quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

PANTERA NEGRA: um épico africano


Por Ricky Nobre



Pouca gente sabe, lembra ou se importa, mas foi um herói negro que mudou tudo. Em 1998, estreou nos cinemas, com inesperado sucesso, o filme Blade, o herói caçador de vampiros do universo dos quadrinhos da Marvel, interpretado por Wesley Snipes. Foi o sucesso de Blade que influenciou de forma decisiva a aprovação do projeto do filme X-Men pela Fox, lançado no ano 2000. A partir daí, foram diversos sucessos e fracassos que se sucederam com vários estúdios criando filmes de super-heróis, até que a própria Marvel tornou-se um estúdio em 2008 e iniciou seu grande universo integrado. Alguns anos depois, a DC/Warner iniciou um projeto igualmente ambicioso. Depois de tantos anos, outros super-heróis negros apareceram, mas apenas como coadjuvantes em filmes de outros. Até agora.

 

O filme se inicia logo após os eventos de Capitão América: Guerra Civil, onde o rei do país africano Wakanda é morto na ONU diante do filho, o príncipe T'Challa (Chadwick Boseman). Herdeiro do trono e do manto do Pantera Negra, T'Challa guarda também um grande segredo diante do mundo: Wakanda, que aos olhos de todos é um país pobre que sobrevive de uma pequena produção agrícola, é na verdade uma cultura extremamente avançada tecnologicamente, décadas a frente do resto do mundo, e com um enorme manancial de um metal raro e poderoso: vibranium. T’Challa parte para a captura de um velho inimigo, Klaue (Andy Serkis, sempre excelente), conhecedor do segredo de Wakanda e contrabandista de vibranium e de tecnologia relacionada. Porém, muito mais perigoso, é o jovem Killmonger (Michael B. Jordan) que o acompanha. Killmonger trará morte, discórdia e um questionamento muito desconfortável sobre como Wakanda, ao se ocultar do mundo e proteger seus tesouros e legado da devastação dos colonizadores europeus, acabou por virar as costas aos negros espalhados pelo mundo.

 

Assistir Pantera Negra não é uma tarefa fácil, no melhor dos sentidos. Desde o início de sua produção, sabia-se que esse seria o primeiro filme de super-heróis com elenco majoritariamente negro (na verdade, tem apenas dois personagens brancos importantes e um punhado de figurantes). Mas é só quando você realmente vê os deslumbrantes cenários de Wakanda, sejam urbanos ou naturais, naquela belíssima fantasia de uma nação africana que não foi destruída em sua cultura, orgulho e recursos naturais, numerosos personagens femininos (MUITAS guerreiras!) em pé de igualdade com os masculinos, um blockbuster milionário sobre um povo e cultura africanos... Quando você finalmente vê é que bate a realidade do quanto aquilo é inédito; que já estamos no ano de 2018 e é a primeira vez que algo desse calibre foi realizado. E se a emoção já invade completamente o crítico branco, é incalculável o impacto que terá em jovens negros e negras. 

 

Mas nada disso teria significado num filme vazio. E Pantera Negra tem um excelente roteiro do diretor Ryan Coogler e de Joe Robert Cole. Coogler disse que o tom do filme é uma mistura de O Poderoso Chefão com James Bond. E é bem por aí. Enquanto o Pantera Negra enfrenta os inimigos com muita habilidade e alta tecnologia, o filme mostra um drama familiar entre a nobreza do pais em escala épica, com segredos e revelações inesperadas. Mas vai bem além. O embate entre T’Challa e Killmonger é físico, ético, filosófico e moral. Indo além do Abrutre no recente Homem Aranha, um vilão com excelente motivo pra fazer o que fazia, Killmonger tem toda uma nação espalhada pelo mundo que ele pretende vingar e proteger, algo como Magneto, que vê a humanidade como inimiga dos mutantes em X-Men. Dilemas totalmente contemporâneos, como abertura de fronteiras, acolhimento de refugiados, interferência e/ou ajuda internacional, tudo isso é posto em perspectiva quando é discutida dentro de uma realidade de fantasia, ainda que semelhante à nossa. Até em sua última frase no filme, Killmonger põe questões em perspectiva e deixa muito clara a sua posição. 

