segunda-feira, 21 de março de 2022

Os filmes do Oscar: DUNA – 10 indicações

Por Ricky Nobre

Adaptar Duna é um problema há quase 50 anos. Lançado em 1965, o livro de Frank Herbert mudou os rumos da literatura de ficção científica e capturou a imaginação de diversos cineastas. Em 1975, o cineasta surrealista Alejandro Jodorowsky elaborou um projeto que foi compilado em um livro gigante, com um design de produção extraordinário e com todo o filme desenhado plano a plano. Todos os produtores procurados ficaram abismados com o trabalho. Mas era caro demais e ninguém confiava no “doidão” Jodorowsky e o projeto jamais foi realizado.

 

 A versão nunca feita de Duna virou documentário em 2013.

Em 1984, David Lynch, ainda se afirmando na carreira, dirigiu uma produção de Dino De Laurentis na qual não possuía controle criativo. A produção foi interrompida antes que ele tivesse sequer conseguido filmar tudo o que queria e a montagem foi retirada de suas mãos, resultando em um filme longo, confuso, esteticamente brilhante e bizarro (como se espera de Lynch) e um fracasso de público. O produtor chegou a lançar na TV uma versão estendida MUITO mal montada que Lynch se recusou a assinar. Muitos anos depois, fãs realizaram por conta própria uma montagem com tudo o que havia de disponível, tomando o roteiro original como guia, revelando um filme problemático, mas ainda assim, bem melhor que o original.

 

 O filme de David Lynch não saiu como o diretor queria.

Em 2000, o canal SyFy produziu uma minissérie que adaptava o livro de forma bem mais detalhada, seguindo-se de outra minissérie que dava conta dos dois livros seguintes. Era um feito extraordinário para a TV da época, mas tinha limitações e não envelheceu bem, mas era, até agora, a mais fiel adaptação da obra de Herbert e a única que cobria livros posteriores. Em 2021, o projeto de Denis Villeneuve chegou com uma expectativa monstruosa sobre os ombros de seu diretor.

 

 Mesmo com as limitações da TV, a minissérie trouxe a história mais completa.

Duna é uma história com uma multidão de personagens num panorama político complexo e intrincado, casas nobres, ordens religiosas, profecias messiânicas, e uma mensagem pró ecologia, anti-capitalista e anti-imperialista. É necessário um roteiro extremamente habilidoso para conseguir reduzir tudo isso de forma inteligente e compreensível, que se encaixe não só no tempo disponível, mas na linguagem cinematográfica. Esta versão é um misto de erros e acertos. Um dos principais acertos é seu protagonista, o jovem Paul Atreides. O público entende a sua angústia e ansiedade em ser assombrado por sonhos que não compreende, pelas expectativas de seu pai por sua posição em uma casa nobre e pela recém descoberta possibilidade de ser possuidor de poderes extraordinários e um “messias” para o povo Fremen do desértico planeta Arrakis, ou Duna. Bem desenvolvida também é a parte da trama que envolve a Casa Atreides ser designada ao planeta Arrakis e de como isso pode ser uma armadilha política. 

 

Outros aspectos, porém, são apenas pincelados. Para quem está tendo seu primeiro contato com Duna, fica muito vago quem são as mulheres da ordem religiosa Bene Gesserit e sua real influência no cenário político. A própria estrutura deste Império universal é bem mal desenvolvida, assim com a Casa Harkonnen é mostrada de forma bem superficial. O mais grave de tudo provavelmente seja que não fica bem impresso na mente do espectador a informação mais essencial deste cenário, que é a extrema importância da especiaria para todo o funcionamento econômico e político do Universo. Não há o senso de gravidade necessário, e fica a impressão de que é apenas a exploração de um recurso natural que dá muito dinheiro, e não algo que, se interrompido, causará o total colapso do Império. 

 

Duna, por sua magnitude, é uma história pesada, e Villeneuve assume essa característica na sua totalidade. Esse peso já era evidente nas adaptações anteriores, até a da TV, bem mais leve e colorida, apesar de mais completa. Nesta versão, tudo é muito pesado, austero, grave e esmagador. Isso é acompanhado tanto pela monstruosa escala dos cenários e paisagens, como no semblante quase sempre soturno dos personagens, sempre desconfiados, alertas e preocupados com o futuro, dos nobres até os habitantes do deserto, terminado por ecoar na música de Hans Zimmer, que esmaga tudo como um bloco de concreto (para bem e para mal). Todo esse peso poderia gerar um sentimento de profunda angústia e apreensão no público, gerando mais simpatia pelos personagens principais, mas, apesar do ótimo elenco, Duna é de uma frieza tão intensa que acaba distanciando os personagens do público. Villeneuve investiu tanto na experiência sensorial de nos colocar dentro daquele mundo extraordinário que esqueceu de nos colocar dentro dos personagens. Lady Jessica é um perfeito exemplo de personagem desperdiçado, que poderia servir muito bem como conexão emocional com o público, mas seu desenvolvimento é bem limitado.

 

A decisão muito acertada de cobrir apenas metade do livro, deixando o restante para um segundo filme, esbarra no problema de definir o momento do corte, e é justamente aí que os principais problemas do filme pesam. Após 155 minutos, tão pouco se sabe sobre aquele mundo e aquelas pessoas que um corte abrupto na história se torna mais um motivo de frustração. A impressão que fica é que Villeneuve deixou coisas demais para serem desenvolvidas no próximo filme, sendo que várias poderiam e deveriam terem sido neste, principalmente levando em conta a longa duração. 

 

Os que estão mais acostumados com exemplares muito mais dinâmicos de ficção científica e de fantasia vão achar Duna de uma lentidão insuportável. Mas não é lentidão o problema, mas sim o labirinto de nomes e tramas e a sensação, principalmente daqueles que estão conhecendo a história agora, de que não conseguem ligar os pontos. Alguns são mesmo feitos para serem ligados depois, outros deveriam ser agora. No mais, o distanciamento emocional entre os personagens e o público parece inacreditável vindo do cineasta de Incêndios e A Chegada. Duna é um primor técnico estupendo, com uma escala épica deslumbrante e um ótimo elenco, mas com um coração que parece ser feito mesmo de pedra e areia.

COTAÇÃO:

 

INDICAÇÕES AO OSCAR:

Melhor filme

Roteiro adaptado: Denis Villeneuve, Eric Roth e Jon Spaihts

Música: Hans Zimmer

Direção de arte: Patrice Vermette e Zsuzsanna Sipos

Fotografia: Greig Fraser

Montagem: Joe Walker

Maquiagem e cabelo: Donald Mowat, Love Larson e Eva Von Bahr

Figurino: Robert Morgan e Jacqueline West

Efeitos visuais: Paul Lambert, Tristen Myles, Brian Connor, e Gerd Nefzer

Som: Ron Bartlett, Theo Green, Doug Hemphill, Mark Mangini e Mac Ruth

 

DUNA (Dune, EUA/Canadá – 2021)

Com: Timothée Chalamet, Rebecca Ferguson, Oscar Isaac, Jason Momoa, Stellan Skarsgård, Stephen McKinley Henderson, Josh Brolin, Javier Bardem, Sharon Duncan-Brewster, Chang Chen, Dave Bautista, David Dastmalchian, Zendaya e Charlotte Rampling

Direção: Denis Villeneuve

Roteiro: Denis Villeneuve, Eric Roth e Jon Spaihts

Fotografia: Greig Fraser

Montagem: Joe Walker

Música: Hans Zimmer


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