia 100% analógica é a bolha que nos mantém naquele mundo, sem ter vontade de sair. Pode lembrar o que Tarantino fez em Era Uma Vez em Hollywood, mas sem a avidez em chamar a atenção para si mesmo (o que era adequado naquele caso). Aqui, o ambiente apenas te cerca e te aconchega, como quem te convida pra visitar sua casa e te deixa completamente à vontade.

 

Um cineasta que já trabalhou com temas tão pesados, desta vez traz tanta leveza não apenas na tela, mas também na produção. As irmãs de Lana Haim (que são suas parceiras na banda) interpretam suas irmãs no filme, assim como os pais delas também, e toda a família Haim meio que interpreta a si mesma. Indo além, a mãe das moças foi professora de arte de Anderson e ele já dirigiu diversos clipes da banda delas. Além disso, Anderson e Philip Seymour Hoffman (pai do jovem protagonista) fizeram diversos filmes juntos e foram melhores amigos até sua morte prematura. Diversos pequenos papéis e boa parte dos figurantes são familiares e amigos do diretor, do elenco e da equipe, e esse clima transborda no filme. Existe uns toques de Jim Jarmush no estilo do humor (não tanto no timing) e a presença rápida e divertida de Tom Waits acaba reforçando isso.

 

É curioso notar que, num filme que se parece tão radicalmente diferente dos anteriores do cineasta, invariavelmente tensos, ainda exista um sutil traço de tensão vindo da personagem de Alana. Apenas nela podemos ver alguma tensão no fato de existir uma potencialidade romântica e sexual entre um garoto de 15 anos e uma mulher de 25. Como seria de se esperar, isso excita Gary e tensiona Alana, que se irrita até com o fato de se dar tão bem com os amigos igualmente adolescentes de Gary. Mas a tensão está só nela (daqueles à volta dela, vemos mais é estranhamento) e, ainda que não seja meramente pontual, não é onipresente, ficando a maior parte do tempo abaixo da superfície. Anderson parece preferir não expandir essa tensão nem esse dilema, ainda que seja um tema capaz de causar muita polêmica e pânico moral. Ele prefere naturalizar a dinâmica dos dois, um amálgama de amizade, tensão sexual e amor platônico, aparentemente usando como escudo a década em que o filme se passa. É um enorme risco, mas funciona na medida em que é tudo muito leve. 

 

Nesse sentido, Anderson parece aproveitar que tem o público na mão e joga a resolução dos personagens e o desfecho da história bem nos últimos minutos e sai correndo. É tão contagiante quanto o sorriso dos dois, mas nos deixa com a vontade de ficar um pouco mais de tempo com eles. Licorice Pizza é uma história simples com toda a potencialidade de ser tão agridoce quanto uma memória de juventude que faz o coração pular. Porém, uma vez na vida, Anderson escolheu só a doçura. É o efeito colateral de se fazer um filme cercado de gente que se ama.

COTAÇÃO:


 

INDICAÇÕES AO OSCAR:

Melhor filme

Diretor: Paul Thomas Anderson

Roteiro original: Paul Thomas Anderson

 

LICORICE PIZZA (EUA – 2021)

Com: Alana Haim, Cooper Hoffman, Este Haim, Danielle Haim, John Michael Higgins, Sean Penn, Tom Waits, Bradley Cooper, Benny Safdie e Nate Mann

Direção e roteiro: Paul Thomas Anderson

Fotografia: Paul Thomas Anderson e Michael Bauman

Montagem: Andy Jurgensen

Música: Jonny Greenwood

Design de produção: Florencia Martin

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