quarta-feira, 7 de março de 2018

15h17: TREM PARA PARIS

Por Ricky Nobre


Clint Eastwood é uma figura única em Hollywood. O cowboy bronco, de pouquíssimas palavras, policial linha-dura-bandido-bom-é-bandido-morto-make-my-day, é também um cineasta incrivelmente sensível e brilhante, capaz de obras como Bird e Os Imperdoáveis. O mais liberal dos republicanos é também um artista incansável, que continua a todo vapor do alto de seus 87 anos de idade. Além de muitas histórias originais, Clint gosta de contar histórias reais que o impressionaram, como nos filmes gêmeos A Conquista da Honra / Cartas de Iwo Jima, e também Bird, A Troca, Invictus. J. Edgar e o recente Sully. Este último, mostra um caso bem recente de um ato de heroísmo de um cidadão comum, e é exatamente este mote que é repetido em seu mais recente filme, 15h17: Trem Para Paris.


A menos de três anos, em agosto de 2015, três amigos americanos e um cidadão francês salvaram incontáveis vidas ao conter um terrorista árabe em um trem que ia em direção a Paris. Clint não perdeu tempo em transpor para a tela um caso tão recente e o faz com pelo menos uma grande sacada: os três amigos que protagonizaram o evento (Spencer Stone, Anthony Sadler e Alek Skarlatos) aparecem no filme interpretando eles mesmos. 


O filme é estruturado usando flashbacks, onde os momentos que precedem o ataque ao trem e seu início são intercalados com o passado dos três amigos desde a infância. A partir da vida adulta, o protagonismo fica com o personagem de Stone e suas sucessivas tentativas frustradas de participar de posições relevantes nas forças militares americanas. É justamente a partir daí que a estrutura do filme começa a ficar problemática. Na fase adulta dos amigos, as cenas “futuras” do ataque ao trem ficam cada vez mais raras e menores, ao ponto de uma cena ser tão rápida que chega a ficar estranha. Quando os amigos partem para a Europa, as cenas do trem cessam, e vemos uma sucessão de sequências dos personagens visitando grandes pontos turísticos do continente em cenas sem qualquer atrativo ou interesse, com especial destaque a diálogos da mais absoluta banalidade. 


A decisão de Clint de fazer os participantes reais de um evento tão recente interpretarem eles mesmos acabou determinando a forma como o filme se apresenta ao público, deixando uma clara impressão de que se procurou preservar ao máximo a “realidade dos fatos”, sem nenhuma firula para deixar as cenas mais interessantes do que realmente foram, mantendo até mesmo a trivialidade das conversas vazias durante a viagem. Até mesmo o encontro deles com uma moça americana (que também interpreta a si própria) em Veneza é reproduzido, mesmo que não tenha qualquer impacto na história que está sendo contada. 


Quanto o ataque finalmente chega, ele é rapidamente resolvido (como foi na realidade), mas tem a vantagem de ser de fato muito bem filmado. É o ponto alto de um filme que falha em construir uma sensação real de “crescendo” de tensão da aproximação de um perigo eminente. A maior parte do tempo, 15h17: Trem Para Paris é uma espécie de “pós-reality show”, que reencena a realidade com uma trivialidade que poderia ser muito interessante, mas funciona apenas parcialmente em sua primeira metade e entra em colapso quando os amigos chegam na Europa. A participação do cidadão francês no evento é praticamente apagada e sua história sequer é contada, em parte porque ele preferiu o anonimato por questões de segurança, o que acaba se tornando muito conveniente para manter o protagonismo da história com os americanos, algo que, vejam vocês, é ironizado em uma cena em Berlin, no bunker de Hitler. O pouco planejamento e a curta duração do filme (com 94 minutos é o filme mais curto do diretor), Trem para Paris talvez revele o peso da idade em Clint. Ou, talvez, apenas a teimosia em tirar um filme de onde não tinha.

COTAÇÃO:

15h17: TREM PARA PARIS (The 15:17 to Paris)

Com: Spencer Stone, Anthony Sadler, Alek Skarlatos, Ray Corasani, Judy Greer, Jenna Fischer e Isabelle Risacher Moogalian.

Direção: Clint Eastwood

Roteiro:  Dorothy Blyskal, baseado no livro de Spencer Stone, Anthony Sadler, Alek Skarlatos e Jeffrey E. Stern

Fotografia: Tom Stern

Montagem: Blu Murray

Música: Christian Jacob

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