sexta-feira, 18 de março de 2022

Os filmes do Oscar: NO RITMO DO CORAÇÃO – 3 indicações

Por Ricky Nobre 

Todos sabem que a última coisa que precisamos é de uma refilmagem americana de um bom filme feito em qualquer outro lugar do mundo. Mas, às vezes, até os responsáveis pelo sucesso em questão podem discordar. Assim como Michael Haneke refilmou em Hollywood seu próprio filme Violência Gratuita, partiu dos produtores do sucesso francês A Família Bélier a realização de uma nova versão rodada nos EUA. A oscarizada Marlee Matlin se comprometeu com o projeto com a garantia de que todos os personagens surdos fossem interpretados atores também surdos, o que não aconteceu no filme original, gerando bastante polêmica.  Produzido de forma independente com um pequeno orçamento de 10 milhões de dólares, o filme foi comprado no Festival de Sundance pela Apple pelo valor recorde de 25 milhões. O filme se tornou um grande sucesso no streaming e foi parar no Oscar.

 

No Ritmo do Coração (agradecemos aos distribuidores brasileiros pela extrema breguice deste título nacional) conta a história da jovem de 17 anos Ruby, única ouvinte de uma família de surdos. Ela trabalha com o pai e o irmão no ramo de pescaria e é a principal ligação deles com o mundo. A vida de Ruby é marcada pelo preconceito, principalmente na escola, seja por pertencer a uma família de surdos, seja por trabalhar com pesca. Ela descobre sua paixão pela música e entra num delicado conflito entre investir em seu sonho e seu papel não apenas no negócio, mas na própria estrutura de sua família. 

 

CODA (título original do filme) se refere ao trecho final de uma composição musical, e é também a sigla em língua inglesa para “filho ouvinte de adultos surdos”. CODA é a própria identidade de Ruby. Em determinado momento, ela afirma que nunca pode ser totalmente criança, recebendo responsabilidades de adulta por estar na posição de conexão entre seus pais e irmão com um mundo que não se esforça minimamente para compreendê-los. Onde quer que ela vá, ela é “a menina da família surda”. Ao desejar cursar a faculdade de música em outro estado, Ruby busca, acima de tudo, uma identidade própria, mas a resistência é inevitável, pois as circunstâncias tornaram o negócio da família inviável sem a jovem.

 

A diretora e roteirista Sian Heder é muito hábil e lidar de forma simples, precisa e clara com esses e outros temas delicados com uma leveza impressionante. Não é à toa que nossos distribuidores escolheram um título que parece de um filmezinho edificante da Sessão da Tarde. Porque é exatamente isso que ele é... só que bom! Os problemas e dramas da família não tornam o filme pesado. Pelo contrário, ela é retratada como uma família feliz, amorosa e alegre. O humor é constante, mas na medida certa e o elenco perfeito faz tudo funcionar, desde o hilário constrangimento da filha ouvindo os pais transando, até o soco na cara que é ver a mãe confessar que preferia que a filha também fosse surda. Talvez o único “porém” seja o professor de música vivido por Eugenio Derbez, que começa de forma excessiva e incomodamente caricata, mas que vai ajustando sua performance no mesmo ritmo leve e honesto do restante do elenco.

 

CODA é o famoso filme “pra rir e chorar”, “pra toda a família”, com toda a cara de “oscar bait”, mas TÃO genuinamente despretensioso, leve e adorável que escapa completamente dos constrangimentos dos clichês excessivamente batidos. A honestidade com que os personagens surdos são retratados elevam o filme imensamente. Apesar dos olhares preconceituosos, é uma família completamente normal, comunicativa, amorosa, mas que, como quaisquer outras, também guarda alguns ressentimentos no silêncio. E tudo passa a funcionar justamente quando há a comunicação, seja pela linguagem falada, pela dos sinais, pela música ou pelo toque na garganta de uma filha que canta. 

COTAÇÃO:


 

INDICAÇÕES AO OSCAR:

Melhor filme

Ator coadjuvante: Troy Kotsur

Roteiro adaptado: Sian Heder

 

NO RITMO DO CORAÇÃO (CODA, EUA/França/Canadá – 2021)

Direção e roteiro: Sian Heder

Fotografia: Paula Huidobro

Montagem: Geraud Brisson

Música: Marius De Vries

Design de produção: Diane Lederman

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