Por Ricky Nobre
Mal a Segunda Guerra Mundial começou e ela já teve um de
seus momentos mais tensos. Em maio de 1940, cerca de 400 mil soldados, entre
franceses e quase toda a Força Expedicionária Britânica, se viram encurralados
na cidade de Dunquerque pelas forças alemães. Com apenas duas semanas no cargo
de primeiro ministro, Churchill se via numa posição extremamente delicada (como
pode ser visto em outro filme indicado ao Oscar, A Hora mais Escura). Graças à
impressionante ousadia da Operação Dínamo, quase mil pequenas embarcações
particulares foram empregadas no resgate das tropas, numa manobra extremamente
arriscada. Christopher Nolan, em seu primeiro filme baseado em fatos reais,
traz seu cinema intelectual e matemático para retratar esse momento crítico da
História.
Dunkirk é, ao mesmo tempo, a negação e o ápice do cinema de
Nolan. Sua estrutura temporal complexa, onde uma semana em terra, um dia no mar
e uma hora no ar se interpolam de forma imensamente sofisticada como era de se
esperar, é o principal trunfo narrativo e estético do filme. Nolan já jogou com
narrativas temporais antes, mas, com certeza, é sua experiência mais
sofisticada nesse âmbito desde Amnésia, a pequena obra prima que o colocou no
mapa em 2000.
Por outro lado, seus filmes têm, invariavelmente e
independente de sua qualidade, roteiros extremamente elaborados do ponto de
vista da trama e dos personagens. Não é o caso aqui. Como se tentasse sair do
seu próprio lugar-comum, o dos grandes épicos de quase três horas, com diálogos
longos e intrincados e tramas que são verdadeiros quebra-cabeças, Nolan
constrói Dunkirk como um filme que sequer tem um personagem que se possa
considerar um protagonista, embora o soldado interpretado por Fionn Whitehead
seja, de certa forma, tratado como tal. Com pouquíssimos diálogos e uma trama
de complexidade zero, fica a cargo da construção narrativa todo o mérito e
atrativo do filme que totaliza meros 106 minutos de duração, sendo o filme mais
curto da carreira do diretor.
Tecnicamente, Dunkirk é o primor que se espera de Nolan. Parte
filmado em película IMAX e parte em película 70mm, a produção mantém Nolan em
sua paixão em filmar com FILME, em consistente e resoluta rejeição ao digital. Em
busca de autenticidade, ele confirma sua predileção por poucos efeitos em CGI e
se utiliza de uma enorme quantidade de embarcações e aviões verdadeiros, muitos
deles da época. Vários caças spitfires são relíquias legítimas, assim como
vários navios e até mesmo, das 100 embarcações pequenas usadas no filme, 12 são
relíquias reais que realmente participaram do resgate dos soldados em 1940. Até
mesmo miniaturas de aviões pilotadas com controle remoto foram preferidas a
efeitos digitais.
A simplicidade extrema da trama acaba apresentando
problemas. Em sua alta sofisticação narrativa, o filme acaba por sofrer com
personagens que não vão além da profundidade de soldados de chumbo. Com certa
frequência, e particularmente em um dos últimos momentos tensos do filme, Nolan
aposta em nosso temor pelo destino de seus personagens, mas simplesmente não há
identificação possível, nem é razoável a intenção do diretor que o público
sinta alívio com a sobrevivência de um personagem específico do qual nada
sabemos em detrimento de outros personagens igualmente anônimos que queimam na
água.
Nolan, por vezes, perde a mão na construção da tensão,
principalmente ao utilizar-se da verdadeiramente abominável trilha musical de
Hans Zimmer e Benjamin Wallifisch. Com certa obsessão pela ilusão de crescendo
infinito, Nolan tem Zimmer como seu compositor de preferência há vários anos.
Aqui, ele chega ao ápice da construção musical com o papel de efeitos sonoros e
não oferece qualquer espécie de variação além da progressão de ritmos
eletrônicos absolutamente genéricos, sem qualquer instrumentação que se
relacione com o período de filme e sem nenhuma variação de acordo com os
acontecimentos na tela, onde “mais tensão” vira sinônimo de “mais volume” e o
alívio não é musical, mas a ausência abrupta da música. Apenas nos momentos
finais, a música muda de tom para um alívio da tensão verdadeiramente musical,
mas isso é feito meramente com o uso da peça clássica Nimrod de Elgar, tocada
de forma extremamente lenta e com arranjo pobre.
Dunkirk é um filme concebido com um objetivo bastante claro
e simples: narrar de forma objetiva uma das operações mais famosas e
impressionantes da Segunda Guerra Mundial e, ao fazê-lo, dispensar quaisquer
divagações ou distrações, como conjecturar sobre o que é considerado o último
grande mistério da Segunda Guerra, que é o porquê de Hitler ter ordenado
suspensão dos avanços a Dunquerque. Sequer a presença alemã efetiva no combate
tem qualquer espécie de atenção, e a única vez que vemos soldados alemães na
tela, eles estão fora de foco. Durante todo tempo, eles estão invisíveis em
esquinas ou dentro de caças. Nolan busca o drama humano naquela retirada
desesperada proporcionada por cidadãos civis que, numa inversão do lugar comum,
zarpam para salvar os militares. A costura das linhas de tempo é primorosa,
assim como é apoteótico o encontro das três ao final. Personagens
unidimensionais, entretanto, não ajudam nessa tarefa de emocionar o espectador,
que acaba mais impactado pela extraordinária reprodução do cenário das batalhas
do que pela emoção na tragédia da guerra e na abnegação do heroísmo. É a
vitória e o fracasso do cinema-exato de Nolan.
COTAÇÃO:
DUNKIRK (2017)
Com: Fionn
Whitehead, Mark Rylance, Tom Glynn-Carney, Tom Hardy, Kenneth Branagh e Cillian
Murphy.
Roteiro e direção: Christopher Nolan
Fotografia: Hoyte van Hoytema
Montagem: Lee Smith
Música: Hans Zimmer
INDICAÇÕES AO OSCAR:
Melhor filme
Diretor: Christopher Nolan
Fotografia: Hoyte van Hoytema
Montagem: Lee Smith
Música: Hans Zimmer
Edição de som: Richard King e Alex Gibson
Mixagem de som: Mark Weingarten, Gregg Landaker e Gary Rizzo
Direção de arte: Nathan Crowley e Gary Fettis
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