quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Os Filmes do Oscar: ME CHAME PELO SEU NOME – quatro indicações


Por Ricky Nobre


O cinema de temática LGBT não é tão raro quanto se pensa. Todo ano no Festival do Rio, por exemplo, existe uma mostra de filmes com esse enfoque. É necessário, porém, ater-se ao cinema independente, pois fora dele a produção sobre o tema é de fato muito escassa. Vez ou outra, algum desses filmes quebra a barreira e atinge um público mais amplo. Com quatro indicações ao Oscar, Me Chame Pelo Seu Nome chega com um hype considerável, alavancado pelo grande sucesso do livro que o inspirou.

 

Numa vila do século XVII, ao norte da Itália, o jovem e introvertido Elio passa o verão às voltas com seu piano e música clássica, quando chega Oliver, um aluno de seu pai professor de arqueologia, para trabalhar como seu assistente durante as férias. Após certo estranhamento inicial, os dois passam cada vez mais tempo juntos até florescer um romance entre os dois. 

 

Nos dias de hoje, parece bastante relevante o “lugar de fala” onde um grupo específico fala por si. O fato de André Aciman, autor do livro original, ser hétero, assim como os atores principais Armie Hammer e Timothée Chalamet, é suficiente para lançar certa controvérsia sobre a “autenticidade gay” do filme. Ele, porém, passou por dois filtros mais do que relevantes: o do diretor Luca Guadagnino e do roteirista James Ivory, ambos homossexuais assumidos. Ivory, inclusive, que já abordou a homossexualidade na era vitoriana no belo Maurice (1988), era o mais cotado para dirigir o filme. Porém, beirando os 90 anos de idade, não possuía mais fôlego para tal, e a cadeira do diretor passou para Guadagnino.

 

Apesar da diferença entre os cinemas dos dois cineastas, o filme de Guadagnino tem o DNA de Ivory espalhado por todo canto. É como se estivéssemos vendo os velhos filmes repletos de beleza e elegância que a Merchant/Ivory costumava produzir nas décadas de 80 e 90. A belíssima fotografia no calmo cenário interiorano europeu constrói uma atmosfera onde até sofrer é algo a ser feito elegantemente.

 

Talvez um grande erro que se cometa ao se construir expectativas, ou mesmo ao “ler” o filme, é considerá-lo um exemplar de cinema gay, quando a história é sobre o romance de dois jovens evidentemente bissexuais. E Guadagnino claramente procurou contar uma história de amor sem qualquer contextualização social ou política das questões LGBT. Isolados no tempo e no espaço (uma cidadezinha no interior da Itália em 1983) Elio e Olive vivem uma paixão com data de validade, um típico amor de verão, e não há problematização maior disso além de um possível coração partido da moça com quem Elio se encontra.

 

É bastante curioso também o quanto que as cenas de sexo são comportadas. Guadagnino já foi muito mais explícito ao retratar sexo hétero em filmes como 100 Escovadas Antes de Dormir e Um Mergulho no Passado. Porém, quando surge a oportunidade de lidar com sexo gay, com o qual ele seria supostamente mais intimo, ele escolhe a discrição, suavidade e a sugestão. Não se sabe se ele achou que “pesou a mão” nos filmes anteriores, se tentou fazer um filme mais “amigável” para um público hétero mais vasto, ou se ele simplesmente achou que esse era o tom correto para a história que estava contando, apesar de tanto o livro de Aciman quanto o roteiro de Ivory conterem cenas de sexo bem menos comportadas que o diretor acabou cortando ou suavizando.

 

De fato, existe um comedimento geral em Me Chame Pelo Seu Nome. Nenhum dos dois protagonistas possui qualquer comportamento “afetado”, assim como mantêm uma “aparência hétero” sólida. Na verdade, cada um tem um perfil radicalmente distinto um do outro. Elio é um adolescente intelectualizado, de compleição magérrima e personalidade reservada. Já Oliver é extrovertido, atlético, com rosto, voz e cabelo perfeitos, o exato oposto de Elio, e os dois acabam formando dois estilos de beleza e sensualidade masculinos bem específicos, distintos e, honestamente, clichês. Essa “atração de opostos” poderia parecer horrivelmente forçada, mas a verdade é que o roteiro é tão competente ao conceber o romance entre eles e a química entre os atores é tão perfeita, que compramos sem questionar esse caso de amor que parece ter sido feito sob medida para encantar a públicos de quaisquer orientações sexuais sem causar desconforto a ninguém. 

 

Me Chame Pelo Seu Nome tem, assim, o imenso mérito de sobreviver a todos os possíveis artifícios que poderiam torná-lo um filme insípido e ser um filme verdadeiramente adorável, belo, sensual e agridoce. E talvez a grande declaração política de Guadagnino neste filme tenha sido justamente a ausência de uma. Ao mostrar um romance entre homens sem ataques homofóbicos, sem vergonha (no melhor dos sentidos), onde o jovem Elio ainda pode contar com os melhores pais do mundo para apoiá-lo, Guadagnino cria um idílico mundo ideal onde um amor é apenas um amor, que já pode ser belo e sofrido o suficiente, sem o peso que a sociedade impõe.


COTAÇÃO: 


 
ME CHAME PELO SEU NOME (Call Me By Your Name, 2017)
Com: Armie Hammer, Timothée Chalamet, Michael Stuhlbarg, Amira Casar e Esther Garrel.
Direção: Luca Guadagnino          
Roteiro: James Ivory, baseado no livro de André Aciman
Fotografia: Sayombhu Mukdeeprom
Montagem: Walter Fasano

INDICAÇÕES AO OSCAR:
Melhor filme
Melhor ator: Timothée Chalamet
Roteiro adaptado: James Ivory, baseado no livro de André Aciman
Canção original: "Mystery of Love" por Sufjan Stevens

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