 

Tecnicamente, o filme é maravilhoso. Apesar de algumas pequenas escorregadas no CGI (Hollywood insiste nos dublês digitais, mas eles sempre ficam meio esquisitos), Pantera Negra é disparado o filme mais bonito da Marvel. A luz e as cores na fotografia de Rachel Morrison (a primeira mulher na direção de fotografia em um filme da Marvel), a direção de arte, os figurinos... o filme é tão bonito de se ver que parece da DC (sorry guys!). A música de Ludwig Göransson integra grandes sons sinfônicos com sons africanos, resultado de uma viagem de dois meses que o compositor fez pelo Senegal e África do Sul pesquisando músicos, instrumentos e sons locais. Ponto para o diretor Coogler que insistiu em levar sua equipe que sempre trabalhou com ele, em vez de aceitar a imposta pela Marvel. Se existe um “filme de autor”, uma obra pessoal na Marvel, é Pantera Negra. Ao mesmo tempo em que ele se integra perfeitamente, sem falha alguma, ao universo Marvel que já soma 18 filmes, ele traz para a mesa muitas coisas que jamais foram vistas nos filmes da MCU. E pode parecer uma bobagem, mas é um enorme alívio ver um filme de super-herói que usa máscara onde ele não fica tirando a máscara toda hora, no meio de uma luta, só porque o ator quer mostrar a cara tempo inteiro! O Pantera Negra só tira a máscara quando termina o serviço!

 

Se o filme tem um problema, este é a escolha de Michael B. Jordan como Killmonger. Ator de trabalhos anteriores de Ryan Coogler, especialmente Creed, onde se saiu bem, aqui Jordan não consegue dar a intensidade necessária que seu personagem exigia, com o agravante de que todos os demais excelentes integrantes do elenco conseguiram fazer muito bem. Seu rosto parece sempre ter a mesma expressão e a voz o mesmo tom e, infelizmente, Killmonger permanece um personagem muito melhor escrito do que foi interpretado. Numa análise mais fria, ele não está exatamente ruim, mas muito abaixo de todos os outros que se saíram especialmente bem. Se o excelente Sterling K. Brown, ator premiado da série This Is Us, que faz uma pequena participação, tivesse pegado o papel de Killmonger, o resultado com certeza seria bem melhor.

 

Pantera Negra é o extremo oposto do filme anterior do estúdio, Thor: Ragnarok. Ao contrário deste, é um filme inteligente, profundamente emocionante, lindo, dramático, divertido, com humor muito bem dosado. É o anti-ragnarok em todos os sentidos. É o melhor filme da Marvel até agora, e um dos melhores filmes de super-heróis já feitos, ao lado de Superman (1978), X-Men 2 (2003), O Cavaleiro das Trevas (2008) e Logan (2016). Os demais filmes da Marvel até o fim da fase 3 já estão quase prontos ou em produção, ou seja, o tom e o caminho deles já está definido. Mas, assim que terminar Vingadores 4 em 2019, a Marvel terá uma difícil decisão. Ragnarok teve uma bilheteria excepcional no mundo todo e, apesar de ainda não ter estreado, Pantera Negra já dá certeza de altíssima bilheteria, uma vez que já é campeão de pré venda de ingressos. Com dois grandes sucessos tão radicalmente diferentes um do outro, a Marvel deverá decidir se seguirá o caminho Thor ou Pantera Negra. Waititi ou Coogler. Imaturidade ou inteligência. Só nos resta ter fé.

 

COTAÇÃO:

 
PANTERA NEGRA (Black Panther, 2018)
Com: Chadwick Boseman, Michael B. Jordan, Lupita Nyong'o, Danai Gurira, Martin Freeman, Daniel Kaluuya, Letitia Wright, Winston Duke, Sterling K. Brown, Angela Bassett, Forest Whitaker e Andy Serkis.
Direção: Ryan Coogler
Roteiro: Ryan Coogler e Joe Robert Cole
Fotografia: Rachel Morrison
Montagem: Debbie Berman e Michael P. Shawver
Música: Ludwig Göransson
Canções originais: Kendrick Lamar

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