Por Ricky Nobre
Quando Hayao
Miyazaki, Isao Takahata, Toshio Suzuki e Yasuyoshi Tokuma se juntaram e fundaram
o Studio Ghibli em 1985, sob a luz do sucesso de Kaze No Tami No Nausicaä no ano anterior, eles provavelmente não
faziam ideia que estavam criando um dos estúdios de animação mais amados do
mundo. Vinte filmes (vinte e um se contarmos que Nausicaä foi incorporado ao catálogo do estúdio) haviam sido feitos
até 2013, quando o principal nome da empresa, o mestre Hayao Miyazaki, anunciou
que Vidas ao Vento seria seu último
filme, consolidando sua aposentadoria. Logo após este anúncio, o estúdio lançou
uma nota oficial afirmando que o filme que estava em produção naquele momento
seria o último lançado e que ele entraria em recesso para ser reestruturado.
Pânico se instalou nos corações de fãs do mundo inteiro. Omoide no Marnie seria o último filme do Studio Ghibli.
Hiromasa Yonebayashi foi animador de quase metade dos filmes
do estúdio, até estrear na direção com O
Mundo dos Pequeninos em 2010. Para seu segundo filme, optou por adaptar When Marnie Was There, um romance
lançado pela inglesa Joan G. Robinson em 1967. No filme, Anna é uma menina órfã
de 12 anos que sofre de asma. Sua mãe adotiva (que ela chama de tia) a manda
para a casa de parentes no interior, onde o ar puro pode ajudar a recuperar a
saúde. Na nova cidade, Anna faz o que fazia onde morava: foge desesperadamente
de qualquer possibilidade de interação social. Ela acredita que exista no mundo
um círculo invisível onde a maioria das pessoas está dentro e ela está fora.
Exímia desenhista, ela nunca deixa ninguém ver suas obras, pois acredita
estarem sempre ruins. Sentindo-se permanentemente desconectada do mundo, sonha
em ser “normal”, enquanto acredita que o mundo a vê como feia, burra,
temperamental, desagradável. Anna odeia a si mesma.
Fascinada por uma mansão abandonada construída no meio de um
pântano cujas águas sobem à noite, Anna a visita durante o dia a vasculha suas
ruínas. Numa noite, decide visitá-la depois que a maré sobe e conhece Marnie. Ela
é linda, gentil, esperta, divertida, se veste lindamente, enfrenta a tirania
das babás. Marnie é tudo que Anna gostaria de ser e, o mais impressionante,
possui profundo carinho e amizade por Anna.
No desenrolar da história, um pequeno quebra cabeças vai se
formando a partir de alguns fragmentos de informações para que o público e a
própria Anna possa desvendar o mistério de Marnie, que vive como que numa
dimensão paralela, que só existe ao subir da maré, onde a mansão abandonada se
torna palco de lindas e sofisticadas festas da rica família. Mas o mistério de
quem é Marnie e como ela e seu mundo aparecem apenas para Anna, apesar de ser
habilmente mantido pela narrativa, onde o público conjectura diversas possibilidades,
não protagonizam a trama. O espetáculo que presenciamos é a jornada emocional
de Anna. Perceber-se amando e sendo amada de forma tão imensa, tão doada, é uma
absoluta novidade na vida de Anna que, com as questões que tem e vão sendo
reveladas ao longo do filme, não percebia o amor que já recebia, sentindo-se
mais abandonada pela família morta do que acolhida pelos que a receberam. E
essa enorme cumplicidade com a amiga traz profundas transformações.
Não é novidade a capacidade dos animadores nipônicos em
lidarem com emoções, transformando seus personagens desenhados em atores
excepcionais, tão pouco é nova a delicadeza e a exuberante beleza dos filmes do
Ghibli. Memórias de Marnie, tendo
ares de canto do cisne do estúdio, é uma síntese e uma apoteose do seu legado. Extraordinariamente
bem animado, repleto dos mais ínfimos e sensíveis detalhes, Marnie fala de amor, amor de mulheres,
entre mulheres, e como esse amor resgata corações, almas e auto-estimas despedaçadas.
Talvez o filme mais completa e proeminentemente definido pelo amor desde A Cor
Púrpura. Um amor que salva vidas e resgata histórias. É imperativo sentar-se
pela primeira vez (ou pela segunda, terceira...) vez diante de Memórias de
Marnie com uma caixa de lenços. Acredite você ou não que este é o fim do Studio
Ghibli.
PS: O título brasileiro é tradução literal do título em
japonês. O título internacional em inglês é o mesmo do livro original. O site
Studio Ghibli Brasil promoveu uma enquete para escolher o título brasileiro que
consistia nas traduções literais dos dois títulos oficiais e uma terceira
opção, “Quando Estou com Marnie”. Venceu a tradução do original japonês.
INDICAÇAO AO OSCAR:
Melhor longa metragem
de animação
4 comentários:
Só por esta crítica já mereceria um Oscar!
^____^ Arigato!
Eu vi esse filme ^^!!
A critica me convenceu a ver!
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