domingo, 25 de fevereiro de 2018

Os Filmes do Oscar: DUNKIRK – oito indicações


Por Ricky Nobre


Mal a Segunda Guerra Mundial começou e ela já teve um de seus momentos mais tensos. Em maio de 1940, cerca de 400 mil soldados, entre franceses e quase toda a Força Expedicionária Britânica, se viram encurralados na cidade de Dunquerque pelas forças alemães. Com apenas duas semanas no cargo de primeiro ministro, Churchill se via numa posição extremamente delicada (como pode ser visto em outro filme indicado ao Oscar, A Hora mais Escura). Graças à impressionante ousadia da Operação Dínamo, quase mil pequenas embarcações particulares foram empregadas no resgate das tropas, numa manobra extremamente arriscada. Christopher Nolan, em seu primeiro filme baseado em fatos reais, traz seu cinema intelectual e matemático para retratar esse momento crítico da História.

 

Dunkirk é, ao mesmo tempo, a negação e o ápice do cinema de Nolan. Sua estrutura temporal complexa, onde uma semana em terra, um dia no mar e uma hora no ar se interpolam de forma imensamente sofisticada como era de se esperar, é o principal trunfo narrativo e estético do filme. Nolan já jogou com narrativas temporais antes, mas, com certeza, é sua experiência mais sofisticada nesse âmbito desde Amnésia, a pequena obra prima que o colocou no mapa em 2000. 

 

Por outro lado, seus filmes têm, invariavelmente e independente de sua qualidade, roteiros extremamente elaborados do ponto de vista da trama e dos personagens. Não é o caso aqui. Como se tentasse sair do seu próprio lugar-comum, o dos grandes épicos de quase três horas, com diálogos longos e intrincados e tramas que são verdadeiros quebra-cabeças, Nolan constrói Dunkirk como um filme que sequer tem um personagem que se possa considerar um protagonista, embora o soldado interpretado por Fionn Whitehead seja, de certa forma, tratado como tal. Com pouquíssimos diálogos e uma trama de complexidade zero, fica a cargo da construção narrativa todo o mérito e atrativo do filme que totaliza meros 106 minutos de duração, sendo o filme mais curto da carreira do diretor. 

 

Tecnicamente, Dunkirk é o primor que se espera de Nolan. Parte filmado em película IMAX e parte em película 70mm, a produção mantém Nolan em sua paixão em filmar com FILME, em consistente e resoluta rejeição ao digital. Em busca de autenticidade, ele confirma sua predileção por poucos efeitos em CGI e se utiliza de uma enorme quantidade de embarcações e aviões verdadeiros, muitos deles da época. Vários caças spitfires são relíquias legítimas, assim como vários navios e até mesmo, das 100 embarcações pequenas usadas no filme, 12 são relíquias reais que realmente participaram do resgate dos soldados em 1940. Até mesmo miniaturas de aviões pilotadas com controle remoto foram preferidas a efeitos digitais. 

 

A simplicidade extrema da trama acaba apresentando problemas. Em sua alta sofisticação narrativa, o filme acaba por sofrer com personagens que não vão além da profundidade de soldados de chumbo. Com certa frequência, e particularmente em um dos últimos momentos tensos do filme, Nolan aposta em nosso temor pelo destino de seus personagens, mas simplesmente não há identificação possível, nem é razoável a intenção do diretor que o público sinta alívio com a sobrevivência de um personagem específico do qual nada sabemos em detrimento de outros personagens igualmente anônimos que queimam na água. 

 

Nolan, por vezes, perde a mão na construção da tensão, principalmente ao utilizar-se da verdadeiramente abominável trilha musical de Hans Zimmer e Benjamin Wallifisch. Com certa obsessão pela ilusão de crescendo infinito, Nolan tem Zimmer como seu compositor de preferência há vários anos. Aqui, ele chega ao ápice da construção musical com o papel de efeitos sonoros e não oferece qualquer espécie de variação além da progressão de ritmos eletrônicos absolutamente genéricos, sem qualquer instrumentação que se relacione com o período de filme e sem nenhuma variação de acordo com os acontecimentos na tela, onde “mais tensão” vira sinônimo de “mais volume” e o alívio não é musical, mas a ausência abrupta da música. Apenas nos momentos finais, a música muda de tom para um alívio da tensão verdadeiramente musical, mas isso é feito meramente com o uso da peça clássica Nimrod de Elgar, tocada de forma extremamente lenta e com arranjo pobre. 

 

Dunkirk é um filme concebido com um objetivo bastante claro e simples: narrar de forma objetiva uma das operações mais famosas e impressionantes da Segunda Guerra Mundial e, ao fazê-lo, dispensar quaisquer divagações ou distrações, como conjecturar sobre o que é considerado o último grande mistério da Segunda Guerra, que é o porquê de Hitler ter ordenado suspensão dos avanços a Dunquerque. Sequer a presença alemã efetiva no combate tem qualquer espécie de atenção, e a única vez que vemos soldados alemães na tela, eles estão fora de foco. Durante todo tempo, eles estão invisíveis em esquinas ou dentro de caças. Nolan busca o drama humano naquela retirada desesperada proporcionada por cidadãos civis que, numa inversão do lugar comum, zarpam para salvar os militares. A costura das linhas de tempo é primorosa, assim como é apoteótico o encontro das três ao final. Personagens unidimensionais, entretanto, não ajudam nessa tarefa de emocionar o espectador, que acaba mais impactado pela extraordinária reprodução do cenário das batalhas do que pela emoção na tragédia da guerra e na abnegação do heroísmo. É a vitória e o fracasso do cinema-exato de Nolan.

 

COTAÇÃO: 
 
DUNKIRK (2017)

Com: Fionn Whitehead, Mark Rylance, Tom Glynn-Carney, Tom Hardy, Kenneth Branagh e Cillian Murphy.

Roteiro e direção: Christopher Nolan

Fotografia: Hoyte van Hoytema

Montagem: Lee Smith

Música: Hans Zimmer



INDICAÇÕES AO OSCAR:

Melhor filme

Diretor: Christopher Nolan

Fotografia: Hoyte van Hoytema

Montagem: Lee Smith

Música: Hans Zimmer

Edição de som: Richard King e Alex Gibson

Mixagem de som: Mark Weingarten, Gregg Landaker e Gary Rizzo

Direção de arte: Nathan Crowley e Gary Fettis

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